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26 de Março de 1902 | Imigração no Brasil

Em 26 de março de 1902, o governo italiano, pressionado por vários relatos que chegavam à Itália descrevendo os maus-tratos sofridos pelos italianos no território brasileiro, promulgou uma lei, o Decreto Prinetti, que só permitia emigração dos italianos para o Brasil – não se tratava de proibição – desde que estes ou seus parentes pagassem as passagens de navio, sendo vedada, portanto, a emigração subsidiada.

Esse decreto marcou uma diminuição acentuada da imigração de italianos para o Brasil, depois do boom ocorrido durante os 15 anos anteriores. Tal situação não foi, contudo, privilégio dos italianos, pois outros governos europeus também proibiram a imigração subsidiada para o Brasil, como fez o espanhol em 26 de agosto de 1910.

Além das restrições dos governos dos países de emigração, um outro elemento interessante a considerar quando analisamos a imigração para o Brasil nos séculos xix e xx  é que parece haver quase um padrão na sua ocorrência, com ondas imigratórias se sucedendo. Assim, alemães, suíços e outros germânicos dominaram a primeira metade do século xix;  os italianos, o período entre o fim desse século e o início do xx; os espanhóis e portugueses, as primeiras décadas do xx; e os japoneses, o período posterior, até o esgotamento final do processo por volta da Segunda Guerra Mundial.

A promulgação de decretos restritivos pelos países de emigração e essa sucessão de “ondas  imigratórias” requerem alguma explicação, que deve ser buscada nos sonhos daqueles homens que atravessavam o Atlântico para refazerem suas vidas e na dura realidade que eles encontraram ao chegar aqui,  tanto nas pequenas propriedades isoladas no sul como nas fazendas de café de São Paulo.

O Brasil, no período colonial, era um lugar pouco atraente para os europeus e havia restrições à sua entrada, o que só se modificou com a Independência, em 1822. O novo governo imperial começou a se preocupar, realmente, com a baixa população do país e procurou trazer imigrantes europeus para colonizar o vasto território brasileiro. Ele teve algum sucesso, como demonstra o desenvolvimento das colônias alemãs, suíças, polonesas e outras no sul e sudeste do Brasil entre os séculos XIX e XX.

No entanto, o que realmente provocou uma explosão da imigração no Brasil a partir, mais ou menos, de 1880, foi o problema da mão de obra para manter as lavouras de café,  base da economia nacional e que eram mantidas pelo trabalho escravo até então. Com a decadência do sistema escravista, de fato, os fazendeiros começaram a se preocupar com os braços necessários para as fazendas.

Também havia, dentro da questão da imigração, motivações claramente racistas de “branquear” o Brasil para “civilizá-lo”. No entanto, apesar dessas preocupações raciais, o que estava realmente em jogo eram questões econômicas. Para fazer os ex-escravos continuarem nos mesmos locais onde eles já viviam e trabalhavam, seria necessário pagar salários altos e fazer concessões em termos de horários, disciplina etc., o que era inaceitável para os fazendeiros. Inundar o mercado de trabalho seria a solução para evitar que isso acontecesse e, para tanto, a  imigração dos europeus seria o ideal.

Depois de algumas experiências com o sistema de parceria, optou-se pelo sistema de colonato. Tudo começava com agentes de propaganda que percorriam a Europa dizendo maravilhas do Brasil e prometendo enriquecimento rápido e terra para os que quisessem emigrar. Além disso, esses agentes ofereciam a passagem de navio, paga pelos governos paulista ou brasileiro, para esses imigrantes, o que estimulava a emigração daqueles que não podiam pagar uma passagem para a América  por conta própria. Era contra esse sistema que o decreto Prinetti procurava legislar.

É importante notar que esse é apenas um quadro geral e que o processo de imigração no Brasil nesse período foi tudo menos uniforme. Os alemães, holandeses, poloneses e suíços estabeleceram-se centralmente como pequenos proprietários no sul, enquanto os árabes, libaneses e armênios, por exemplo, dedicaram-se ao comércio. Houve também refugiados políticos que se instalaram no Brasil. Todos esses vinham com passagens próprias ou com o apoio de companhias de colonização, e não via colonato.

Foi, porém, no contexto de um sistema que procurava manter abastecido o mercado de mão de obra (e que, sozinho, foi responsável por trazer 2,5 milhões de imigrantes para os cafezais) e povoar o território nacional que a maior parte dos imigrantes chegou ao território brasileiro. Também foi nas contradições desse sistema, que precisava dos imigrantes, mas que se recusava a atender as suas expectativas, que está a chave para compreendermos a sucessão de ondas migratórias para o Brasil e o esgotamento posterior do processo.

No Sul, realmente, o apoio aos imigrantes era pouco. Eles recebiam a terra, mas era apenas com ela e com seu próprio trabalho que eles podiam contar. Os colonos eram forçados a uma rotina muito dura para sobreviver e, com o tempo, a maioria de suas colônias conseguiu progredir. O custo, porém, foi imenso em termos de sacrifício, trabalho e economia.

Também no estado de São Paulo, italianos, espanhóis, portugueses ou japoneses deparavam-se com uma realidade muito diferente do paraíso que eles haviam idealizado. Em primeiro lugar, as condições de vida, alimentação e moradia desagradavam aos imigrantes. Eles também viviam isolados e na dependência do poder dos fazendeiros. Para completar o quadro, os salários eram baixos e mal davam para a sobrevivência da família, quanto mais para economizar. Nessa situação, não espanta que apenas uns poucos tenham conseguido comprar terras.

Esses colonos reagiram por meio de greves, assassinatos de fazendeiros e, especialmente, de fuga das fazendas. A frustração, de qualquer modo, era imensa e, à medida que as notícias corriam, os imigrantes de uma dada nacionalidade diminuíam o seu ingresso no Brasil, o que obrigava as elites locais a apelar para outras fontes de mão de obra e a outras nacionalidades.

Assim, leis como a italiana de 1902 ou a espanhola de 1910 não foram responsáveis pela interrupção da imigração europeia para o Brasil. Os decretos em si foram motivados pela constatação de que os italianos ou espanhóis estavam sendo explorados em excesso no Brasil e que a única motivação real deles para vir ao país era a passagem subsidiada. Ao eliminá-la, provocaram inevitavelmente uma queda da imigração dessas nacionalidades. Isso não teria acontecido, contudo, se o país oferecesse oportunidades reais a todos os imigrantes que aqui aportavam.

Foi, porém, tanto por questões próprias dos países de emigração (como o esgotamento do excesso de mão de obra disponível ou a descoberta de outros nichos no mercado mundial de trabalho) como por essa exploração excessiva, típica do sistema econômico brasileiro desde sempre, que os imigrantes vinham em “ondas” que logo se esgotavam e que o país recebeu e conservou muito menos imigrantes do que poderia. Os decretos dos países de emigração foram apenas a cristalização jurídica e simbólica de uma situação com raízes muito mais profundas.


João Fábio Bertonha é professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e pesquisador do CNPq. Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e livre-docente em História pela Universidade de São Paulo (USP). Fez estágios de pós-doutorado na Sapienza Università di Roma e na USP e foi visiting fellow no European University Institute (Florença), na Universidade de Munique e na Universidad Carlos III de Madrid. Também é especialista em assuntos estratégicos internacionais pela National Defense University (Washington, DC). Em 2000 e 2008, foi bolsista do governo canadense, do International Council for Canadian Studies, quando realizou pesquisas relacionadas à história canadense em diversas bibliotecas, arquivos e universidades em Toronto, Montreal e Ottawa.

Autor de vários livros e artigos sobre fascismos, relações internacionais, defesa e imigrações, publicou, pela Editora Contexto, Itália: presente e futuroOs italianosPatton e Os Canadenses além de ser coautor do Dicionário de datas da história do Brasil. Foto por Tomoko Abe.