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Português Brasileiro e Português Europeu | Lançamento

O leitor certamente deverá ter se surpreendido ao se deparar com jabutis e tartarugas no título da apresentação de um livro sobre questões linguísticas. Alguns leitores também podem ter se lembrado da velha dúvida sobre a diferença entre jabutis e tartarugas. Outros podem ainda ter percebido que, mesmo depois de ficarmos sabendo da diferença, continuamos no mais das vezes chamando jabuti de tartaruga, dando mais relevância à semelhança que às diferenças entre eles. Vem daí a inspiração para a nossa discussão sobre português brasileiro e português europeu: são duas línguas distintas ou uma só?

A resposta para essa pergunta evidentemente depende do que se entende por língua. Esse vocábulo escorregadio pode, no entanto, abrigar inúmeras acepções e não é nosso intuito aqui fazer um cotejo entre as várias concepções de língua e as correspondentes respostas para a pergunta acima. Nosso objetivo neste livro é mais pontual: sistematizar semelhanças e diferenças entre o português brasileiro e o português europeu no que diz respeito às suas propriedades sintáticas. Do mesmo modo que a semelhança entre jabutis e tartarugas permite que se possa agrupá-los abstratamente como quelônios, diferenciando- os de outros répteis, e até informalmente usar o nome de um para designar ambos, o português brasileiro e o português europeu compartilham propriedades que os distinguem de outros sistemas linguísticos e podem, em conjunto, ser abstratamente (e informalmente) designadas de português. Por outro lado, da mesma forma que as diferenças sistemáticas entre dois grupos de quelônios levam à subdivisão entre jabutis e tartarugas, a comparação detalhada entre português brasileiro e português europeu revela que há suficientes diferenças sistemáticas para que se distinga brasileiro de europeu.

Português Brasileiro e Português Europeu | Lançamento
Leia um trecho da obra em nosso site (clique aqui)

Partindo dessa analogia, este livro faz uma comparação detalhada entre a sintaxe do português brasileiro e a sintaxe do português europeu, salientando pontos em que as duas variedades se comportam como quelônios e pontos em que se comportam como jabutis e tartarugas. O livro consiste na tradução para o português do livro The Syntax of Portuguese (Cambridge University Press), de nossa autoria.1 A tradução foi adaptada tomando como leitores potenciais, falantes nativos interessados em questões de linguagem (mas não necessariamente especialistas). Assim, o livro procura não “chover no molhado”, deixando de lado a descrição de fatos que são do conhecimento dos falantes nativos, e faz uso bastante parcimonioso (e com as devidas explicações) de termos técnicos que não são familiares a não especialistas. Além disso, na medida em que procura caracterizar de modo não prescritivo a estrutura que subjaz ao conhecimento de um falante nativo (de português brasileiro ou de português europeu), o livro abre espaço não só para uma discussão acadêmica das propriedades sintáticas abordadas, mas também para debates sobre o ensino de português (mais especificamente, sobre o conteúdo de sintaxe) nas escolas. Como o leitor poderá constatar, o livro põe por terra alguns dos mitos mais disseminados sobre as variedades do português, como a ideia de que o português brasileiro não segue regras, ou ainda a ideia platônica (presente nos livros didáticos de cunho prescritivo) de que a vertente “culta” do português brasileiro equivale ao que se imagina que seja o português europeu (considerado a variedade “correta”).

Reza a lenda que Sérgio Buarque de Holanda certa vez encontrou seu clássico Raízes do Brasil em meio a livros sobre ervas medicinais brasileiras. Para não correr semelhante risco e desagradar um biólogo encontrando um livro de sintaxe entre volumes sobre quelônios, não incluímos jabutis e tartarugas no título deste livro. Fica, no entanto, o convite para que o leitor embarque nessa analogia e venha examinar as facetas jabutianas e tartarugueanas do português. Boa leitura!


Mary A. Kato Professora Titular aposentada da Universidade Estadual de Campinas. Coorganizadora (com Ian Roberts) de Português brasileiro: Uma viagem diacrônica (1993, Editora da UNICAMP; 2017, Contexto), coorganizadora (com Esmeralda Negrão) de Brazilian Portuguese and the Null Subject Parameter (2000, Vervuert), coorganizadora (com Francisco Ordóñez) de The Morphosyntax of Portuguese and Spanish in Latin America (2016, Oxford University Press), coorganizadora (com Charlotte Galves e Ian Roberts) de Português brasileiro: Uma segunda viagem diacrônica (2019, Editora da UNICAMP) e coautora (com Ana Maria Martins e Jairo Nunes) de The Syntax of Portuguese (no prelo, Cambridge University Press)

Ana Maria Martins Professora Catedrática, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Centro de Linguística. Autora de Documentos do Noroeste e da Região de Lisboa. Da produção primitiva ao século XVI (2001, Imprensa Nacional – Casa da Moeda), coorganizadora (com Ernestina Carrilho) de Manual de Linguística Portuguesa (2016, DeGruyter), coorganizadora (com Adriana Cardoso) de Word Order Change (2018, Oxford University Press),  coautora (com Mary A. Kato e Jairo Nunes) de The Syntax of Portuguese (no prelo, Cambridge University Press), coeditora do periódico Estudos de Lingüística Galega e coordenadora do CORDIAL-SIN (Corpus Dialetal para o Estudo da Sintaxe, Centro de Linguística da Universidade de Lisboa).

Jairo Nunes Professor Titular da Universidade de São Paulo. Autor de Linearization of Chains and Sideward Movement (2004, MIT Press), coautor (com Norbert Hornstein e Kleanthes K. Grohman) de Understanding Minimalism (2005, Cambridge University Press), coorganizador (com Norbert Corver) de The Copy Theory of Movement (2007, John Benjamins), organizador de Minimalist Essays on Brazilian Portuguese Syntax (2009, John Benjamins), coautor (com Cedric Boeckx e Norbert Hornstein) de Control as Movement (2010, Cambridge University Press), coautor (com Mary A. Kato e Ana Maria Martins) de The Syntax of Portuguese (no prelo, Cambridge University Press) e coeditor do periódico Probus (De Gruyter).

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