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O preconceito pode ser coisa para a vida inteira | Rubens Marchioni

O preconceito, essa opinião não submetida à razão, nasce, disfarçadamente, na família. Daí por que a sua erradicação ser um trabalho tão difícil. É como se, oficialmente, ele não existisse. No entanto, age como uma doença silenciosa. Mata de repente, quando já não existe recurso para a sua cura. Bom seria se fosse possível pensar em medicina preventiva para os seus males. Em geral, não é o que acontece.                              

O comportamento preconceituoso se espalha rapidamente. E sua voracidade só encontrará obstáculos à altura para confrontá-lo, quando a criança começar a frequentar a escola. Embora também aconteça entre seus muros, é aqui que ela vai receber a dose certa do antídoto adequado à neutralização dos efeitos da discriminação.      

O trabalho da educação, nesse caso, é fundamental para que o preconceito seja erradicado. Junto da educação, que ensina, a cultura, acumulada por meio da escolha de conteúdos, também faz o seu papel. Ela age numa camada mais profunda da personalidade, criando aí um espaço que não comporta ou, ao menos, dificulta a existência do preconceito. Mesmo sabendo que, segundo a advertência do escritor Aldous Huxley, “Da sua experiência ou da experiência gravada de outros (história), os homens aprendem somente o que suas paixões e seus preconceitos metafísicos lhes permitem.”

Para o bem ou para o mal, a existência do preconceito pode ser um fator determinante no desenvolvimento da pessoa. Porque pode estar nele as razões para a formação de um cidadão íntegro ou de alguém que oferece perigo à sociedade.           

No entanto, o contato com o sagrado, por exemplo, pelo que ele representa, pode provocar alterações positivas na forma de pensar e sentir a respeito das diferenças que caracterizam os seres humanos: raça, cor, sexo, classe social, nível cultural, religião, apenas para lembrar alguns traços. Nesse sentido, o que se espera, sempre, é a mudança nos rumos das relações entre diferentes.      

Por sua vez, o comportamento moral, que não aceita o preconceito como traço natural dos seres humanos, procura levar à criação de uma sociedade voltada para valores mais importantes, essenciais para o convívio pacífico entre as pessoas. Nessa empreitada, toda contribuição é bem-vinda. Como se sabe, num ambiente de paz, sem o preconceito, torna-se possível a construção de uma sociedade justa e igualitária.                       

Assim, tal sociedade será construída, quando se preservar valores fundamentais, que respeitem a dignidade do outro. E, nesse caso, é preciso muito mais que o mero exercício da tolerância. Esse comportamento repulsivo é invocado por gente que, impossibilitada de impedir ou alterar o comportamento que o incomoda, procura tratá-lo com uma rejeição velada, “educada” e hipócrita.               

No ambiente corporativo, a carreira profissional, que espera pelo estudante recém-formado, busca gente que não se apoie nessa prática anacrônica que é o preconceito. Isso vale não só para o relacionamento com o cliente interno, mas também nas trocas com o cliente externo. Porque basta um deslize para que o mercado da empresa encolha. Afinal, um pernilongo incomoda mais do que um elefante.                                                         

Empresas que adotam esse valor veem esse profissional de maneira mais positiva. Ela tende a criar espaços para o seu crescimento como forma de valorizá-lo. Família, escola, igreja, todos podem e devem contribuir com esse processo decisivo na vida da pessoa.                                                           

Fugir da prática do preconceito requer criatividade. Ela é o recurso indispensável para se encontrar maneiras novas de pensar, falar e agir diante do diferente. E isso implica, naturalmente, no abandono de antigos paradigmas, para que um novo olhar possa ter espaço.  

Ampliando um pouco essa conversa, e ainda que não pareça, a economia também tende a lucrar com a ausência de preconceito. Isso se explica pelo fato de que ela se desenvolve numa sociedade inclusiva em que todos produzem, compram, vendem e se desenvolvem. 

Ao mesmo tempo, vale lembrar que o preconceito não é um bom marketing. Ele não respeita parcelas significativas de consumidores. Além de excluídos, o que é um mal por si mesmo, eles ficam impedidos de consumir, de se beneficiar com produtos e serviços e contribuir com as empresas e a sociedade. 

Como parte do marketing, a comunicação mercadológica precisa fugir de estereótipos e de qualquer imagem que remeta à ideia de preconceito. Afinal, a mídia tem um forte potencial na formação do pensamento humano. Ela pode levá-lo para caminhos pouco ortodoxos e pra lá de indesejáveis.

Trabalhando com as necessidades e desejos humanos, a comunicação não pode valorizar o preconceito, apresentando, por exemplo, pessoas desfavorecidas, como imagem de quem não se beneficia de determinado produto ou serviço.

A pessoa, cujo primeiro cenário é a família, finalmente vai para um relacionamento mais sério, o casamento. Início de um novo lar. É preciso compromisso com a justiça e a igualdade. A começar pela família, lembra? O machismo não pode encontrar espaço dentro do relacionamento, sob pena de comprometer definitivamente a sua qualidade.

Os medos que permeiam a vida das pessoas são muitos. Dentre eles, fruto do preconceito: crítica, culpa, envelhecimento, fracasso, humilhação, sentimento de inferioridade, obesidade, pobreza, rejeição, solidão e velhice. E eles têm força para aniquilar, até mesmo, uma grande história de amor. No lugar do medo, é indispensável colocar a qualidade de vida, garantindo o prazer de estar vivo e pertencer a um grupo dentro do qual se vive uma experiência constante de segurança, a começar pelo casamento.         

Viver livre de preconceito é um direito sagrado de toda pessoa, e ele não pode ser violado sob qualquer pretexto. Assim, evitar sua prática deve ser uma filosofia de vida jamais esquecida. Tudo para que ela oriente as relações, em casa, na escola, na igreja, na empresa, no governo, nas instituições, na sociedade em geral. No entanto, para que isso seja viabilizado, há que se contar, também, com o apoio e a participação do poder e da política, nas suas diferentes formas. Sobretudo no papel de exemplo dessa prática.

O senso comum é um elemento que fortalece a existência e disseminação do preconceito – segundo o filósofo político, historiador do pensamento político e escritor Norberto Bobbio, “As generalizações são sustentadas por preconceitos.” O senso crítico, por sua vez, tende a reagir negativamente a qualquer manifestação desse tipo, por entender a falta de sentido existente nessa maneira de pensar, falar e agir em relação ao diferente.

A melhor maneira de valorizar a vida, com toda a sua fragilidade e sua finitude, é tratar o outro de maneira igualitária e justa, independentemente daquilo que a diferencia dos demais. Essa também é a melhor forma de chegar ao final da vida, aquela que começa na família.


RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Autor de Criatividade e redação, A conquista Escrita criativa. Da ideia ao texto[email protected] — https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao