Ao entrarmos em contato com culturas do passado, aprendemos com o outro, enriquecemos nossa visão de mundo e descobrimos ser possível pensar em futuros melhores. Acreditando nisso, constatamos com preocupação o paradoxo entre a importância de conhecer a trajetória dos antigos habitantes do Brasil, os povos que ocuparam o país antes da chegada dos portugueses, e a pouca atenção dada ao tema no ensino formal, tanto nos níveis fundamental e médio quanto nos cursos universitários de História. Trata-se de milhões e milhares de anos que representam a imensa maioria do tempo da existência humana, mas que acabam sendo negligenciados. Basta ver como são raros graduações, bacharelados e licenciaturas que dedicam estudos ao período pré-colonial, e menos ainda os que contam com pré-historiadores em seus quadros docentes ou currículos que tratem da Pré-História, em geral, e a do Brasil, em particular.
Tentando mudar esse quadro, nosso objetivo com este livro é fornecer uma introdução atualizada à Pré-História do Brasil. Para isso, procuramos explicar os termos e os conceitos utilizados pelos pesquisadores da área. Apresentamos achados, artefatos, vestígios e sítios arqueológicos devidamente localizados e datados, os principais estudos sobre o tema e suas conclusões, além das disputas e dos consensos historiográficos, tudo de maneira problematizada. Como a Escola dos Annales, corrente historiográfica seminal, afirmou, “a História é sempre História Problema”. “História” em grego é “investigação”. “Problema” significa, na origem, “algo colocado na frente”, um obstáculo, ou, melhor ainda, um desafio. A “História Problema” é a que reconhece ser sempre interpretada, inserida em discussões e controvérsias entre estudiosos que sabem que “o que passou, passou”, que só podemos acessar o passado de maneira indireta e de forma parcial por meio das fontes de informação filtradas por hipóteses e teorias bem embasadas. A História Antiga e mesmo a Pré-História não escapam desse horizonte. Procuramos, portanto, deixar isso bem claro no livro, a cada passo.
Começamos discutindo os conceitos de “Pré-História” e de “Brasil”, assim como as maneiras pelas quais podemos conhecer o passado bem distante e os estilos de vida mais antigos. Em seguida, passamos aos primeiros habitantes de nosso território, os paleoíndios, às diversas propostas de interpretação sobre quem eram, como chegaram aqui e de que forma ocuparam terreno, formuladas a partir de achados como Luzia, a serra da Capivara, entre outros, além de relevantes descobertas genéticas e linguísticas.
A crescente diversidade na ocupação humana é tratada sempre com base em evidências e interpretações explicitadas de modo a deixar claro para o leitor a complexidade do assunto que suscita diferentes pontos de vista. A agricultura e a cerâmica relacionam-se às diferenciações sociais nos grupos humanos. Assentamentos no interior e na costa são distintos. Diferentes ambientes geográficos relacionam-se a variadas estratégias de ocupação, estilos de vida e expressões simbólicas. “Paleoíndio” não é o mesmo que “ameríndio”. Chamamos de paleoíndios os primeiros habitantes do nosso continente, e de ameríndios os atuais indígenas e seus antepassados. Qual a diferença? Não sabemos se os paleoíndios são mesmo antepassados dos atuais ameríndios, há controvérsias.
Atenção: neste livro, usamos “AP” para datações no continente americano e antigas, e “a.C.” ou “d.C.” para as datações do Velho Mundo, desde a invenção da escrita, 5.000 anos atrás ou 3.000 a.C.
Convém dizer ainda que escrevemos este livro a partir da nossa experiência de formadores de licenciados e historiadores e, ao mesmo tempo, de arqueólogos estudiosos da Pré-História. Como arqueólogos, buscamos apresentar sítios arqueológicos, artefatos líticos e cerâmicos, pinturas e gravuras, a partir da sua especificidade e dos desafios inerentes ao seu estudo. Como professores, com atuação no ensino fundamental, médio e superior, compreendemos e procuramos adequar o texto às necessidades de docentes e alunos, buscando aliar clareza e profundidade. Ao final da obra, o leitor encontra sugestões de livros e outros materiais para se aprofundar no assunto. Ficaremos satisfeitos se quem nos lê sentir-se estimulado a prosseguir no estudo da Pré-História, a difundir o conhecimento da cultura milenar dos ameríndios e a fazer parte, como pesquisador (por que não?!), do futuro dessa História do Brasil anterior a Cabral. Reconhecer a humanidade de todas as culturas de modo a beneficiar todas as pessoas – que tal dedicar-se a esse projeto? Convite feito, comecemos nossa viagem!
Pedro Paulo Funari é professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade de São Paulo (USP), além de pesquisador associado de universidades do Brasil e do exterior. Pela Contexto, é autor de Grécia e Roma, Arqueologia, Pré-história do Brasil; coautor de A temática indígena na escola, História na sala de aula, História da cidadania, História das guerras, Fontes históricas e Novos combates pela História; e organizador das obras As religiões que o mundo esqueceu e Turismo e patrimônio cultural.
Francisco Silva Noelli é professor na Universidade Estadual de Maringá, doutorando pela Unicamp e mestre pela PUC-RS. Pela Contexto é autor do livro Pré-história do Brasil.