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Siscreve como sifala – Revista Galileu

Esqueça o certo e o errado das aulas de português. Uma nova gramática põe de lado todas aquelas regras chatas qe levamos anos para decorar na escola

Rita Loiola

Eu mifu, tu sifu, ele sifu…

Em um futuro próximo, é possível que as criancinhas sentadas nas carteiras escolares ouçam a professora conjugando o verbo dessa maneira. Ao menos essa é a previsão do linguista Ataliba de Castilho, um dos mais importantes do País, que defende uma nova maneira de se usar a língua escrita, bem mais próxima da língua falada hoje (sifu está entre seus exemplos). Em seu livro A Nova Gramática do Português Brasileiro, que acaba de chegar às livrarias, não existe um só capítulo de regência verbal ou análise sintática. Em vez disso, ele propõe que a gente comece já a conjugar os verbos tafalano e sisquecer. Sabe aquele andara, o pretérito-mais-que-perfeito do verbo andar, que a gente só lê em poemas escritos há mais de 200 anos? Já que ninguém mais fala assim mesmo (e quase não escreve), Ataliba propõe que se acrescente a esse tempo verbal o tinha andado, esse sim, falado diariamente em todos os cantos do Brasil.

É a primeira vez que uma gramática oficializa nossa língua coloquial, a falada, e isso abre espaço para que o português que se estuda na escola chegue mais perto da realidade dentro de algum tempo.
É isso que o novo livro tem de mais inovador. Bem diferente dos manuais cheios de regras que seus colegas costumam escrever, Ataliba passa longe de dizer o que é certo ou errado. “Não existe isso de ensinar português para quem já nasceu falando o idioma. Não precisa existir um despachante para problemas gramaticais que diga como a língua deve ser usada”, afirma Ataliba. “Adotar uma gramática que estuda o que falamos de fato vai nos curar de certos preconceitos linguísticos, como o clássico ninguém sabe falar português”, diz o linguista Renato Basso, pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Língua para comprar pão

“Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.” Você já conheceu alguém que fale assim nos dias de hoje? Provavelmente não, mas as gramáticas tradicionais são povoadas por seres que usam esse tipo de frase. No livro de Ataliba é diferente. A frase acima, tirada do romance Iracema, de José de Alencar, um dos mais lembrados pelos vestibulares de todos os tempos, não passa nem perto das explicações do novo livro. Ele não traz nenhuma norma para ser copiada ou reproduzida e evita os exemplos tirados da literatura clássica, já que estão muito distantes da maneira que falamos na hora de comprar pão ou quando escrevemos um e-mail. Isso não quer dizer que pode tudo, mas que é necessário aceitar novas formas de se usar o português para situações diferentes. Quem escreve uma carta ao reitor de uma universidade e quem manda um e-mail para o melhor amigo está usando “línguas” diferentes, por isso Ataliba defende que precisamos ser bilíngues, e até trilíngues, em nosso próprio idioma. Existem ainda variações geográficas, socioculturais, individuais (homens não falam do mesmo jeito que mulheres, sabia?), língua falada, escrita e até uma língua para documentos técnicos. A parte boa é que todas elas estão certas, cada uma em seu contexto. “Essa nova gramática chama a atenção para o que é o português brasileiro culto falado e escrito, e mostra quais as diferenças entre ele e outras variedades”, afirma Marcos Bagno, linguista e professor da Universidade de Brasília (UnB).

Os exemplos mostrados no livro vêm, em boa parte, do Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta (Nurc), iniciativa da qual Ataliba faz parte. O Nurc transcreveu o português falado por pessoas em cinco capitais brasileiras. Ataliba também se baseou em sua experiência de 50 anos de trabalho — ele deu aula na Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) — e foi um dos mentores e fundadores de diversas pesquisas destinadas a estudar a língua falada por aqui. O linguista ajudou a criar o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, o Projeto para a História do Português Brasileiro e o Núcleo de Estudos da Gramática do Português Falado. Ele dá prioridade ao idioma do Brasil e dispensa as aspas de lusitanos que sempre estão nas provas da escola, como os escritores Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco. “Essa é uma enciclopédia com a pesquisa linguística do português de nosso país”, diz Rodolfo Ilari, linguista da Unicamp e autor de cinco livros sobre língua portuguesa. “Uma das funções da gramática é dar um mapa da língua e não tínhamos coordenadas muito restritas. Esse livro traz vários caminhos para a língua que falamos, e que não prestávamos atenção.” Sidemos bem.

REVOLUÇÕES GRAMATICAIS | Alguns exemplos da nova gramática do português brasileiro que podem doer nos seus ouvidos

Foto: Marcelo Min/Editora Globo
Ataliba de Castilho, autor da Nova Gramática do Português Brasileiro

e professor aposentado da USP

* São raras as palavras “certo” e “errado” em seu livro. Por quê?
Ataliba de Castilho: Não coloco a ênfase no certo e errado, mas na reflexão sobre a língua. O valor do que é correto ou incorreto é social, não da gramática. O objetivo das boas gramáticas é desvendar o conhecimento linguístico armazenado na mente dos falantes, desde
o analfabeto até o
melhor dos escritores.

* Então por que uma gramática assim demorou tanto tempo para aparecer?
Ataliba: As gramáticas costumam repetir o que tem sido dito desde o século 19. Mas muita coisa mudou nesse tempo todo. Só que não havia pesquisas, dados sobre a língua falada no Brasil. A partir dos anos 60 os estudos começaram a ser feitos e, só então, foi possível analisar alguma coisa. Agora não precisamos mais ter despachantes tropicais das coisas que vêm de fora, da opinião de estrangeiros. Temos dados e estudos e podemos analisar nossa língua, podemos falar sobre ela.

* Você diz que todos podem ser gramáticos. De que maneira?
Ataliba: O gramático descreve a língua de todos os dias. E a língua é o ponto mais alto de nossa identidade, nela se manifestam os traços mais profundos do que somos, de como pensamos o mundo. Então, todos já são senhores dessa língua. A gramática só ajuda a entender como ela funciona, quais são suas variações. Você não precisa de um intérprete para isso. Prefiro apresentar perguntas e dar pistas de como achar novas respostas. Afinal, nem tudo está explicado. Fiz essa gramática para os inquietos, para quem não está contente em repetir o que vem sendo dito desde o século 19. Todos que querem partir para experiências novas, que fazem perguntas e não se contentam com as mesmas respostas de sempre podem ler esse livro.

* Você fala de uma língua brasileira. Ela já é totalmente diferente do português falado em Portugal?
Ataliba:
O português de Portugal se afastou do português brasileiro. Provavelmente, em 200 anos portugueses e brasileiros já não vão se entender. Há diferenças verbais, morfológicas e sintáticas. E eu tenho convicção de que o futuro do português está aqui. Afinal, há mais gente que fala a língua no Brasil do que em Portugal.

Nova Gramática do Português Brasileiro
Ataliba T. de Castilho
768 páginas
ISBN: 978-85-7244-462-0

8 thoughts on “Siscreve como sifala – Revista Galileu

  1. É revoltamte ver comentários que apenas refletem a mais nauseabunda boçalidade de quem não tem a
    mínima ideia do que é a ciência linguística e se arroga o direito de
    menosprezar alguns dos mais abalizados especialistas do país, como
    Ataliba de Castilho e Mário Perini, quando estes expõem empiricamente
    fatos sobre a língua que a mente
    diminuta, reles, ordinária e chifrim desses primatas irracionais não
    consegue alcançar por estarem satisfeitos com as noções enlatadas e
    pouco refletidas (quanto à verdadeira realidade da língua) da tradição gramatical. Claro! É cômodo que pensem
    por eles! E serem estimulados a pensar e destronar conceitos
    empedernidos poderia lhes causar um derrame cerebral por excesso de
    atividade neuronal!

  2.  realmente temos que operar mas os conhecimentos, caso contário deslizamos nos erros tal qual ouvi hoje.
    Adolfo deu… Casqui= por causa  que

  3. Shakespeare usaria. “The philologist Jespersen once pointed out that Shakespeares language is for the most part the ordinary conversational English of his day and not at all a fancy poetic diction.” / Disseram no Twitter que Ataliba “ordena escrever como se fala”. Mentira. Olha o que ele diz na entrevista: “O valor do que é correto ou incorreto é social, não da gramática. “

  4. Bom, ele começa errado não levando em consideração as diferenças regionais de pronúncia, por exemplo, não sei se, fora de São Paulo alguém mais omite o “d” do gerúndio. No meu caso não, essa gramática começa alienando boa parte do Brasil.

  5. Tinha que ser esse sujeito pra falar tanta besteira. Agora vai dizer que a gramática e a língua culta “oprime” um semi-analfabeto que você tenta justificar? puff

  6. Noça, eu qero agradesser em nome de todo nois… I indica o tuiter pra qem qizer pratica ece geitu tam bunitu de iscreve, ja qe o qe maiz tem la e genti açasinando o purtugues.

    Falando sério, seria interessante reavaliar o que é certo ou errado dentro da gramática brasileira, considerando a vasta e diversificada linguística em todo território nacional. A única coisa que complica é essa frequente mudança de regras, hoje um jeito de falar é absurdamente errado, amanhã já não o é… O pior é a alta probabilidade que daqui há alguns anos tudo possa mudar novamente.
    Instabilidade, nós somos obrigados a viver com ela até mesmo ao sermos julgados pela forma que falamos.
    Nanda Meireles

  7. Noça, eu qero agradesser em nome de todo nois… I indica o tuiter pra qem qizer pratica ece geitu tam bunitu de iscreve, ja qe o qe maiz tem la e genti açasinando o purtugues.

    Falando sério, seria interessante reavaliar o que é certo ou errado dentro da gramática brasileira, considerando a vasta e diversificada linguística em todo território nacional. A única coisa que complica é essa frequente mudança de regras, hoje um jeito de falar é absurdamente errado, amanhã já não o é… O pior é a alta probabilidade que daqui há alguns anos tudo possa mudar novamente.
    Instabilidade, nós somos obrigados a viver com ela até mesmo ao sermos julgados pela forma que falamos.
    Nanda Meireles

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