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Gramática Funcional | Maria Helena de Moura Neves

Gramática FuncionalEsta obra tem como matriz de organização o livro A Gramática funcional, de minha autoria, editado em 1997 pela Editora Martins Fontes, nunca submetido à necessária revisão ortográfica, nunca tendo recebido uma reedição registrada (apesar do número de seus leitores, sabidamente, muito grande), e há bastante tempo indisponível para venda (a não ser no mercado de usados).

Esta não é uma reedição, é uma refacção total da obra, com incorporação de pesquisas atualizadas sobre o desenvolvimento da teoria funcionalista e com incorporação de reflexões pessoais que desenvolvi durante o tempo que decorreu desde essa publicação de 1997. Em todo esse tempo, apresentei resultados de pesquisa, em conferências e palestras, e publiquei dezenas de estudos (teóricos e práticos) abrigados na chancela da visão funcionalista da linguagem (livros, capítulos e artigos), alguns citados e recuperados nesta obra.

O que faço, de certa maneira, neste “Manual” (de consulta/de estudo), é resgatar a proposta de estudo de Neves (1997), para incorporá-la a um contingente de reflexões que compõe, em um plano teórico de direção particular, a recolha de alguns dos estudos que desenvolvi desde então. O pensamento se organiza com programação determinada para tratamento correlacionado de temas diretamente envolvidos naquilo que, no geral, considera-se que sejam pesquisas dirigidas pela linha do Funcionalismo linguístico/da Gramática funcional (rótulos que coloco em um mesmo território de busca de fatos). Por essa razão, o que trago (no conteúdo e no discurso) são, particularmente, indicações sobre proposições teóricas, raramente alguma indicação de análises práticas de uso (o que, na verdade, foi algo que muito prioritariamente desenvolvi em meus trabalhos,1 mas que não cabem diretamente neste livro, eventualmente entrando em citação).

Assim, além de estarem aqui conservadas (revistas e redistribuídas) praticamente todas as informações oferecidas na obra inicial (Neves, 1997) – que aproximadamente representam cerca de 40% da extensão atual –, uma parte considerável do que vai exposto é captado em estudos que foram desenvolvidos posteriormente, nem todos nominalmente citados. Afinal, na organização deste livro esse conjunto se submete a uma nova angulação, a fim de compor a trajetória que foi projetada para a configuração atual da obra.

São estes (de modo muito geral, e com apresentação em tópicos) os passos (capítulos) dessa configuração em que, dentro dos limites de extensão que a natureza da obra impõe, é tratado o tema do lugar e do papel do Funcionalismo/da Gramática funcional nos estudos linguísticos:

  1. (Introduzindo) Os termos Funcionalismo/Gramática funcional: definição de uma teoria da organização gramatical das línguas naturais que procura integrar-se em uma teoria global da interação social, propondo que as relações entre as unidades e as funções das unidades têm prioridade sobre seus limites e sua posição, e por aí entendendo a gramática como suscetível às pressões do uso, com a tarefa central de correlacionar forma e significado no plano discursivo-textual.
  2. A noção mais amplamente identificadora da direção funcionalista da análise das línguas naturais: foco no uso linguístico, na ‘língua em função’, com a necessária atenção no estabelecimento da categoria ‘função’.
  3. A caracterização geral do ‘Funcionalismo linguístico’/da ‘Gramática funcional’: seus princípios, seus temas de investigação, suas bases históricas, sua natureza teórica (sistematicidade e funcionalidade imbricadas), sua componencialidade funcional (sintaxe, semântica e pragmática imbricadas).
  4. A compreensão da intrínseca relação de ‘uso e sistema’: a ‘língua’ como suporte da ‘linguagem’ no seu fazer-se; a interação verbal no propósito e na motivação das ‘expressões linguísticas’, na organização discursiva e na organização gramatical da expressão (segundo “modelos mentais” que se ativam).
  5. A necessária visão crítica da correlação entre as duas correntes de visão linguística tradicionalmente postas em confronto, Funcionalismo e Formalismo: a conjunção e o contraste dos dois modelos, mediante a análise dos fundamentos da questão.
  6. É o capítulo mais documental da obra: apresentação e discussão de ‘diferentes’ Funcionalismos, especialmente as duas nomeadas “Gramáticas funcionais” constituídas (a visão histórica das propostas, seu arcabouço teórico e a explicitação da teoria).
  7. O componente cognitivista da visão de gramática, língua e linguagem: com as teorias de base, o cognitivo na linguagem visto como representação de um sistema conceptual e como mediação de funções comunicativas (exatamente em contraponto com essas duas grandes âncoras da visão funcionalista); na sequência, notícia de ‘Gramáticas funcionais’ de tipo cognitivo.
  8. A explicitação do(s) Funcionalismo(s) na sua ligação com as entidades ‘texto’ e ‘discurso’: de um lado, propostas que vão essencialmente à explicitação do funcionamento discursivo-textual (amostra de uma proposta baseada na correlação entre padrões gramaticais e padrões discursivos, e de outra baseada na proclamação da não autonomia da gramática); de outro lado, propostas que vão à explicitação da gramática como instrumento de interação social (amostra de duas propostas desenvolvidas em continuidade, centradas na organização discursiva); de outro lado, ainda, uma proposta que, centrada essencialmente nas ‘funções’ da linguagem sistemicamente resolvidas, vai à organização linguística como organização textual.
  9. A gramática e seu papel na organização da eficiência discursiva, em atendimento das necessidades comunicativas: a ativação da gramática e seu dinamismo; a ligação entre a representação conceptual e a codificação linguística; a relação entre o empacotamento cognitivo e o empacotamento gramatical (com resultado no paradigma da iconicidade ‘diagramática’); a relação entre o esquema cognitivo (global) e o processamento linear e segmentável da linguagem verbal (com resultado no paradigma da prototipia ‘categorial’).
  10. As acomodações da língua no uso (ilustrando as mais significativas propostas dos ‘Funcionalismos’) e a possibilidade de chegada à ‘gramática’ do que não era (de direito) ‘gramatical’, com a ‘gramaticalização’: sua conceituação e seus limites; sua (complexa) natureza; seu histórico; seu campo e a perspectiva de seu estudo; seu percurso (níveis e fenômenos), seus princípios e seus efeitos. A conjunção de abstratização (metáfora) e contextualização (metonímia) no processo.
  11. Uma leve recolha analítica, com duas questões para observação e para exame: (i) o perigo que representa a tendência de ‘superestimar’ explicações funcionais das formas linguísticas: a necessidade de uma visão devidamente balanceada (teoricamente sustentada) da natureza dos fatos de língua no uso, e do papel dos fatores funcionais; (ii) no contraponto (e com destaque), a grande importância da sustentação teórica que a teoria funcionalista pode dar (e tem dado) às pesquisas em tipologia linguística (já possível de ser rastreada na história da proposta funcionalista e agora documentada em estudos atuais de grande validade): ela pode ser verificada, notavelmente, como uma natural decorrência do desenvolvimento sustentado de noções ligadas ao tratamento funcional da linguagem, tais como ‘motivação’, ‘propósito comunicativo’, ‘dinamicidade’, ‘dependência situacional’, ‘instrumentalidade’ (termos colhidos rastreando a exposição aqui oferecida), que explicam a conveniência e a necessidade de investigação em diferentes línguas particulares.

No rescaldo das indicações: em qualquer dos modelos funcionais em desenvolvimento, examina-se a configuração de uma gramática que, explicável em bases sociointeracionais e em bases cognitivistas inter-relacionadamente, tem suas descrições dirigidas pela tentativa de atingir o equilíbrio entre o mais geral e as especificidades linguísticas, que é o que corresponde ao uso linguístico efetivo.


O centro da questão é a indeterminação da linguagem, que condiciona uma multiplicidade de relações e uma multiplicidade de tensões, tudo a determinar mais fluidez do que rigidez no uso linguístico, ou seja, mais acomodações contínuas do que instalações imutáveis.

(Da “Apresentação” de Neves (2015a: 15), fazendo referência a ‘motivações’ e a ‘pressões’ no uso linguístico, e defendendo a necessidade de atenção do analista às pressões discursivas e às motivações cognitivo-perceptuais atuantes na interação linguística, um dos temas centrais de discussão na teoria funcionalista da linguagem)


Maria Helena de Moura Neves é doutora em Letras Clássicas (Grego) pela Universidade de São Paulo, livre-docente (Língua Portuguesa) e professora emérita pela Universidade Estadual Paulista. É pesquisadora do CNPq e docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Unesp. Desenvolve trabalhos sobre gramática de usos do português, texto e gramática, história da gramática, descrição da língua portuguesa e funcionalismo. Pela Editora Contexto publicou como autora Ensino de língua e vivência de linguagem: temas em confronto, Gramática na escola, Que gramática estudar na escola?, Texto e gramática e Gramática Funcional; como coautora lançou Gramática do português culto falado no Brasil – Volume 3: Palavras de classe aberta e Volume 4: Palavras de classe fechada, além de ser organizadora do Volume 5: A construção das orações complexas. Crédito: acervo pessoal da autora.