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Prosódia, prosódias: uma introdução

Prosódia, prosódias: uma introdução

Quando cantamos, não produzimos apenas uma sequência de consoantes e vogais encadeadas. Modulamos a voz de maneira a alterar as propriedades acústicas desse conjunto de sons, criando, assim, efeitos de sentido. Na infame canção “Atirei o pau no gato”, por exemplo, cuja notação musical segue abaixo, o a de atirei é mais longo que o a de gato. Isso é indicado em notação musical pelo símbolo de ligadura entre duas notas de mesma altura, marcando uma prolongação. A enunciação de “o gato não morreu” é feita com uma descida de notas gradual: observe como as notas descem no máximo metade de uma linha por vez, a partir de não, e permanecem na mesma altura nas três repetições da última sílaba (-reu). Em “o gato deu”, no entanto, a descida de notas é mais íngreme. Além disso, a nota da última sílaba (deu) está bem abaixo (em notação musical, um semitom abaixo) da nota da última sílaba de morreu. Por fim, miau, como pede a canção, é um berro, e o berro é enunciado com uma maior intensidade (marcada pelo símbolo f abaixo das notas).

Prosódia, prosódias: uma introdução

O mesmo fenômeno acontece quando falamos. As propriedades acústicas dos sons que produzimos na fala são moduladas para produzir diferentes efeitos: indicar o início de um tópico, enfatizar uma palavra, sílaba ou conjunto de sílabas, sinalizar que ainda não concluímos uma frase ou, ao contrário, deixar claro que a concluímos etc. O termo que se utiliza em Linguística para se referir a essas modulações no som da fala é prosódia – derivado do grego προσῳδία, que significa “acompanhamento musical” ou “canto acompanhado de música”.

As propriedades acústicas que são moduladas na fala são o tempo, a frequência fundamental e a intensidade. O intervalo temporal que o falante leva executando os movimentos articulatórios de um dado som é responsável pela modulação do tempo, que é percebido pelo ouvinte como duração. Na canção infantil ilustrada anteriormente, o tempo da vogal a em atirei é relativamente maior que o da mesma vogal em outros contextos da música. O número de vezes que as pregas vocais vibram durante a produção da fala vai definir a sua frequência fundamental, que é percebida pelo ouvinte como tom ou entoação. Como vimos, na canção, o movimento de descida das notas em “não morreu” é diferente daquele associado a “o gato deu”. A altura da nota é, na fala, equivalente à frequência fundamental, e o movimento dessas notas é equivalente à percepção da entoação. Por fim, o esforço físico desprendido na produção de um som vai determinar a sua intensidade, que é, por sua vez, percebida como volume. A Prosódia ocupa-se da investigação desses fenômenos em seus três possíveis domínios: o da produção, o da acústica e o da percepção.

Este livro explora diferentes aspectos da Prosódia da Fala, um campo de investigação que atravessa vários domínios na área da Linguística e nas interfaces da Linguística com outras áreas do conhecimento. O objetivo é apresentar, de maneira didática, conceitos fundamentais e métodos da pesquisa em Prosódia, explicitando a sua importância para a compreensão dos mais variados fenômenos da fala.


Miguel Oliveira Jr. é professor da Universidade Federal de Alagoas e pesquisador do CNPq. Tem trabalhado com prosódia desde o seu doutoramento em 2000, pela Universidade Simon Fraser (Canadá). Foi presidente da Associação Brasileira de Linguística (2017-2020) e é atualmente editor do periódico Cadernos de Linguística.

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