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Uma questão de prioridade | Rubens Marchioni

No passado não havia uma necessidade tão clara de identificar o que era importante, diferenciando-o do essencial e do acidental. A sociedade era algo mais simples. Não pedia classificações tão sofisticadas. O grau de evolução humana ainda não exigia tais distinções.  

Mas veio o presente, com suas exigências de progresso. Como convém a tudo que é novo, ele questionava a falta de disposição para abandonar o mundo comum, a zona de conforto. Ora, isso nos levou a olhar com mais critério para a realidade, mergulhada num simplismo crônico. Classificações e raciocínios superficiais já não se sustentavam, revelando-se insuficientes. E então, de repente, passamos a julgar a sociedade em seus pontos fortes e fracos, agora com um olhar mais crítico. A partir daí, criaamos projetos transformadores, mas que, no entanto, levaria tempo para se revelar e dar resultados. Eram passos importantes em nossa caminhada humana, até então capaz de cobrir quase seis quilômetros em duas horas e meia.   

As consequências trazidas por essa lentidão nos levaram, naturalmente, a uma nova etapa: buscar a clareza necessária para definir e distinguir o que era importante em nossa sociedade. Empurrados por uma ideologia, buscamos as diferentes formas e práticas de classificar o que seria considerado importante, reservando para ele um lugar específico.

Assim, a identificação do que é importante passa, antes, pela noção que temos dos recursos materiais e culturais disponíveis para se criar uma escala de valores. Afinal, convém lembrar que fazemos parte de uma sociedade de mercado. E ela se reserva o direito de validar nossas definições a partir de critérios de quantidade, inclusive quando o assunto é o essencial, o importante ou o acidental em nossa vida. O ter vale mais do que o ser, diz a regra.

No entanto, não obstante a existência das forças do poder, da política, da sociedade de mercado, do capitalismo, são as pessoas que determinam, no final das contas, o que deve ser considerado importante. Para elas, ainda que isso nem sempre apareça de maneira explícita, conta menos o atributo [equivalente ao acidental] e o benefício [equivalente ao importante], porque a meta é atingir o valor, isto é, o essencial, aquilo no qual vale a pena investir.

Exemplificando, batom vermelho é atributo, acidental; batom vermelho que deixa a boca mais bonita é benefício, importante; batom vermelho que, além de deixar a boca mais bonita, atrai a pessoa que pode dar a felicidade sonhada, isso é valor, é essencial. No balcão da perfumaria, os três elementos decidem a compra, mas é o terceiro que traz o cartão de crédito à cena. Tudo depende da maneira como o produto ou o serviço será apresentado ao consumidor.

A opção pelo que é importante e essencial requer atitude. O futuro pede novas definições do que realmente importa. É nossa tarefa estabelecer a síntese correspondente à tese que vimos no início desta conversa.

Qual é, então, a tendência para o futuro? Quando sairmos da pandemia, o que realmente vai importar em nossas vidas? O que será o novo normal? Uma simples volta ao passado? Mas o que tínhamos pode ser considerado normal ou era apenas algo que passava batido porque ninguém se levantava para protestar, nem tomava a direção contrária, como nos movimentos hippies, por exemplo? Se pode ser considerado normal, a partir de que critérios isso é feito? É normal, por exemplo, destruir o planeta? É normal insistir no uso de combustível fóssil? É normal manter a primazia do ter sobre o ser, em detrimento do direito à vida? A síntese pede seu espaço, mas ainda não se tornou uma realidade.

Somos chamados a olhar para o passado, que nos trouxe até o presente, e, mirando no futuro, identificar o que é significativo em nossas vidas. Caso contrário, jamais conseguiremos identificar o que é essencial. E, sem isso, o progresso se tornará um projeto sem futuro. O novo normal pode ser o novo espaço para a experiência de uma vida feliz. Afinal, já aprendemos bastante sobre a fórmula mortal que insiste em negar qualquer manifestação de vida de verdade.


Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]