Na maioria das vezes, a gente tende a pensar algumas coisas de maneira linear, asséptica.
Se eu tivesse me tornado padre, hoje seria arcebispo de Campinas e forte candidato à sucessão do Papa Francisco. Mas será que tudo concorreria para que eu acendesse ao arcebispado, ao cardinalato, talvez?
Se você tivesse continuado no Exército, logo depois do alistamento militar, hoje seria general, com todas aquelas estrelas e honrarias de praxe. Mas será que tudo se encaminharia para que você, fatalmente, atingisse o generalato? Um lugar, quem sabe, no alto-comando das Forças Armadas?
Se você tivesse permanecido naquele emprego – aquele, lembra? – hoje seria um dos diretores da empresa, podendo mesmo se tornar o futuro presidente. Mas será que essa trajetória marcada pelo sucesso na obtenção de novos espaços seria mesmo uma realidade?
Se isso e aquilo fosse mudado na Educação, teríamos professores felizes e produtivos, ensinando para alunos devidamente motivados, alguns superando o mestre. E quanto àqueles alunos que não estão interessados em estudar, produzir intelectualmente, embora lhes interesse um diploma pelas facilidades que essa conquista pode trazer?
Moacyr e Sandra são professores, voluntários, numa casa que acolhe meninas em situação de risco. Pergunte a eles sobre o interesse dessas jovens que, segundo dizem, pretendem ingressar num curso superior. Peça para lhes contar sobre o desempenho demonstrado a cada aula ou na realização de lições de casa, essenciais para o aprendizado.
Esse exemplo não é tudo. Porque podemos pensar também nos jovens de classe média, às vezes média alta, que estudou nos melhores colégios e agora frequentam as universidades mais cobiçadas do país. Eles são o máximo em termos de envolvimento com os recursos que lhe são oferecidos pela família e pela escola? Nem sempre.
Prosseguindo. Com um bom programa de recuperação de crianças que vivem nas ruas, elas estariam nas suas casas, sendo alimentadas e cuidadas em todos os sentidos pelos seus pais e responsáveis. O que dizer daquelas crianças que vivem na Praça da Sé, em São Paulo, e se recusam a voltar pra casa, porque sabem que vão apanhar dos padrastos, bêbados, enquanto a mãe nada pode fazer, tomada pelos efeitos das drogas? E ainda têm os adultos, moradores de rua, que se recusam a aceitar a acolhida de um albergue, por exemplo.
Se tivéssemos um bom programa voltado para as questões sociais, deixaríamos de ter prostitutas criando zonas de meretrício nas grandes cidades e naquelas nem tão grande. Elas sempre querem deixar essa vida?
O problema é que, em tudo, entra a natureza humana – aquela, lembra? E aí, a nossa visão linear, asséptica e extremamente feliz, se revela apenas uma utopia, algo que até pode ser alcançado, num futuro que ninguém sabe ao certo quando vai ser.
É claro que, ao mesmo tempo em que a sociedade soluciona um tipo de problema, outros também devem ser eliminados, para que não contaminem os resultados já obtidos. Mas essa é outra questão. Porque, mesmo assim, a natureza humana vai impedir, em algum momento, que essa forma linear e asséptica de enxergar a história e seus desdobramentos aconteça na sua totalidade. Descrença? Não. Apenas o cuidado de trazer os olhos para um aspecto da realidade às vezes negligenciado.
PrimeiЯa versão
■ Na hora de fritar, a mãe corta o rabo e a cabeça do peixe. E só depois o coloca na frigideira. Intrigado, o menino vê a cena e pergunta: “Mãe, por que a senhora corta o rabo e a cabeça do peixe?” A mãe responde: “Sua avó me ensinou que esse é o jeito certo”. O menino pergunta a mesma coisa à avó. “Sua bisavó me ensinou…”. Mas ele continua investigando. Até descobrir o verdadeiro motivo daquela prática: a única frigideira disponível na casa da bisavó era pequena e a saída era cortar o rabo e a cabeça do peixe. Conclusão: se agora temos um frigideira maior, porque continuar com as mesmas práticas?
Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo e escritor. Autor dos livros Criatividade e redação, A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected].