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O que é a linguística aplicada?

Definir linguística aplicada (LA) é um desafio, mesmo entre aqueles que se descrevem como linguistas aplicados, uma vez que a LA pode ter significados diferentes (Wei, 2013). Pode-se, inclusive, aventar a hipótese de que nenhum outro campo das humanidades ou das ciências sociais tenha suscitado tanto debate sobre sua autoimagem quanto a LA. Maria Antonieta Celani, um dos grandes nomes da LA no Brasil, afirmou que, “embora desde os fins do século XIX comece a aparecer a necessidade de se definir linguística aplicada, a dificuldade de se encontrar uma definição satisfatória para o termo parece persistir até hoje” (Celani, 1992: 15). De 1992 para cá, não parece ter havido grandes mudanças no sentido de uma definição clara. Dessa forma, nas próximas linhas tentarei delinear os principais pontos de quasi-consensos sobre a área.

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Como o nome pode sugerir, LA refere-se à aplicação das teorias linguísticas, certo? A resposta para o questionamento é um grande e sonoro NÃO (Cavalcanti, 1986), e talvez este seja um dos maiores consensos da área, contrariando o senso comum. Ainda que questões de linguagem sejam centrais para a LA, entende-se que esse campo tem uma natureza inter/multi/pluridisciplinar, ou seja, tem o auxílio de resultados de pesquisas de várias outras áreas de investigação, como, por exemplo, educação, psicologia, comunicação, antropologia, sociologia, entre outras. A linguística teórica, nesse caso, é apenas uma das áreas com as quais a LA se relaciona, havendo, inclusive, controvérsias sobre a extensão dessa relação (Pennycook, 2018; Widdowson, 2018), cabendo ao linguista aplicado decidir a relevância dos insumos oriundos da linguística para cada estudo. Moita Lopes (2006) amplia essa questão e caracteriza a LA como “indisciplinar”, ou seja, uma LA que não se circunscreve a limites disciplinares, metodológicos, teóricos ou analíticos. De qualquer forma, é esperado que o linguista aplicado conheça um pouco sobre muitas áreas para compor o arcabouço teórico-metodológico de suas investigações. Em outras palavras, a multidisciplinaridade se aplica não apenas à disciplina como um todo, mas também ao praticante individual.

Além disso, pode-se também sustentar que o foco da LA não seja na linguagem em si, mas na linguagem em uso (Grabe, 2012; Hellermann, 2015), na realização comunicativa da língua natural (Cavalcanti, 1986). Dito de outra forma, a LA apresenta uma perspectiva de linguagem como uma prática localizada que não pode, assim, ser tratada separadamente de seus falantes, histórias, culturas e ideologias (Pennycook, 2001).

Nos próximos posts a professora Simone Sarmento responde: O que a linguística aplicada estuda? e Quais são as grandes linhas de investigação?


Capítulo escrito por Simone Sarmento é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Letras da mesma universidade. É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq nível 2.

Livro A Linguística hoje: múltiplos domínios organizadores:
Gabriel de Ávila Othero é professor de Linguística de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É autor do livro Teoria X-barra, coautor de Conceitos básicos de linguística: sistemas conceituais e Conceitos básicos de linguística: noções gerais e Para conhecer sintaxe, além de coorganizador de Sintaxe, sintaxes: uma introdução, Chomsky: a reinvenção da linguística, Saussure e a Escola de Genebra e A Linguística hoje: Múltiplos domínios.

Valdir do Nascimento Flores é professor titular de graduação e pós-graduação de Língua Portuguesa da UFRGS. É coorganizador dos livros Dicionário de Linguística da Enunciação, Saussure e Saussure e a Escola de Genebra e A Linguística hoje: Múltiplos domínios, e coautor de Enunciação e discurso, Semântica, semânticas: uma introdução, Introdução à linguística da enunciação, Enunciação e gramática, Conceitos básicos de linguística: sistemas conceituais, Conceitos básicos de linguística: noções gerais, e autor de A linguística geral de Ferdinand de Saussure.

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