O mês de junho parecia animador para o jovem Pedro. Afinal, ele havia conseguido um emprego como Técnico em Química, profissão que herdou do pai, mais por experiência do que por diploma, que só veio depois. “Curso Técnico, é o que temos para o momento” – pensava. Nada que se identificasse com seu projeto de vida, mas ele precisava trabalhar. E trabalharia. Mantendo sempre o senso de autodireção, expresso através de olhos profundos.
No primeiro dia, Pedro teve uma boa impressão do lugar onde ia passar boa parte do seu tempo, convivendo e produzindo soluções.
Fazia frio. Da Recepção até as dependências internas, a decoração exibia elementos engajados no esforço de trazer para dentro da empresa o melhor clima das festas juninas. A ideia era envolver o pessoal. Por todo lado havia bandeirinhas coloridas, chapéus de palha e até algumas pessoas reproduzindo o sotaque emprestado do universo caipira.
Também no primeiro dia, deixando de lado qualquer sinal corriqueiro de distração, algo o fez refletir longamente sobre algumas questões que dizem respeito ao às vezes confuso comportamento humano. No entanto, manteve a postura que o momento exigia.
Pedro foi chamado para uma conversa pelo superior imediato, um homem de corpo esquelético, gestos calculados e rosto pesado.
– Para evitar excesso de proximidade, aqui todos se chamam pelo sobrenome, certo? É a regra – disse.
– Pois não, vou prestar atenção – disse, ajeitando o cabelo feito de cachos bem comportados.
– Por falar nisso, como é mesmo seu nome completo? – disse o chefe.
– Pedro Paixão – respondeu, coçando novamente o queixo.
– Está bom, Pedro, era só isso, pode ir – o chefe encerrou a brevíssima conversa.
Como se não bastasse, no segundo episódio da série, Pedro deu de cara com algo que o surpreendeu. Aqui e ali, nas salas e nos corredores, nas conversas virtuais, sempre recebia o nome de Colaborador. Era tempo de festa junina. E também nos estratégicos desafios propostos pelo Correio Elegante do Feedback, Pescaria, concurso do Prato Mais Caipira, em tudo Pedro era sempre o mesmo: um colaborador.
“Colaborador…” – pensou – “Não sei por que, mas acabei de me lembrar de que o senhor Adolph Hitler fez o trabalho sujo com a ajuda de… colaboradores! Eu, hein?!”
Quando ia para a empresa, Pedro deixava solta a fantasia. Gostava de trabalhos manuais. Era caprichoso, alguns diriam perfeccionista, sobretudo aqueles que apostam no “mais ou menos já está ótimo”.
Imaginava-se fabricando sapatos diferenciados. Talvez as primeiras imagens, agora melhoradas, tivessem sido colhidas da minúscula sapataria aonde trabalhara durante a infância.
Pensava no passo a passo para produzir um calçado masculino com materiais alternativos e sustentáveis. Mas logo se dava conta de que não dispunha de recursos, espaço e equipamentos para cortar o couro, colar, pregar, deixar pronto um sapato que, além de bonito, devia ser confortável.
– Desculpe, esse pacote é seu, eu acho – disse alguém que vinha atrás dele na calçada.
– Obrigado, eu estava distraído, longe, nem me dei conta – respondeu.
Por pouco não provocou uma situação de perda irreparável para ele e seu estômago do meio-dia.
Pensou melhor, reavaliou sua determinação, e interrogou a si mesmo sobre como poderia usar no trabalho profissional todo o interesse que dava suporte ao sonho nascido na adolescência e agora tornado adulto. Não havia espaço para isso. Apenas era possível empregar a vaga ideia de ser determinado, mas sem nada que sugerisse ousadia.
Fez a experiência. Empenhou-se em investir o melhor das suas energias. Aumentou a dose de esforço, mas aquele certamente não era o seu mundo. Consumia, então, o dobro de combustível físico e mental para produzir o mesmo resultado que os colegas conseguiam investindo a metade de empenho. “Se estivesse fabricando sapatos, tudo seria diferente” – pensava.
Ufa! Sexta-feira. […….] Chegou a hora do almoço. […….] Começou o segundo período. […….] Metade do segundo período. […….] Dois terços do segundo período. […….] Final da tarde de sexta-feira e não tem hora extra. […….] Hora da saída da empresa. […….] Chegada do elevador. Elevador descendo. Térreo. Porta do elevador que se abre. Passos determinados. A calçada é a glória. Rápido!
Seus pés revelavam um calçado sem pretensões, bem diferente daqueles da sua fantasia, bonitos e de altíssima qualidade. “É o que temos para o momento” – refletiu.
Rubens Marchioni é Youtuber, palestrante, produtor de conteúdo e escritor. Autor de livros como A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected]. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao