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Nós vivemos em uma simulação de computador?

Eu até que gosto da ideia de que vivemos em uma simulação de computador. Isso me dá a esperança de que as coisas serão melhores no próximo nível. Essa hipótese de simulação, como é chamada, tem sido praticamente ignorada pelos físicos, mas goza de certa popularidade entre filósofos e pessoas que gostam de se ver como intelectuais. A ideia tem, evidentemente, um apelo maior quanto menos a pessoa entender de física.

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A hipótese da simulação é associada mais intensamente ao filósofo Nick Bostrom, que tem defendido (dadas certas suposições sobre as quais comentarei em breve) que a lógica pura nos força à conclusão de que somos simulados. Elon Musk é um dos que acreditaram nisso. “É muito provável que estejamos em uma simulação”, disse ele. E até Neil de Grasse Tyson avaliou que a hipótese de simulação tem uma “chance maior do que a de cara ou coroa” de estar certa.

A hipótese de simulação me incomoda não porque eu tenha medo de que as pessoas de fato acreditem nela. A maioria entende que a ideia carece de rigor científico. Não, a hipótese me incomoda porque se intromete na seara dos físicos. É uma afirmação ousada sobre as leis da natureza, que não presta nenhuma atenção ao que sabemos sobre essas leis.

A hipótese de simulação, falando livremente, carrega em si que tudo o que experimentamos foi codificado por um ser inteligente e que somos parte de um programa de computador. A opinião de que vivemos em um tipo de computação não é em si uma afirmação chocante. Pelo que sabemos hoje, as leis da natureza são matemáticas, e por isso poderíamos dizer que o universo é realmente só uma computação dessas leis. Você pode achar essa terminologia um pouco estranha, e eu concordaria, mas ela não é controversa. O que é um tanto controverso sobre a hipótese da simulação é que ela presume que existe um outro nível de realidade onde algum ser, ou alguma coisa, controla o que acreditamos ser as leis da natureza, ou que até mesmo interfira nelas.

A crença em um ser onisciente, que possa interferir nas leis da natureza, mas que por alguma razão permanece oculto de nós, é um elemento comum nas religiões monoteístas. A diferença é que aqueles que acreditam na hipótese da simulação argumentam que chegaram a essa crença pela razão. A linha de raciocínio deles é geralmente próxima à do argumento de Nick Bostrom, que, resumidamente, encadeia-se como a seguir: se existem (a) muitas civilizações, e essas civilizações (b) constroem computadores que executam simulações de seres conscientes, então (c) existem muitos mais seres conscientes do que seres reais, portanto você provavelmente vive em uma simulação.

Para começo de conversa, é possível que uma ou duas premissas estejam erradas. Talvez não existam outras civilizações ou que, pelo menos, não estariam interessadas em simulações. Isso não faz com que o argumento esteja errado, é claro, apenas significa que não é possível chegar à conclusão que a hipótese propõe. Vou deixar de lado, no entanto, a possibilidade de que uma das premissas esteja errada, pois eu realmente não acho que tenhamos boas evidências nem a favor, nem contra.

A questão que tenho observado ser a mais frequentemente criticada no argumento de Bostrom é que ele simplesmente supõe que é possível simular a consciência humana. Nós não sabemos se isso é realmente possível. No entanto, neste caso, seria necessária uma explicação para supor que não é possível. Isso porque, de acordo com tudo que sabemos hoje, consciência é simplesmente uma propriedade de certos sistemas processarem grandes quantidades de informação. Não importa, na verdade, qual exatamente é a base física na qual esse processamento de informações se baseia. Poderiam ser neurônios ou transístores, ou transístores que se acreditam neurônios. Eu não acho que a simulação da consciência é a parte problemática.

A parte problemática no raciocínio de Bostrom é que ele supõe que é possível reproduzir todas as nossas observações sem usar as leis naturais, que físicos confirmaram com precisão extremamente alta, mas usando um algoritmo subjacente diferente, que um programador executa. Eu não acho que é isso que Bostrom pensou em propor, mas é o que ele acabou propondo. Ele afirmou implicitamente que é fácil reproduzir os fundamentos da física usando outra coisa. Essa é a parte problemática do argumento.

Para começo de conversa, a mecânica quântica apresenta fenômenos que não são calculáveis com um computador convencional em um tempo finito. Portanto, precisaríamos, no mínimo, de um computador quântico para executar a simulação. Ou seja, um computador com bits quânticos ou, mais popularmente, q-bits, que são superposições de dois estados (digamos, 0 e 1).

Mas ninguém ainda sabe como reproduzir a relatividade geral e o modelo padrão da física de partículas a partir de um algoritmo computacional, executado em qualquer tipo de máquina. Agitar as mãos, gritando “computador quântico”, não vai ajudar. Você pode aproximar as leis que conhecemos com uma simulação computacional. Nós fazemos isso o tempo todo, mas se essa fosse a maneira como a natureza realmente funcionasse, poderíamos ver logo a diferença. De fato, físicos têm buscado sinais82 de que as leis naturais atuam efetivamente passo a passo, como um programa de computador, mas essa busca voltou de mãos vazias. É possível notar a diferença, porque todas as tentativas conhecidas de reproduzir algoritmicamente as leis naturais são incompatíveis com o conjunto de simetrias das teorias da relatividade restrita e geral de Einstein. Não é fácil superar Einstein.

O problema existe, independentemente do que sejam as leis em um nível elevado de realidade de onde um programador supostamente nos simula. Nós não conhecemos nenhum tipo de algoritmo que nos forneceria as leis que observamos, não importando em que máquina esse programa seja executado. Se conhecêssemos, teríamos encontrado a teoria de tudo.

Um segundo problema com o argumento de Bostrom é que, para que funcionasse, uma civilização precisaria estar apta para simular muitos seres conscientes, que tentariam, por sua vez, simular outros, e assim por diante. Embora possamos imaginar a simulação de um único cérebro somente com seus dados, a conclusão, nesse caso, de que possivelmente vivemos em uma simulação, existindo mais cérebros simulados do que reais, não funciona. Precisaríamos na verdade de muitos cérebros, mas isso significaria ter que comprimir a informação que pensamos que o universo contém, pois, do contrário, as simulações esgotariam o espaço de memória rapidamente. Bostrom, portanto, tem que supor que, de alguma forma, seria possível não prestar muita atenção nos detalhes de algumas partes do mundo, nas quais ninguém está olhando no momento, e só preenchê-los se alguém olhar.

Uma vez mais, porém, Bostrom não explica como isso funcionaria. Que tipo de programa de computador pode de fato fazer isso? Que algoritmo pode identificar subsistemas conscientes e suas intenções e, assim, completar rapidamente as informações necessárias sem produzir alguma inconsistência observável? Esse é um problema muito maior do que Bostrom parece considerar. Não somente ele supõe que a consciência é redutível computacionalmente – pois do contrário não seria possível prever onde alguém estaria prestes a olhar antes que olhasse –, mas também não se pode, em geral, simplesmente jogar fora os processos físicos em escalas de tamanho menores e ainda assim acertar o que acontece em escalas maiores.

Modelos climáticos globais são um exemplo excelente. Atualmente, não temos a capacidade computacional para calcular em escalas abaixo de cerca de 10 km, ou algo assim. Mas não podemos descartar simplesmente a física abaixo dessa escala. O clima é um sistema não linear, portanto os detalhes de escalas menores deixam sua marca nas escalas maiores. Borboletas causando furacões e por aí afora.[1] Se você não computar essa física, que acontece a curtas distâncias, é preciso, no mínimo, substituí-la por alguma outra coisa. Conseguir fazer isso, mesmo que aproximadamente, é uma grande dor de cabeça. A única razão pela qual os cientistas climáticos conseguem isso, de modo aproximadamente correto, é que eles detêm observações, que podem ser usadas para checar se suas aproximações funcionam. Se, por outro lado, você tem apenas uma simulação, como o programador na hipótese da simulação, isso não pode ser feito.

Esse é o meu problema com a hipótese da simulação. Aqueles que acreditam nela fazem grandes pressuposições, talvez sem se darem conta sobre quais leis naturais podem ser reproduzidas em simulações computacionais, mas não explicam como isso supostamente funcionaria. No entanto, encontrar explicações alternativas, que correspondam com grande precisão a todas as nossas observações, é realmente difícil. Eu sei disso, pois é o que fazemos nos fundamentos da física.

Talvez você esteja agora revirando os olhos, afinal de contas, deixe o nerds se divertirem, certo? E é claro que uma parte dessa conversa é apenas entretenimento intelectual. No entanto, eu não acho que popularizar a hipótese da simulação seja uma diversão totalmente inocente. Ela mistura ciência com religião, o que, em geral é uma má ideia, e, de fato, acredito que temos coisas mais importantes para nos preocuparmos do que a de alguém puxando nossa tomada.

Em resumo, a hipótese da simulação não é um argumento científico sério. O que não significa que esteja errado, mas sim que se você acredita nele é porque tem fé e não porque tem a lógica a seu lado.

A RESPOSTA RÁPIDA
A ideia de que existam cópias de nós no multiverso não é científica, porque tais cópias são, ao mesmo tempo, não observáveis e desnecessárias para explicar o que podemos observar. Teorias de multiverso têm sido fomentadas por físicos que acreditam que a matemática é real, em vez de uma ferramenta para descrever a realidade. Você, portanto, pode acreditar, caso queira, que existem cópias suas, mas não há evidências de que isso seja realmente correto. A hipótese de que o nosso universo é uma simulação de computador não satisfaz o padrão científico atual.


[1]   N.T.: É uma referência ao Efeito Borboleta, metáfora utilizada em 1969 pelo meteorologista Edward Lorenz para explicar essa sensibilidade às condições iniciais: o bater de asas de uma única borboleta pode desencadear um furacão.

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