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Sociedade sem preconceito: um sonho possível? | Rubens Marchioni

MUITOS SEGMENTOS VIVEM uma situação de comodismo frente à questão do preconceito em todos os níveis, expresso não apenas na dificuldade de aceitar o diferente, mas na resistência à ideia de aprender o novo. Em geral, parece confortável manter esse estado de coisas. “Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito” lamentou o físico Albert Einstein. Isso, ainda que se observe, ao mesmo tempo, a existência de sinais de desconforto em relação ao problema e às consequências que ele provoca.

Não por acaso, somos chamados à aventura de reverter esse quadro nefasto. Essa transformação clama por um espaço em nossa agenda. Ela precisa ser revista, para enxergarmos o quadro com óculos renovados e agirmos de maneira eficaz.

No entanto, nem todos se dispõem a encarar esse projeto como um desafio, inclusive, pessoal. O comportamento de recusa é algo normal e integra a natureza humana. O instinto de autoproteção nunca foi novidade para nós.

Frente a essa resistência, e para evoluir, é indispensável contar com a participação de especialistas no assunto. Precisamos de gente capaz de orientar uma pauta de mudanças significativas nesse cenário. Aqui, presidentes e ministros desinformados não contribuem em nada. Pelo contrário, representam uma péssima influência quando o assunto é mudança de mentalidade.

Rigorosamente falando, a sociedade precisa dar os primeiros passos nesse sentido, abrindo mão de antigos paradigmas para abraçar novos aprendizados. Dada a urgência, esse projeto grita por cuidados que vão além das práticas vistas até hoje sobre a questão.

E a menos que eu esteja enganado, ele começa pela identificação clara do problema: qual a tese que está por trás de tudo isso? Identifica os seus traços definidores, sempre fugindo da tentação de cair na vala do senso comum. Tudo para ter clareza quanto às razões por que iniciar um trabalho de mudança de comportamento na sociedade a esse propósito.

Não é difícil perceber que as pessoas, agentes e objetos, pertencem a todas as camadas da sociedade – o desafio é democrático. Inclui aquelas que percebem o problema de maneira pouco comprometida, as que procuram realizar ações práticas, além de outro grupo que se envolve de maneira radical nessa transformação. Em geral, reagem positivamente quando convidadas a fazê-lo, em vista de algo que lhes parece interessante.

No entanto, nenhum trabalho dessa envergadura chega a bom termo sem uma pesquisa, em profundidade, sobre o tema. É indispensável abastecer-se a respeito da questão, conhecê-la nos seus diferentes níveis, vendo e julgando o assunto, com a devida aplicação do senso crítico. Boa vontade, apenas, não basta.

Como se pode ver, o projeto é desafiante. Ele implicará na vivência de situações que testarão a resistência dos envolvidos. Algumas pessoas farão de tudo para evitar que se transponham etapas do processo. Aliados, pseudoaliados, inimigos, adversários declarados, competidores, todo esse elenco vai aparecer, ainda que disfarçado, para reforçar ou colocar em cheque o projeto de derrubada do preconceito na sociedade.

Caso não se disponha de resposta imediata quanto às soluções viáveis para minimizar os efeitos causados pelo preconceito, será necessário ter paciência para suportar o período de incubação. É que, no final das contas, talento nada mais é do que uma paciência interminável – ‘Devido à impaciência, fomos expulsos do Paraíso; devido à impaciência, não podemos voltar’, sentenciou Franz Kafka. Na incubação, a resposta surge de maneira inesperada – Eureka! –, e precisa ser captada no momento em que desponta, a fim de que não se perca.

Como consequência, algum tempo depois dos movimentos iniciais no sentido de produzir efeitos práticos, começaremos a perceber os primeiros avanços, experimentando mudanças de mentalidade em relação ao tema. Ao mesmo tempo, enxergaremos um quadro mais claro do que deve acontecer em termos de práticas para a mudança tão necessária.

Qual será o custo envolvido, o nível de esforço necessário por parte de pessoas e de grupos da sociedade para se obter resultados efetivos? Nesse momento estaremos, enfim, numa situação de confronto com nossas possibilidades, materiais e emocionais, para saber se estamos dispostos a pagar o preço da mudança.

A síntese ideal vai exigir, sobretudo, uma revisão pessoal de certezas e valores, a fim de que o cenário de preconceito não continue como está. Nesse sentido, convém lembrar que não será possível trabalhar sem o apoio de ferramentas transformadoras.

Aqui estamos falando da comunicação. Nela estará uma das forças indispensáveis para a mudança. Ela vai mostrar à população os meios de que se dispõe para reverter o quadro de preconceito reinante e convocá-la ao uso de cada um desses recursos de maneira individual e grupal. Ao mesmo tempo, desempenhará o trabalho de criar agentes transformadores, ensinando como se faz, na prática, e onde agir, para que o resultado seja eficaz.

Será da comunicação, ainda, a tarefa de despertar a atenção das pessoas, ao menos mostrando os atributos de uma mudança como essa, embora isso não seja tudo, como se sabe. Assim, ela terá a missão de provocar o interesse, apresentando os benefícios da mudança para a sociedade, e o quanto é importante que isso aconteça o mais rápido possível.

Sem contar que a comunicação trabalhará para criar o desejo de mudança nas pessoas, incitando-as à tomada de atitude, por enxergarem isso como essencial, uma vez que é calcado numa visão de valores.

O que se espera, portanto, é que as pessoas comecem a agir nesse sentido, com o uso da razão, sempre de olho no retorno obtido, a fim de fazer ajustes no percurso.

Com tudo isso acontecendo, em meio a ações que fazem os devidos ajustes, os benefícios desse projeto estarão finalmente nas mãos da sociedade.

Nesse momento, o que se terá conquistado é uma experiência de recompensa, a consciência dos benefícios obtidos, a realização de novas práticas, a partir de uma plataforma de valores, como disse. Será percebida, aí, a presença de um novo ser humano, com maior conexão entre realidade externa e interna, o que implicará mergulhar numa qualidade de vida melhor do que a observada até então.  

Por fim, hora de avaliar: o resultado final tem a ver com o que foi pensado, quando se definiu o porquê de iniciar um projeto mais sério de transformação da sociedade, a fim de que a prática do preconceito não tenha mais tanta evidência?

No caso de um final feliz, estaremos vivendo num mundo formado por gente que viu, ouviu, sentiu e aprendeu muito sobre o assunto e está pronta não apenas para uma nova vida, mas para beneficiar a todos os que puder impactar com seus conhecimentos e habilidades. Gente partilhando os muitos benefícios colhidos com a vida, numa sociedade que enxerga o outro com naturalidade, valorizando o que nele há de diferente, porque sabe que a diversidade constrói ao destruir a monotonia de uma vida sem graça e beleza.

Isso me parece um bom acordo.


RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Autor de Criatividade e redação, A conquista Escrita criativa. Da ideia ao texto[email protected] — http://rubensmarchioni.wordpress.com