Há 75 anos, o massivo ataque incendiário dos EUA à capital japonesa foi possivelmente o mais letal de toda a História — pior que Hiroshima.
Na noite entre os dias 9 e 10 de março de 1945, 334 bombadeiros B-29 fizeram chover o inferno sobre a cidade mais densa do planeta. Quase meio milhão de bombas incendiárias atingiram Tóquio na Operação Meetinghouse, provavelmente o pior massacre de civis por bombardeio aéreo de todos os tempos. Seus números, estimados entre 80 mil e 140 mil vítimas fatais, são, em média, piores que os de Hiroshima (70 mil a 122 mil).
Anos antes, em 18 de abril de 1942, os Estados Unidos já haviam executado um bombardeio menor na capital japonesa — dezesseis bombardeiros médios B-25 Mitchell causaram poucos danos, mas tiveram um alto impacto no moral das forças dos EUA. Os ataques pesados começaram para valer em 17 de novembro de 1944, quando os poderosos B-29 entraram em ação. Em 25 de fevereiro de 1945, 174 deram uma prévia da destruição, atacando Tóquio e arrasando por volta de 260 hectares da cidade (o equivalente a 364 campos de futebol).
A Operação Meetinghouse foi 15 vezes mais intensa. Cerca de 3.925 hectares foram arrasados. As bombas lançadas pelos B-29 caíam nas ruas, nos quintais, e nos telhados das casas, que se inflamavam em cinco segundos, sem dar qualquer chance para fuga. A madeira e o papel que formavam as construções ajudaram a propagar o incêndio, causando uma onda de fogo intensificada pelo vento.
As pessoas tentavam ajudar como podiam, mas o esforço era inútil -— em apenas uma hora, cerca de 90 mil corpos jaziam nas ruínas e pelas ruas, uma hedionda imagem para sempre nos olhos e narizes de quem sobreviveu.
Relatos das vítimas
Haruyo Nihei foi uma das que falaram sobre o terror daquela noite, em entrevista à Deutsche Welle. Tinha apenas oito anos quando as bombas norte-americanas caíram, mas o que aconteceu ficou gravado à solda em sua memória. Ela foi dormir depois de um dia comum e acordou às 22h30, com as primeiras sirenes tocando. Nihei lembra que seu pai olhou pela janela, mas não parecia muito preocupado, então ela voltou a dormir. “Um pouco depois, ele voltou nos dizendo para levantar, porque o ataque daquela noite era diferente”, relatou. Ao sul de Tóquio, o céu tinha um tom ameaçador, vermelho-brilhante.
A família de Nihei se refugiou em um abrigo. Ao ouvir os gritos e o som dos ataques se aproximando, decidiram deixar o local. “Quando saímos do abrigo, tudo o que eu enxergava era fogo. Roupas queimando e destroços desciam pela rua no que parecia ser um rio de fogo”, conta. “Eu me lembro de ver famílias, como nós, segurando uns nas mãos dos outros e correndo através do fogo. Eu vi um bebê pegando fogo nas costas da mãe. Vi crianças pegando fogo, mas elas não paravam de correr.”
Shizuo Takeuchi também tem lembranças terríveis do ataque. “Eu e meus pais corremos durante a noite toda, de mãos dadas”, lembra. Na manhã seguinte, a cidade estava tomada pelo silêncio. “Havia várias pessoas indo para os locais onde ficavam suas casas, e ninguém falava nada. Havia fumaça e cinzas, e eu vi pessoas com queimaduras terríveis. Corpos estavam espalhados por todos os lugares, mas eles estavam tão queimados que ninguém conseguiria reconhecê-los”.
Doutrina do terror
O Japão, como a Alemanha Nazista, cometeu todo o tipo de atrocidade na Guerra, fazendo uso de armas biológicas, massacrando prisioneiros de guerra, e conduzindo tétricos experimentos médicos. O número de mortos da Segunda Guerra no Pacífico supera uma dezena de milhões.
A resposta dos aliados recaíria brutalmente sobre os civis desses dois países. Tóquio foi possivelmente o pior exemplo da monstruosa doutrina do “bombardeio estratégico” — também chamada de bombardeio de terror, atacar a população civil para destruir o moral adversário, tentar fazê-lo desistir por sofrimento ou medo da aniquilação. Na Europa, a cidade histórica de Dresden teve o mesmo destino, mas com menos de 1/4 das vítimas de Tóquio. A Alemanha Nazista partiu na frente, ao atacar alvos civis na Blitz contra a Grã-Bretanha. Após perder sua supremacia aérea, acabou relegada aos mísseis V-1 e V-2. O bastão do terror aéreo passara aos aliados, que fizeram amplo uso dela.
As armas atômicas foram o resultado final dessa doutrina. E a terrível noite de março terminou esquecida porque não podia “concorrer” com a aterradora novidade de cinco meses depois, em Hiroshima e Nagasaki.
Fonte: Aventuras na História