À primeira vista, a constatação é muito positiva: Nunca houve tanta gente escrevendo. As editoras recebem um fluxo cada vez maior de originais, todos querem ver sua obra nas livrarias. Empresas de autopublicação (os autores pagam pela edição) vão de vento em popa. Por outro lado (e esta é a parte ruim da história), verifica-se que se lê cada vez menos livros. De onde o paradoxo. As pessoas acham que têm coisas a dizer, que sabem o suficiente para si e para os outros. No limite, se todos agirem assim, não teremos mais leitores, só autores. Daí, publicar para quem?
Além disso, e é fácil comprovar, as pessoas entopem as redes sociais com observações, contestações, frases de efeito, além de fotos, vídeos e montagens de todo tipo. Há quem diga que, enquanto os livros divulgam o patrimônio cultural da humanidade, as redes sociais têm por função primordial expor a ignorância humana. Claro que essa afirmação carrega um pouco de maldade. Redes sociais podem prestar serviços relevantes. Comunicação imediata e ampla pode aproximar homens e mulheres de diferentes lugares do Planeta. E nós sabemos que a abrangência da comunicação entre os seres humanos tem sido um dos fatores notáveis do desenvolvimento do homo sapiens, uma vantagem enorme com relação a outros animais. Mas, por outro lado, é inegável que algumas regras básicas de convivência humana não têm sido obedecidas na relação com esses veículos de comunicação. A principal é que as pessoas usam as redes para serem ouvidas e lidas, não para dialogar, para ouvir e ler o que os outros têm a dizer. Ficamos ofendidos quando postamos algo que não é lido por ninguém. Mesmo quando somos lidos, queremos mais do que um “gostei”. Queremos um comentário. Comentário sincero, desde que seja positivo…
Mas será que fazemos o mesmo com a postagem alheia? Claro que não. Temos a modesta convicção de que nosso comentário é mais importante, nossa piada mais gozada, nossa frase mais original. As pessoas escrevem porque acham que têm o que dizer. As pessoas não leem, pois não acreditam que precisam aprender. Quando redigem seus truísmos transvestidos de verdades, ensaiam uma estranha sensação de onipotência. Como o mundo podia ter sobrevivido sem aquelas pérolas brilhantes? Como o Planeta ousou girar sem que seus habitantes conhecessem aquelas gotas de sabedoria generosamente colocadas no Facebook, no Twitter ou (para esgotar a minha paciência) no Whatsapp da família? “Como você está me criticando”, disse a prima de um amigo meu para ele, “eu não tenho o direito democrático de escrever o que acho das ideias econômicas do ministro ou das declarações do representante dos EUA na ONU”? “Tem, Rosinha”, respondeu meu amigo, “você pode escrever o que quiser, mas eu também tenho o direito democrático de mostrar que você fala do que não entende, seus posts acabam expondo sua ignorância”. Pronto. As redes sociais, pelo próprio nome destinadas a aproximar as pessoas, acabam criando rupturas incorrigíveis no seio das famílias, em grupos de amigos, conterrâneos, colegas de classe. Conheço um grupo de ex-estudantes de uma escola católica que se encontraram após 30 anos e abriram um grupo fechado no Whatsapp. A euforia do reencontro não resistiu aos embates pré-eleitorais do ano passado. Quem era a favor de um candidato a presidência da República não podia aceitar que outros preferissem o adversário, que era, sabidamente, isto e aquilo. E vice-versa. Moral da história: o grupo se desfez para que as pessoas não chegassem às vias de fato.
A exposição a que cada um de nós fica sujeito quando escreve e publica uma opinião deixa claro, muitas vezes, que o nosso pensamento é básico, elementar, não sofisticado como imaginávamos, e isso é intolerável para o nosso ego. Ao escrever, nosso maniqueísmo, nosso pensamento esquemático, é revelado de forma crua. Não aceitamos que não somos o que imaginávamos ser, que nosso argumento tinha a profundidade de um grito de torcedor na arquibancada, nada a ver com a nossa autoimagem. Com dificuldade de aceitar o óbvio, culpamos o outro. Como em qualquer discussão em que nos faltam argumentos, embora nos sobre convicção.
Como resolver esse dilema entre o que somos e o que gostaríamos de ser, entre como somos vistos e como gostaríamos de ser vistos? Com modéstia intelectual. Assumindo que o mundo já existia antes de nós. Que o patrimônio cultural da humanidade é uma construção coletiva. Lendo. Um pouco de tudo, mas principalmente bons livros. Mais tarde, quem sabe, escrevendo um…
Por Jaime Pinsky: Historiador, professor titular da Unicamp, autor ou coautor de 30 livros, diretor editorial da Editora Contexto.