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1964: História do Regime Militar Brasileiro

1964: História do Regime Militar Brasileiro

Exatos cinquenta anos atrás, o Brasil mergulhou em uma ditadura que iria perdurar por mais de duas décadas. É chegado o momento de fazer um balanço histórico do regime militar. Marcos Napolitano, conhecido historiador da USP, discute neste livro sólido e bem escrito as principais questões desses “anos de chumbo”.

A ditadura durou muito graças ao apoio da sociedade civil, anestesiada pelo “milagre” econômico? Foi Geisel, com a ajuda de Golbery, o pai da abertura, ou foi a sociedade quem derrubou os militares do poder? Como era o dia a dia das pessoas durante o regime militar? Como a cultura aflorou naquele momento? O que aconteceu com a oposição e como ela se reergueu? Qual a reação da sociedade (e do governo) à tortura e ao “desaparecimento” de presos políticos?

Obra de historiador, livro obrigatório para quem quer compreender o Brasil, uma síntese brilhante.

Confira abaixo a Apresentação do livro 1964: História do Regime Militar Brasileiro

 

APRESENTAÇÃO

No final de março de 1964, civis e militares se uniram para derrubar o presidente João Goulart, dando um golpe de Estado tramado dentro e fora do país. Na verdade, esta aliança golpista vinha de muito antes, sendo uma das responsáveis pela crise política que culminou no suicídio de Getúlio Vargas em 1954.

No poder desde 1961, Jango enfrentou crises políticas a partir de sua conturbada posse, e prometia reformas sociais, econômicas e políticas que deveriam tornar o Brasil um país menos desigual e mais democrático. Mas a direita não via a coisa desta maneira. Jango era visto como amigo dos comunistas, incompetente em questões administrativas, irresponsável como homem político que incrementava a subversão, enfim, um populista que prometia mais do que poderia dar às classes populares. A esquerda, que até esperava o golpe contra as reformas, não conseguiu se articular e reagir, experimentando uma de suas maiores derrotas políticas na história do Brasil.

CAPA 1964_WEBA subida dos militares ao poder mudaria para sempre a história brasileira, além de ter fornecido um novo modelo de golpe e de regime político para vários países latino-americanos. O caminho da modernização, doravante, não passaria mais pelas reformas sociais para distribuir renda ou pela ampliação da democracia participativa e eleitoral, mas por “segurança e desenvolvimento” a todo custo. Vinte anos depois, em 1985, os militares saíram do poder, de forma negociada, mas, de qualquer modo, enfrentando uma grande oposição em vários setores sociais, incluindo-se aí os segmentos liberais que saudaram o golpe de 1964.

Entre uma e outra data, 1964 e 1985, o Brasil passou por um turbilhão de acontecimentos que, em grande parte, nos definem até hoje e ainda provocam muito debate. A economia cresceu, alçando o país ao oitavo PIB mundial. Mas, igualmente, cresceram a desigualdade e a violência social, alimentadas em boa parte pela violência do Estado. A vida cultural passou por um processo de mercantilização, o que não impediu o florescimento de uma rica cultura de esquerda, crítica ao regime. Os movimentos sociais, vigiados e reprimidos conforme a lógica da “segurança nacional”, não desapareceram. Muito pelo contrário, tornaram-se mais diversos e complexos, expressão de uma sociedade que não ficou completamente passiva diante do autoritarismo.

Protagonistas de muitas origens políticas, estudiosos de inumeras áreas acadêmicas, artistas e intelectuais de diversos campos de atuação, refletiram sobre os acontecimentos em curso e ajudaram a construir visões críticas sobre vários temas correlatos à história do regime militar: o golpe, a agitação cultural, as passeatas estudantis de 1968, o milagre econômico, a guerrilha de esquerda, a repressão e a tortura, a abertura política. Quando o regime acabou, havia já uma memória construída por estes protagonistas e analistas. Hoje, passados cinquenta anos do golpe de 1964 e quase trinta anos do fim da ditadura, muitas dessas perspectivas são revisitadas pela historiografia e pela própria memória social. As perguntas que circulam há algum tempo, tanto na imprensa quanto no meio acadêmico, sintetizam este debate: Jango foi o responsável pela crise de 1964? O golpe foi puramente militar ou civil-militar? A ditadura para valer só começou com o AI-5, em 1968? A esquerda armada foi a principal responsável pelo acirramento da violência de Estado? As artes e a cultura de esquerda estavam inseridas na indústria cultural ou foram meras concessões episódicas por parte desta? A sociedade, predominantemente, resistiu ou apoiou a ditadura? A abertura do regime foi um movimento consciente dos militares, que preparavam a sua saída do poder sem hesitações?

Este livro tenta responder a essas e outras questões, caminhando entre os complexos caminhos e ramais que ligam história – fundamentada em documentos dos arquivos – e memória – baseada na experiência dos protagonistas. Obviamente, uma e outra se comunicam. Os próprios documentos são fixações da experiência, da visão de mundo das pessoas, movimentos e instituições que os produziram. A própria memória é atravessada por experiências coletivas e pela consagração de alguns documentos em detrimento de outros. O historiador que enfrenta a “história recente”, sobretudo, não pode desconsiderar essas questões. No caso do autor desta obra, história e memória se conectam na mesma pessoa, posto que eu vivi minha infância e boa parte da juventude sob o regime militar. Aqui, o exercício do distanciamento de historiador negocia com a memória, sempre subjetiva, de quem viveu parte dos eventos narrados em uma parte formativa da sua vida.

Ao longo do livro, o leitor poderá percorrer a extensa trajetória do regime, em uma narrativa que tentou, ao máximo, privilegiar os eventos, processos e personagens, evitando digressões teóricas e historiográficas que interessam mais aos historiadores de ofício e que acabaram restritas às notas colocadas ao final destas páginas. É um livro que encara a difícil tarefa de escrever para estudantes e pesquisadores de história, sem menosprezar os eventuais interesses do leitor não acadêmico em apreender o passado a partir das clássicas perguntas: quem, quando, como e onde. Nesta narrativa, digamos assim, voltada para o “factual”, entretanto, tento me posicionar em relação aos principais temas do debate atual, defendendo pontos de vista baseados na pesquisa documental e na releitura crítica da historiografia consolidada sobre o golpe e o regime.

Defendo a interpretação de que em 1964 houve um golpe de Estado, e que este foi resultado de uma ampla coalizão civil-militar, conservadora e antirreformista, cujas origens estão muito além das reações aos eventuais erros e acertos de Jango. O golpe foi o resultado de uma profunda divisão na sociedade brasileira, marcada pelo embate de projetos distintos de país, os quais faziam leituras diferenciadas do que deveria ser o processo de modernização e de reformas sociais. O quadro geral da Guerra Fria, obviamente, deu sentido e incrementou os conflitos internos da sociedade brasileira, alimentando velhas posições conservadoras com novas bandeiras do anticomunismo. Desde 1947, boa parte das elites militares e civis no Brasil estava alinhada ao mundo “cristão e Ocidental” liderado pelos Estados Unidos contra a suposta “expansão soviética”. A partir da Revolução Cubana, em 1959, a América Latina era um dos territórios privilegiados da Guerra Fria. Este pensamento, alinhado à “contenção” do comunismo, foi fundamental para delinear as linhas gerais da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), propagada pela Escola Superior de Guerra. A DSN surgiu no segundo pós-guerra, sintetizada pelo Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, e tem suas origens na Doutrina de Contenção do Comunismo internacional, também conhecida como Doutrina Truman (em alusão ao presidente dos EUA Harry Truman, que a formulou em 1947). Nesta perspectiva, os exércitos nacionais dos países subdesenvolvidos alinhados ao bloco capitalista liderado pelos EUA deveriam, primordialmente, cuidar da defesa interna contra a “subversão comunista infiltrada”. A fronteira a ser defendida passaria a ser ideológica (e não mais geográfica) e o inimigo seria, primordialmente, um “inimigo interno”, que poderia ser qualquer cidadão simpatizante ou militante do comunismo. A Escola Superior de Guerra, criada no Brasil em 1949, foi um dos focos de disseminação e aperfeiçoamento dessa doutrina, que também era ensinada em escolas de formação de quadros militares nos EUA, como o National War College. Como seu corolário, surgiu outra doutrina nos anos 1950, elaborada por militares franceses que enfrentaram as guerrilhas nacionalistas locais na Indochina e na Argélia: a Doutrina de Contrainsurgência. Nela, dizia-se que o inimigo guerrilheiro deveria ser combatido por métodos policiais (que incluíam interrogatórios à base de torturas), além dos princípios militares tradicionais, e por vigilância e cerco estratégico das suas bases sociais e geográficas.

Nesta visão de mundo marcada pelo anticomunismo visceral, qualquer projeto político que mobilizasse as massas trabalhadoras, ainda que a partir de reivindicações justas, poderia ser uma porta de entrada para a “subversão” comunista. Ao mesmo tempo, a Doutrina de Segurança Nacional deu novo élan ao velho conservadorismo local, permitindo e justificando, em nome da DSN, a manutenção de velhos privilégios econômicos e hierarquias sociais. Mirando os comunistas, os golpistas de 1964 varreram o reformismo da agenda política brasileira. A coalizão antirreformista saiu vencedora, enquanto a coalizão reformista de esquerda foi derrotada. Entretanto, não endosso a visão de que o regime político subsequente tenha sido uma “ditadura civil-militar” ainda que tenha tido entre os seus sócios e beneficiários amplos setores sociais que vinham de fora da caserna, pois os militares sempre se mantiveram no centro decisório do poder.

Proponho um novo olhar para compreender a cultura e as artes de esquerda, partes estruturais e estruturantes da moderna indústria cultural brasileira, sem que isso signifique mera cooptação ou cinismo por parte dos artistas engajados. Questiono as interpretações sobre os acontecimentos que levaram ao acirramento do autoritarismo e da repressão, do mesmo modo que sua desmontagem como epicentro do regime e produto de um confronto dicotômico entre militares “moderados” e a “linha-dura”. Questiono a história e, principalmente, a memória estabelecida sobre a “abertura”, demonstrando que esta não foi inequívoca e linear, e esteve sujeita às pressões da sociedade, sobretudo dos movimentos sociais que repolitizaram as ruas, forçando os limites iniciais da transição conduzida pelo alto.

Por fim, procuro analisar o período sem partir de uma vilanização fácil dos atores políticos, sem julgá-los de maneira simplista conforme minhas simpatias ideológicas, apesar de elas obviamente aparecerem ao longo do texto. Neste livro, em nenhum momento o regime militar é visto como isolado da sociedade brasileira, mantendo-se no poder apenas pela força e pela coerção. Trata-se de um regime complexo, muitas vezes aparentemente contraditório em suas políticas, que mobilizou vários tipos e graus de tutela autoritária sobre o corpo político e social, articulando um grande aparato legal-burocrático para institucionalizar-se, aliado à violência policial-militar mais direta.

Enfim, esta narrativa não pretende ser neutra, mas objetiva o distanciamento, que, a meu ver, é a obrigação do historiador de ofício. Esta não é uma tarefa simples, ainda mais porque ao olhar criticamente para 1964 e seus desdobramentos, o historiador precisa se equilibrar entre a história e a memória. Ou, em muitos momentos, tombar sobre uma das duas.

6 thoughts on “1964: História do Regime Militar Brasileiro

  1. Nos dias de hoje, há mais de trintas anos do fim dos Militares no poder! Eu me pergunto! Será que acabou a ditadura! Ou só mudou de mãos. Acho eu que ela continua nas mãos dos deputados, senadores, ministros e autoridades da República. Porque eles só votam de acordo com as suas necessidades partidárias e ideológicas, dentro de seus interesses e de suas empresas e familiares. Quanto a vontade de um povo que sofre perante a saúde, segurança, educação ficam para segundo plano.

    1. É meu caro Nivaldo, com uma pequena diferença, esses caras que estão no poder, ou nos poderes, foram eleitos por mim e por você e têm outras formações acadêmicas, que não a formação militar, tudo o que se aprende nos quartéis é bater, torturar e matar, digo isso porque fui militar (1979-1983) e sei do que estou falando, agora se o povão não tem respeito por si próprio, não tem educação e não sabe votar, isto é uma outra discussão.

  2. É, NO MÍNIMO TENSO , PARA UMA CIDADÃ LEIGA COMO EU,COMENTAR. MAS ACHO QUE NOSSO PAÍS PRECISA DE DEMOCRACIA SIM, PORÉM ANARQUIA NUNCA!!! O QUE FAZER? ; NASCI EM 1968, E COM 12 ANOS DE IDADE TRABALHAVA DIGNAMENTE, E ISTO NAO INTERFERIU NO MEU CARÁTER, EMFIM, OQUE PENSAR? COMO AGIR?

  3. Não tenho saudades do governo militar, mas não se pode relegá-lo ao ostracismo. Aqueles foram momentos conturbados, porém muito melhores dos que estamos vivendo atualmente. Não havia tanto desmando e bagunça como agora.

  4. Também acho, Paulo. Na época do governo militar o país tinha mais segurança e desenvolvimento e não tinha essa corrupção desenfreada e a criminalidade que existe agora.

  5. Pelo que eu estou Vendo o brasil ta de Mal á Pior Atualment.
    Só Regime militar que pode concerta essa anarquia que esta no Brasil a Fora

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