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Chegar ao milésimo texto é um detalhe | Rubens Marchioni

Tudo começou quando a Editora Contexto me abriu uma porta. O convite era promissor, logo se via. Eu dispunha de um espaço, no seu blog, para contribuir por meio da publicação de textos.

É claro que eu não podia desperdiçar a oportunidade. Tudo bem, eu teria de acionar os melhores mecanismos de disciplina. Só assim produziria e enviaria um texto semanal, sem falta injustificada. Mas vida de jornalista é assim. E sou apaixonado por essa vida meio torta. Digo torta porque, em geral, quando a cidade descansa, o jornalista está no hospital, no aeroporto, na escola, na estrada, no palácio, no congresso, na câmara, nos céus… Um ser quase onipresente, a serviço de nos contar o que anda acontecendo por esse mundo louco de meu Deus.

Observe: não importa se o sábado é dia de descanso. À noite, na televisão, no mesmo horário, entra a vinheta do Jornal Nacional, do Jornal da Cultura, dentre outros, informando, analisando e discutindo. Mostrando o impacto do fato, às vezes corriqueiro, nas nossas vidas. Como aprendi, se um cachorro morde um homem, nada há de novo nesse evento. Mas se um homem morde um cachorro, aí temos a notícia, retrato do comportamento humano que interessa ao menos a algum segmento da sociedade.

Não importa se o sábado é dia de descanso. Na hora certa, jornais diários como Estadão, Folha, O Globo etc., todos estarão prontos, na sua versão impressa ou eletrônica, para nos informar, situar e orientar o nosso dia a dia.

Então adaptei minha rotina e driblei as adversidades. Não importava o que tivesse acontecido nos dias anteriores, toda quarta-feira eu entregaria meu artigo para ser publicado no blog da Editora.

O primeiro rascunho nascia na segunda-feira. Tudo pensado para que as ideias e palavras encarregadas de traduzi-las ficassem de molho, descansando e fazendo amizade. Isso tornaria a edição – a sempre exigente edição – mais produtiva. Não existe escritor, mas reescritor.

Em tudo eu sempre alimentei o desejo de provocar a reflexão sobre temas como criação, redação, edição, valores, comunicação etc. Meu propósito sempre foi disseminar conhecimentos. Queria motivar pessoas à aventura de criar, escrever e publicar. Forjar novas atitudes nessa e em outras direções. Estabelecer o diálogo criativo entre áreas aparentemente díspares, a fim de provocar o surgimento do inesperado, com a alegria que ele sempre nos entrega. O quanto possível, seria o portador de alguma interferência na qualidade de vida das pessoas. Afinal, é gostoso criar conexões em favor de uma existência mais gostosa.

Durante cem semanas eu disse sim ao convite. Por conta disso, tive uma ótima escola, que me ensinou muito sobre a criação de pautas, por exemplo. Ganhei em termos de autoconfiança e autoconhecimento. Vivi o benefício de ser sempre mais rigoroso com a qualidade final do trabalho. Reforcei o ritual da celebração, porque cada novo produto era outro motivo para agradecer. Treinei o comprometimento. Aqui também aprendi e aprofundei teorias e práticas de escrita com agenda. Experimentei sempre mais os conceitos de criatividade, agora na prática. Afinal, como disse o grande Luís Fernando Veríssimo, colunista do Estadão, “Minha musa inspiradora é meu prazo de entrega” – sua bênção, mestre Veríssimo. Minha mãe, uma agricultora, já havia passado comigo essa lição, numa linguagem bem menos elaborada, mais rural e não menos verdadeira: “Quando a água bate na bunda a gente aprende a nadar”. [Mãe, aprendi].

A liberdade de expressão, em todo esse tempo, foi completa. Cem vezes eu disse a minha verdade, longe de qualquer ressalva por parte da Editora. Cem vezes meus textos foram muito bem acolhidos. Cem vezes, quando tiver o original de um livro feito nos moldes do projeto editorial da Contexto, minha preferência será dirigida a ela. É que conheço o alto nível profissional dessa equipe, que acolheu e trabalha muito bem um dos meus livros, o Escrita criativa: da ideia ao texto. Cem vezes grato, concluo aqui o centésimo texto dessa jornada, feliz pela caminhada feita até aqui. Para o de número 1000, faltam apenas 900. Mas isso é apenas um detalhe. Porque quando a gente ama fazer o que faz, no lugar idem, por maior que seja o desafio, ele será sempre isso: apenas um novo detalhe numa vida que é tão cheia do prazer de entregar sempre mais e melhor. Amém.


Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto.  https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]