Fechar

Operação Brasil: o ataque alemão que mudou o curso da Segunda Guerra Mundial

Agosto de 1942: o Brasil declara guerra ao Eixo. O estopim: o ataque a vários navios mercantes e de passageiros brasileiros no litoral do Nordeste por uma ofensiva naval nazista, provocando a morte de centenas de inocentes. Por que os nazistas afundaram navios desarmados de um país até então não envolvido na guerra? Qual era o objetivo do governo comandado por Hitler?

Operação Brasil revela a origem dos eventos que culminaram com esse ataque e levaram nosso país a entrar na Segunda Guerra Mundial. A obra traz aspectos até agora inexplorados da ação militar que não só mudou os destinos do país, mas também alterou os rumos do conflito a favor dos Aliados.

Além de uma narrativa fascinante, que mantém o leitor preso até o final, o livro apresenta documentos importantes, relatos de sobreviventes e testemunhos de civis, militares, funcionários do setor diplomático e do alto escalão do Estado (brasileiros, alemães e norte-americanos).
Leitura necessária.

INTRODUÇÃO

Nós não devemos parar de explorar e, ao final da nossa exploração,
chegaremos ao ponto de partida, e conheceremos o local pela primeira vez.
– T. S. Eliot, Four Quartets

A ofensiva naval nazista contra os portos e a navegação brasileira é o ponto central desta obra, que entrelaça a História do Brasil com a da Segunda Guerra Mundial, revelando alguns episódios notáveis ocorridos durante a Era Vargas (1930-1945), em um período decisivo da vida nacional.

Da Proclamação da República até os dias atuais, jamais a soberania e a integridade territorial do Estado brasileiro estiveram tão ameaçadas quanto durante a primeira gestão do político gaúcho, quando os antagonismos internos que acompanharam a República desde o seu nascedouro somaram-se às ingerências de várias potências estrangeiras e aos problemas que surgiram com o início das hostilidades em 1939.

operacao_3dClique na capa para saber mais sobre o livro

Poucos eventos receberam tamanha atenção da literatura internacional quanto a Segunda Guerra Mundial. O maior conflito da história da humanidade modificou os rumos da civilização como nenhum outro. O drama vivenciado por milhões de pessoas, civis e militares, inspirou milhares de obras escritas em dezenas de idiomas. Por isso, nos países Aliados que participaram das ações de combate, a trajetória dos seus exércitos costuma ocupar lugar de destaque na memória nacional. Todavia, há um verdadeiro contraste entre o valor da participação do Brasil no conflito – com as profundas e duradouras consequências da guerra para o destino do país – e o espaço reservado ao tema na historiografia brasileira, que praticamente excluiu dos manuais didáticos a ação dos seus soldados contra os inimigos estrangeiros.

Embora a participação bélica do Brasil no cenário mundial tenha sido relativamente modesta, se comparada à das grandes potências, ela foi um divisor de águas na história da Nação. Sob o ponto de vista econômico, nem mesmo a Proclamação da Independência ou a da República produziram consequências tão determinantes para o futuro brasileiro quanto a declaração de guerra ao Eixo. Porém, nem sequer consta dos currículos escolares a campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália. Mesmo nos cursos de História, a epopeia dos pracinhas raramente é apresentada aos estudantes de forma detalhada e livre de deformações de cunho ideológico.

O verdadeiro papel do Brasil na guerra, bem como os desafios e as ameaças que seus governantes tiveram de enfrentar nos anos 1930 e 1940, foi ignorado por um modelo interpretativo acostumado a subordinar a narrativa do evento ao processo histórico – e não o contrário. A descrição desse período conturbado da história brasileira foi costumeiramente ditada por esquemas predeterminados, em vez de ser embasada em estudos aprofundados.

Operação Brasil revela a origem dos eventos que levaram o Brasil a participar do conflito, trazendo à luz pormenores inexplorados da ação militar que não só mudou o destino do país, mas também – surpreendentemente – fez pender o fiel da balança da Segunda Guerra Mundial a favor dos Aliados.

Para contar essa história, foi empreendida uma busca em alguns dos principais arquivos oficiais da Alemanha (o Arquivo Federal – Bundesarchiv), do Brasil (o Centro de Documentação da Marinha, o Arquivo Histórico do Exército, a Fundação Biblioteca Nacional e a Fundação Getúlio Vargas) e dos EUA (o U.S. Army Center of Military History, o Naval History & Heritage Command, a U.S. Air Force Historical Research Agency, o National Archives & Records Administration e a Franklin D. Roosevelt Presidential Library), entre outros.

Com base nessa pesquisa, foram consultadas inúmeras fontes primárias e oficiais no Brasil e no exterior, com destaque para os planos elaborados pela Kriegsmarine (a Marinha de Guerra alemã entre 1935 e 1945), o diário de guerra do comandante em chefe da Força de Submarinos, o diário de guerra do submarino alemão U-507, a História Naval Brasileira, a História do Exército Brasileiro, a História da Força Aérea Brasileira, a coleção de livros do Centro de História Militar do Exército dos EUA (os Green Books), os diários de guerra da Marinha dos EUA e parte substancial da correspondência diplomática das embaixadas alemã e norte-americana no Rio de Janeiro.

No campo biográfico, foi analisada uma série de publicações que trazem as memórias, biografias e diários pessoais de alguns dos protagonistas brasileiros e estrangeiros durante o conflito: Getúlio Vargas, Dutra, Góes Monteiro, Oswaldo Aranha, Churchill, Dönitz, Montgomery e Rommel.

A menção de novas descobertas sobre um tema tão antigo e devassado pelos historiadores pode gerar desconfiança no leitor com o senso crítico apurado. De fato, há razões de sobra para a precaução em face do rico folclore conspiratório que permeia a guerra submarina. Tornou-se frequente o surgimento de opiniões discordando da versão oficial sobre a morte de Adolf Hitler. Alguns autores afirmam que o líder alemão e Eva Braun sobreviveram ao conflito, chegando escondidos à Argentina em um submarino. O casal teria vivido tranquilamente no país austral com o salvo-conduto dos Aliados, aproveitando uma espécie de pacote turístico que incluiria passeios pelo Brasil, com a conivência de Perón e Vargas, em troca dos “segredos das armas secretas nazistas” – como se os vitoriosos líderes Aliados necessitassem dos préstimos do batido ditador alemão.

A tendência à formulação de teorias inovadoras sobre a guerra é um fenômeno provocado pela cada vez mais influente cultura de massa, que direciona um sem-número de obras para o universo da fantasia. Essa tendência é potencializada pelo relativismo contemporâneo, hábil na negação de verdades, conceitos e valores, inspirando a elaboração de teorias conspiratórias sem qualquer base documental. De acordo com a abordagem relativista, não seria possível conhecer o passado como ele realmente foi, pois não existiria uma verdade histórica. Assim, cada autor estaria apto a construir a sua própria versão dos fatos – por mais esdrúxula que ela fosse –, não importando o seu grau de capacitação ou a profundidade da pesquisa realizada. Juntos, o apelo sensacionalista e o ideário relativista fertilizaram o campo da História, fazendo germinar inúmeras versões equivocadas que predominam na historiografia contemporânea.

Com relação à Segunda Guerra Mundial, o afundamento do cruzador Bahia, em 1945, é um exemplo clássico. Ainda que os testemunhos dos sobreviventes do navio atestem que o cruzador foi a pique acidentalmente durante um exercício de tiro, obras recentes afirmam que o navio brasileiro teria sido afundado por um submarino alemão.

Embora o III Reich mal tenha conseguido fincar os pés no litoral africano do Mediterrâneo, artigos na rede mundial de computadores apontam a existência de bases secretas nazistas em operação na Patagônia, no Planalto Central brasileiro e em outros locais remotos do planeta. Versões mais arrojadas afirmam que, ao final da guerra, frotas de submarinos partiram dos portos alemães para instalarem o IV Reich no subterrâneo da Antártida. Lá, hoje, estariam sendo desenvolvidas experiências tecnológicas avançadas, envolvendo o controle da mente, viagens interdimensionais e a construção de óvnis. De acordo com essas teorias, os Aliados desistiram de combater a colônia nazista na Antártida, pois os alemães recebiam a proteção militar de alienígenas. Usando a retórica relativista, seus autores responderam aos críticos invertendo a responsabilidade pelo ônus da prova. Segundo eles, os céticos é quem deveriam provar a falsidade das teorias fantásticas.

Se o prezado leitor for simpático a presunções mirabolantes, cabe um alerta: Operação Brasil desperdiçará o seu precioso tempo. Todavia, se estiver disposto a acompanhar a construção das assertivas da obra – alicerçadas em fontes oficiais e no trabalho de autores renomados –, tenha uma certeza: não irá se decepcionar. Talvez as propostas deste livro sejam pouco atraentes ao aficionado pelos discos voadores nazistas ou ao curioso em saber o paradeiro secreto de Adolf Hitler. Contudo, elas irão despertar – assim esperamos – o vivo interesse dos entusiastas do estudo da História do Brasil na Segunda Guerra Mundial.

*

Como oficial da Força Terrestre, jamais imaginei escrever um livro sobre a guerra no mar. O objetivo inicial era narrar a campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália segundo os depoimentos dos seus veteranos, gravados há anos para a produção de um documentário. Todavia, foi preciso modificar os planos. Em face do aprofundamento dos estudos sobre o tema, logo verifiquei que a análise da trajetória dos pracinhas estava vinculada à investigação prévia dos eventos que levaram os brasileiros ao conflito. Era necessário palmilhar, antes, o tortuoso caminho que estabeleceu as alianças política, econômica, diplomática e militar entre os governos e os exércitos do Brasil e dos Estados Unidos, bem como a espiral crescente de atritos entre brasileiros e alemães durante o Estado Novo.

No ensejo de criar uma obra original, evitei aceitar como autêntico o ideário vigente na historiografia, sem primeiro confirmá-lo em fontes primárias ou, se preciso fosse, nos trabalhos dos autores de reconhecida competência. Para viabilizar essa decisão, foi preciso empreender uma tarefa desafiadora: acessar os dados oficiais do conflito em diferentes bibliotecas e arquivos governamentais no Brasil e em vários países estrangeiros. Conciliar a pesquisa com as obrigações profissionais diárias representou um desafio à parte, superado apenas com o inevitável avanço nas horas de descanso e lazer. Todavia, o esforço logo se revelou compensador, produzindo bons frutos, que terminaram por mudar os rumos do trabalho. Quando tive em mãos as cópias de uma série de documentos garimpados no Bundesarchiv (Arquivo Federal alemão), percebi, de imediato, que o material merecia um trabalho à parte. Nasceu ali o projeto de produção deste livro.

Há justificativas de sobra para a empreitada, tanto pela sua originalidade quanto pela importância do fato histórico em questão. Jamais fora publicada uma obra esmiuçando o maior ataque planejado pela Alemanha nazista contra uma nação das Américas: a Operation Brasilien. Da mesma forma, a História recente brasileira não registra uma ação causada pelo homem que supere a carnificina ocorrida no litoral nordestino em agosto de 1942. Em época de paz, nunca tantos brasileiros foram assassinados em tão pouco tempo. Contudo, apesar da sua magnitude e dos seus desdobramentos, há mais de 70 anos a origem dos eventos causadores da declaração de guerra brasileira ao Eixo vem sendo descrita de forma equivocada até pelas mais respeitadas fontes nacionais e estrangeiras. Surpreendentemente, a pesquisa sobre a ofensiva naval contra o Brasil também possibilitou a descoberta de alguns tesouros, trazendo à luz eventos capitais para vitória Aliada – desconhecidos da historiografia militar.

Capturados quase intactos após a guerra, os arquivos da Armada alemã foram cruzados com os registros do Comando Aliado, gerando uma produção literária de alta qualidade sobre a Batalha do Atlântico. De forma compreensível, os autores norte-americanos e europeus reproduziram, em detalhes, os incidentes ocorridos no Atlântico Norte, abordando apenas superficialmente os do Atlântico Sul. Assim, muito pouco foi escrito sobre as operações navais do Eixo abaixo da linha do Equador. Por sua vez, a literatura brasileira foi pródiga na descrição dos percalços da sua Marinha Mercante e de Passageiros, além das ações de combate da Armada e da Aeronáutica, mas faltou-lhe a abordagem multilateral das operações militares, deixando uma lacuna aberta entre as duas vertentes temáticas. Operação Brasil visa preencher esse hiato, conjugando as virtudes das literaturas nacional e internacional.

Dentre os vários estilos de abordagem possíveis, escolhi como referência uma obra clássica da historiografia militar: o livro O outro lado da colina (The other side of the hill), de sir Basil Henry Liddell Hart. O historiador inglês entrevistou os generais alemães aprisionados em 1945, logo após o término das hostilidades, captando as suas lembranças intactas, antes que fossem inevitavelmente deformadas no pós-guerra. Liddell Hart procurou entrar na mente do inimigo, descrevendo suas intenções da forma mais genuína possível. Obviamente, hoje, é impossível colher os testemunhos dos protagonistas da ofensiva naval contra o Brasil. Contudo, as ações de combate no litoral do Nordeste foram transcritas minuciosamente nos diários de guerra alemães e norte-americanos, permitindo a interpretação das ordens que as motivaram e as conduziram. De posse desse conjunto de informações, foi possível reconstituir com fidelidade um período crítico da Segunda Guerra Mundial, utilizando uma narrativa extremamente rara: a agressão militar contra o Brasil vista, simultaneamente, pelos olhos de alemães, brasileiros e norte-americanos.

**

Durval Lourenço Pereira é tenente-coronel R/1 do Exército Brasileiro. Bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras, é mestre em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Foi assessor militar do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e é membro da Academia Campineira de Letras, Ciências e Artes das Forças Armadas. Em 2007, produziu e dirigiu o documentário O “Lapa Azul”: os homens do III Batalhão do 11º Regimento de Infantaria na II GM, exibido e distribuído pelo The History Channel, A&E Mundo e RT (Russian Television) para a Europa, Américas e Ásia.

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.