Colunista examina, à luz das investigações da psicologia e da neurociência, por que adiamos tanto as tarefas e como brecar esse comportamento
Gostar ninguém gosta, mas a maioria de nós volta e meia deixa para depois tarefas que tinha se proposto a fazer naquela hora.
Alguns cenários. Sua chefe passa um grande projeto de trabalho que cabe desenvolver imediatamente. Só que você se dá conta de que não pode se dedicar a ele antes de limpar a escrivaninha, jogar palavras-cruzadas e assistir àquela série da Netflix.
Outro cenário: você não gosta da aparência de uma pinta estranha que apareceu na perna, mas se vê esquecendo por meses de agendar o dermatologista.
Mais um: desta semana a arrumação do armário não passa, mas você vem dizendo isso há 20 sábados seguidos. Último: seu sonho é correr uma maratona, mas a empreitada exige começar a correr e a fazer musculação para se fortalecer e você sempre encontra outras prioridades.
Tarefas e metas são adiadas frequentemente para serem iniciadas no dia seguinte. A sensação é que agora você não consegue, não tem tempo, não quer… Mas que amanhã vai ser o momento ideal. E o ciclo recomeça.
A procrastinação, conforme ilustrada nos cenários acima, é o adiamento voluntário de uma ação pretendida, sem nenhuma razão evidente, mesmo sabendo que provavelmente a situação irá piorar devido ao atraso. Um estudo recente, publicado na revista científica Nature, aponta que se trata de um tipo de viés cognitivo (em outras palavras: um autoengano).
O cérebro nos convence de que realizar essas tarefas será, de alguma forma, mais fácil no futuro. Ou que, no fundo, a gente não quer realizar essa incumbência, e deve dispender tempo só com coisas que nos deem prazer imediato.
Procrastinação é uma experiência universal (quem nunca?) que muitas vezes deixa as pessoas lidando com prazos iminentes… E altos e desnecessários níveis de estresse.
Entre estudantes universitários, há indícios de que 50% procrastinam cronicamente. Entre adultos, estimativas apontam que ao menos 15% se descrevem como procrastinadores crônicos.
Alguns diagnósticos de saúde mental têm alta prevalência de procrastinadores. O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), por exemplo, tem como uma de suas características centrais o adiamento constante da realização de tarefas.
Tim Pychyl, ex-professor da Universidade de Carlenton, no Canadá, é um dos principais pesquisadores dessa área na psicologia. Ele afirma que, diferentemente do que se costuma pensar, a procrastinação não é um problema de organização ou preguiça, mas uma dificuldade de autorregulação emocional.
A neurociência apoia essa hipótese como um conflito entre o sistema límbico, associado às respostas emocionais e à busca de prazer, e o córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões e pela definição de metas. A postergação de atividades não acontece com situações atraentes, prazerosas: você já viu alguém procrastinar a degustação de um chocolate?
Adiamos, isso sim, obrigações que avaliamos como chatas, entediantes, trabalhosas, cansativas, às vezes insuportáveis – no trabalho ou na vida pessoal. Dessa forma, não é exatamente que o indivíduo esteja escapando da atividade em si – o que se evita é a emoção negativa que vem atrelada à tarefa.
Ao adiar o sentimento de ansiedade ou de angústia que associamos à tarefa, encontramos, temporariamente, uma forma de lidar com essas emoções. A neurocientista Fuschia Sirois, da Universidade de Durham, na Inglaterra, argumenta também que o risco de procrastinação aumenta em contextos estressantes, porque o adiamento de tarefas é uma maneira simples de melhorar nosso humor no curto prazo.
O problema é que o pagamento vem com juros, principalmente para os procrastinadores crônicos, para quem essa estratégia – não muito boa – se torna praticamente um estilo de vida. As consequências incluem relacionamentos tensos, declínio no desempenho de trabalho e estudo, objetivos não alcançados, saúde física e emocional comprometidas.
Que tipo de procrastinador você é?
Há vários tipos de procrastinadores, ou melhor, cada um de nós tem estilos de ser que impactam diferentemente nossa tendência a adiar. Vamos olhar para três versões principais.
De um lado, há os procrastinadores decisivos, que encontram tanta dificuldade em tomar decisões que acabam postergando qualquer tarefa relacionada a esse processo. O medo de escolher incorretamente é tanto que passam anos em um relacionamento falido, em um trabalho medíocre, em um sofrimento corriqueiro. Evidentemente, quando não tomamos uma decisão, estamos fazendo uma escolha, de qualquer maneira.
Outro tipo bem conhecido é o procrastinador perfeccionista. É aquele que estabelece padrões extremamente altos, às vezes impossíveis de alcançar, para a realização de suas obrigações. Isso causa, frequentemente, grande ansiedade para o início e desempenho dessas atividades, vistas como avassaladoras (mesmo que se trate apenas da redação de um e-mail de trabalho).
O perfeccionismo e a procrastinação podem criar um círculo vicioso em que o receio da imperfeição resulta em procrastinação, e a procrastinação, por sua vez, fortalece as características perfeccionistas.
Há também um terceiro tipo, com o qual alguns dos leitores irão se identificar. O procrastinador por excitação. Ele acredita que consegue render melhor sob intensa pressão. E conta com o estresse ou a excitação relacionados a prazos apertados como motivação para iniciar e concluir tarefas.
No entanto, esse padrão de comportamento, quando ocorre com frequência, tende a elevar o nível de estresse, diminuir o desempenho global e prejudicar a saúde mental.
Como domar a procrastinação?
Existem diversos caminhos para reduzir a procrastinação, mas eles dependem muito da situação específica em que o comportamento aparece. O ponto de partida, em geral, é a pessoa realmente se dar conta de como o adiamento de tarefas se relaciona com uma tentativa de evitar emoções negativas – e quanto essa tática não funciona.
Deve-se olhar de frente para isso, não se martirizar. Uma das estratégias de enfrentamento, segundo estudos, refere-se a um conceito de psicologia chamado “intenção de implementação”. A ideia é associar um comportamento que pretendemos realizar a um estímulo situacional.
Assim, por exemplo, em vez de pensar em uma intenção genérica como “Quero voltar a ler livros”, uma intenção de planejamento propõe: “Vou escolher até o final desta semana um livro de mistério para começar a ler. A partir daí vou ler por meia hora aos sábados após o almoço, e às terças e quintas antes de ir para a cama”.
Essa tática permite à pessoa não ficar dependente apenas de suas motivações internas (como a vontade do momento), evitando recair em hábitos que podem não ser os mais saudáveis. Além disso, o que comprovadamente ajuda é dividir tarefas complexas em passos menores, claros e objetivos – e depois focar no passo a passo.
Quando a ação seguinte é definida e tem um tamanho razoável, torna-se mais fácil para o indivíduo se animar (sem ser demasiadamente severo consigo mesmo) e progredir para a próxima etapa. E, aí, vamos botar a mão na massa agora?
Fonte: Revista Veja
Ilana Pinsky é psicóloga clínica e pesquisadora ligada à Fiocruz. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto) e foi consultora da OMS e professora da Unifesp e da Universidade Colúmbia (EUA)