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O que é ciberpopulismo?

Você sabe o que é ciberpopulismo e como ele alimenta a polarização política no Brasil e no mundo?

O que é ciberpopulismo?

No livro Ciberpopulismo: política e democracia no mundo digital, o filósofo e comunicador Andrés Bruzzone apresenta o conceito de ciberpopulismo. Trata-se da combinação eficiente de técnicas de propaganda do século XX com as possibilidades abertas pela tecnologia no século XXI. Como hoje as redes sociais são a praça pública, é desse ambiente virtual que vem o novo na política. E isso inclui o velho populismo repaginado. Replicando a velocidade do avanço tecnológico, o ciberpopulismo já começou a causar alterações estruturais nos países e na geopolítica. A polarização é cada vez mais comum. Mas como a tecnologia da qual dependemos cada vez mais está alterando o jogo político? Qual o impacto da comunicação atual nas democracias? Como o Brasil se encaixa nessa conjuntura?

No texto abaixo, extraído da introdução do livro, você poderá conhecer mais sobre as premissas do ciberpopulismo e como ele explica polarização política no Brasil e no mundo.

Uma convicção pode ser a mais perversa das prisões. Quando o que sei não pode ser questionado, escuto apenas aquilo que confirma o que acredito. O que é diferente recuso. Quando tenho toda a razão e o outro, nenhuma, não existe diálogo. Preso às minhas convicções, reduzo a possibilidade de pensar.

Não há como aprender sem estar disposto a mudar de ideia, e para mudar de ideia é preciso aceitar que minha convicção pode estar errada. Polarização é quando duas convicções opostas ocupam todos os espaços do debate político. Quando a política se transforma em mero embate entre posições que se excluem, sem pontos de encontro nem terreno comum. Quando não há adversário, mas inimigo.

As alternativas, aquelas posições que não se encaixam em nenhum dos dois lados, são postergadas ou negadas. O debate se faz impossível. É como se as mensagens transitassem por canais paralelos ou fossem ditas em línguas diferentes: eu falo em aramaico, você responde em sumério. Pior: a língua é a mesma, as palavras são iguais – mas significam coisas diferentes dependendo de quem diz.

Paramos de escutar, não interessam os argumentos. Deixa de importar o que é dito, importa quem disse: se foi alguém que é da minha posição, vou defender sem questionar. Mas, se for do outro lado, nego e rebato. Trocam-se palavras de ordem e memes, há menosprezo pelo argumento. Quem não está alinhado com uma das duas posições dominantes não tem voz: o que disser será entendido como apoio ou crítica a um dos dois polos. “Se você não concorda comigo está fazendo o jogo de X”. “Você diz isso porque no fundo você é Y”. As ideias se impõem por relação de força – não a força da razão, mas a razão da força. Quem grita mais leva. As posições são sempre no branco ou preto, não existem nuances. É a morte das ideias, o fim da inteligência.

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Em democracia, o debate ocorre entre adversários, nunca entre inimigos. A diferença é sutil e importante. O inimigo não tem legitimidade, é aquele que deve ser aniquilado para que não me aniquile: a sua existência me ameaça, mas sobretudo ameaça o espaço comum e a possibilidade mesma de debater. Já entre adversários há um acordo de preservação daquilo que é compartilhado, do lugar em que o debate ocorre, e há um reconhecimento recíproco que é anterior às diferenças e que precisa ser mantido.

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Uma sociedade polarizada se torna mais burra, mais autoritária, menos democrática. O Brasil é exemplo disso. Um país rachado onde a polarização colocou no poder um governo fascista que hoje a promove e cultiva. O bolsonarismo nasceu da substituição de um debate político plural por uma lógica PT/Anti-PT. O PT era o inimigo que devia ser tirado do poder, sem importar que o preço fosse violentar as instituições ou mesmo votar em um defensor confesso de regimes autoritários. A política passou a se definir por dois polos que atraem e afastam com intensidades semelhantes: PT/Anti-PT ou Bolsonaro/Anti-Bolsonaro. A dinâmica dos uns contra os outros domina. Ficaram para trás o mito do país cordial, a gentileza, a agenda comum capaz de elevar o país ao patamar de uma das grandes nações do planeta. Perderam espaço o diálogo e a concordância. As vozes do meio são abafadas pelos gritos do extremo. Liberou-se uma torrente de ódio, de violência e de intolerância que arrasa com os espaços comuns de pensamento.

O fenômeno não é apenas brasileiro: o mundo foi tomado por posições extremas, toscas e primárias. As explicações e teorias sobre o porquê disso levam em conta vários fatores: a evolução do capitalismo após a queda do muro de Berlim, a mudança nas relações de produção fruto da tecnologia e a precarização dos trabalhadores e dos movimentos operários; o fracasso das promessas de progresso permanente do que se chamou “o sonho americano”; os grandes deslocamentos populacionais e as tensões sociais por eles provocadas em países centrais; a globalização e a entrada em cena de pautas identitárias que questionam modelos e valores tradicionais. Isso tudo alimentando sentimentos de insegurança e frustração, de perda de garantias e de incerteza sobre o futuro. Os fatores são muitos e diferentes teorias abundam. Mas o elemento primordial que ninguém pode ignorar é a comunicação.

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As novas tecnologias da comunicação mudaram radicalmente também a forma de nos relacionarmos com a política. Desde o modo como acompanhamos as notícias – por sites e/ou aplicativos – até os meios disponíveis para manifestar descontentamento ou fazer petições, o mundo digital abriu novas formas de participação e mudou – e está mudando – as regras do jogo de poder. Algumas mudanças foram positivas, outras não. Entre as inovações que a comunicação digital em rede incorporou na política está o ciberpopulismo. A combinação eficiente de técnicas de propaganda do século XX com as possibilidades abertas pela tecnologia no século XXI já mostrou sua capacidade de causar alterações estruturais nos países e na geopolítica.

A base do ciberpopulismo é o populismo, que na essência é um esquema narrativo a serviço da tomada e da manutenção do poder. O modelo é simples: há um inimigo que deve ser derrotado, um povo que deve ser salvo e um líder capaz de fazer isso. No relato populista, quem é o inimigo pode mudar de acordo com a necessidade: podem ser os imigrantes, os judeus, os esquerdistas; ou o império ianque, as oligarquias, o establishment… Este relato é antigo e tem servido a muitos demagogos, independentemente da ideologia: o populismo serve bem a governos de direita e de esquerda.

Mas ainda que não seja uma ideologia, é filho de uma posição ideológica em que algumas formas da direita se encontram com algumas formas da esquerda: a dos opostos que se excluem, uma visão binária do mundo em que há somente amigos e inimigos. Quem tenta pensar fora dos polos dificilmente será ouvido e certamente não terá espaço nos grandes debates. Em um mundo em preto e branco, não há lugar para o cinza – nem para o rosa, o verde, o azul… O mantra de um populista é: nós temos toda a razão, eles não têm nenhuma. Não apenas os populistas pensam assim – mas eles é que fazem desse mantra o sustento de uma forma de fazer política. O contrário do populismo é o pluralismo, a crença de que não há duas visões únicas do mundo. Pluralista é quem entende que a verdade não se obtém derrotando um inimigo, mas que é o resultado de um processo construído a muitas vozes. Ser pluralista é aceitar que a verdade nunca é definitiva, que está sempre em construção. Mentes simples exigem explicações simplistas em que não cabe a complexidade de um mundo cheio de nuanças e em mudança constante. Por isso, o mundo de um democrata é mais rico que o de um populista.

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