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Tapinha nas costas não paga as contas | Rubens Marchioni

Quando contrato o serviço de um profissional autônomo, faço questão de remunerá-lo financeiramente pelo seu trabalho. A menos que haja um acordo de permuta entre nós, o que é válido. O combinado não é caro.

Não abro mão disso. No mínimo, porque ele fez algo que eu não saberia fazer. E sem seu trabalho, que me trouxe a resposta esperada, às vezes urgente, eu continuaria indefinidamente com o problema. Sem contar que pagaria por isso com outra moeda, valor acrescido de juros e correção monetária. Procrastinação tem um alto custo.

Depois, sobretudo quando se trata de amigo, não gosto de correr o risco fácil de pensar que, por causa da relação de amizade, ele não precisa receber. Tapinha nas costas não paga contas. É o contrário: a existência de laços dessa natureza é uma razão a mais para que o profissional seja remunerado, reconhecido nos conhecimentos e habilidades que tem. Senão, que amizade é essa? A piada é boa quando todos se divertem. Todos.

Esse raciocínio procura lançar uma luz sobre outra situação semelhante, geralmente negligenciada. Imagine a cena. Na Recepção, o cliente pede para falar com o gerente. Ao ser anunciado, vem a resposta: “Ah, é o Antonio Soares? O Toninho já é da casa, peça pra ele esperar.” E dá-lhe chá de cadeira. O antigo Sr. Antonio Soares, agora transformado em Toninho, porque amigos não reclamam, pode esperar – o gerente acredita. É o preço, injusto e indesejado, de ser fiel à empresa.

Por vezes, enquanto fico um longo tempo ao telefone, ouvindo uma musiquinha insuportável, esperando por uma resposta que não vem, o vendedor da mesma empresa bate à sua porta querendo uma oportunidade para provar que oferecem o melhor atendimento de que se tem notícia.

Ele apenas não informa que isso vale somente até o momento em que você assina o contrato. Depois você ganha o direito de aturar a mesma musiquinha que me manteve inerte, com cara de bobo, só porque me atrevi a pedir uma informação a alguém que, por vezes, me classifica como “Cliente Top”.

“Eu vou estar transferindo a ligação para o ramal…”; “Ah, quem cuida disso é a Área Técnica, não é aqui, eu vou estar transferindo…”. E nessa quase punição por ter confiado, você morre “estando sendo transferido de um lado para outro”. Algo como se dissessem “Benfeito, quem mandou você se tornar cliente?” Contraditório, não é mesmo?

Ora, se o cliente já é cliente, por isso ele pode esperar mais tempo pelo atendimento? Não é como deveria ser. Ao contrário. É por ser cliente, é porque ele “é da casa”, é porque foi feito um investimento de tempo e dinheiro a fim de que esse relacionamento se iniciasse e ganhasse consistência, que o Antonio deve ter prioridade. Será necessário instalar sofisticados sistemas de inteligência para detectar algo que bastaria estar na quinta série para resolver, ao menos por interesse próprio? Bastaria a empresa ser egoísta de maneira produtiva e inteligente para evitar esse tipo de situação em que ela também perde.

Retomando o assunto que me deu o pretexto para essa conversa, eu preciso que o profissional autônomo receba pelo que faz. Preciso. Além de ser um ato de justiça e reconhecimento, essa é uma forma de garantir que ele continue atuando nessa área. Porque se cada prestador de serviço que atende às minhas demandas decidir que eu não preciso me preocupar com a remuneração, ou se eu tomar essa iniciativa no lugar dele, pode acontecer de esse profissional concluir que deve mudar o ramo de atividade, quando então receberá pelas soluções que oferece. 

Mas não é só isso. Também quero pensar em mim. Nesse sentido, se não pago pelo que ele fez, como poderei chamá-lo novamente quando surgir outra necessidade? Como esperar que se aprimore, por meio de leituras, cursos e outros meios, para me oferecer sempre mais e melhor? Como alimentar expectativas de que me atenda empregando instrumentos mais adequados em cada tarefa, sem que eu precise emprestar-lhe uma faquinha na hora de apertar aquele parafuso? “A chave que eu tinha quebrou.” Ele tinha uma chave. É uma precariedade que fica abaixo da linha da pobreza em termos de recursos técnicos e qualidade de serviço. Por fim, como poderei pensar numa relação profissional de verdade com quem trabalha de estômago vazio?

Portanto, remunerar não é a maneira de dizer “veja como sou uma pessoa legal”. É também um jeito de contribuir para que aquela fonte de soluções não seque por falta de dinheiro. E de garantir que os contratos, ainda que apenas falados, sejam verdadeiros, com direitos e deveres cada vez mais claros e bem estabelecidos. É um cuidando dos interesses do outro. Isso é apenas uma relação justa e produtiva.


Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto.  https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]