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O que fazer com o exame médico? | Rubens Marchioni

Recebo o resultado do exame médico, envelope lacrado pelo respectivo laboratório. Guardo-o, intacto. A partir de agora, sou apenas o portador desse resultado. Assumo a tarefa de levá-lo ao médico que o solicitou. E ouvir atentamente suas instruções. 

Alguém me pergunta se não vou abri-lo. Respondo que não. A reação do meu interlocutor é imediata: “Mas o exame é seu!”. O comentário chega com o devido ponto de exclamação, para deixar clara a perplexidade, que é quase uma advertência. “O exame fala de mim, é claro. Mas o destinatário é o médico. Portanto, vou deixar que ele abra. Não vou entrar nessa conversa sem ser chamado.”

Não abro exames médicos. Mesmo aqueles que falam de mim, do que acontece em meu cérebro, coração, estômago etc. Penso que minhas razões são suficientes. Não sei ler e interpretar esse material, escrito em linguagem técnica, o que é normal. A propósito disso, fala-se de um jovem que tomou um caminho oposto ao meu. Abriu o exame. Em algum lugar, deu de cara com uma palavra: “Negativo”. “Negativo” – pensou, “é coisa ruim. Sinal de que estou mesmo condenado à morte.” Foi tomado pelo desespero. Em casa, tentou suicídio. Uma atitude negativa contra a vida. Porque o resultado do exame dava provas de que, pelo contrário, o jovem estava livre da suposta doença que o apavorava.

Se um texto fala a linguagem técnica da Medicina, prefiro que o médico o leia, interprete, traduza, e me diga somente o que devo saber para entrar num processo de tratamento. Se ele fala a linguagem técnica do Direito, prefiro que um jurista o leia, interprete, traduza, e me diga somente o que devo saber para dar novos passos em busca da solução para o problema a que se refere.

Falei em Direito. Aqui foi impossível não lembrar de um caso hilário. Conta-se que um promotor, acostumado a bajular o juiz, não perdeu uma nova oportunidade. Dessa vez, dirigindo-se ao promotor, o magistrado disse “Não vou julgar esse assunto. Não tenho competência para isso.” O promotor foi rápido: “Imagine, como assim, não tem competência?! Eu conheço Vossa Excelência, conheço a sua competência. Por favor, não seja modesto.” Ele não entendeu que não ter competência, nesse caso, não é sinônimo de “não sei fazer”. Significa algo como não estar autorizado a agir de determinada maneira. Ora, o melhor professor do mundo não tem competência para tomar decisões que cabem exclusivamente à diretoria da instituição. Sem mistérios.

Outro caso, menos grave, fala de uma advogada para quem a comunicação sempre acontece em inglês, esquecida de que o idioma do Direito é o latim, uma vez que esta ciência foi sistematizada em Roma. No Fórum, diante de uma petição devolvida pelo juiz, onde se lia “Indeferido sine die”, ou seja, “sem qualquer previsão”, ela bradou as duas palavras, em inglês e com sotaque britânico para dar mais força ao seu desapontamento: “Indeferido sine day”?! Diz a lenda que ela provocou o riso inevitável por parte das pessoas que estavam a sua volta, o que a deixou muito envergonhada. Aprendeu a lição do jeito mais dolorido. Triste.

Quando se age de maneira precipitada, desconhecendo alguns critérios mínimos, sempre existe o perigo de tornar-se motivo de piada, publicamente. Ou de violar regras básicas de convivência ou, mesmo, de criar situações em que a vida é colocada em risco.


Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto.  https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]