Encontro de especialistas em gerociência enfatizou a importância da prevenção antes do declínio funcional
Acompanhei algumas palestras da nona edição do Aging Research & Drug Discovery (ARDD), que reuniu especialistas da gerociência e da medicina da longevidade em Copenhague, entre 29 de agosto e 2 de setembro. São médicos e cientistas que estudam o envelhecimento e pesquisam intervenções que possam retardar ou evitar esse processo. A que me mais me chamou a atenção foi a do geriatra James Kirkland, diretor do Centro de Envelhecimento Robert and Arlene Kogod, da Clínica Mayo, que afirmou: “nunca ouvi um paciente meu dizer que seu objetivo é viver até os 120 anos. O que todos querem é ser saudáveis, não sentir dor, se ver livres de doenças”.
Trata-se do cerne da questão do grupo de pesquisadores: não buscar a “vida eterna”, e sim garantir o envelhecimento ativo. Para Kirkland, substâncias como senolíticos e a metformina têm esse potencial, mas ele acredita em outras opções: “a estratégia que está mais próxima é a do desenvolvimento de algo equivalente a um antibiótico de amplo espectro, em vez de drogas que atuem numa única molécula ou doença”.
Na sua opinião, é preciso avançar no diagnóstico através de testes não invasivos (como os de saliva), que sejam confiáveis e também baratos, para serem feitos em grande escala. O objetivo é dispor de dados capazes de predizer incidentes ou a progressão de uma enfermidade, facilitando a escolha da melhor abordagem. Como médico e PhD em microbiologia, alerta que o trabalho dos cientistas nem sempre é compreendido:
“Cientistas e geriatras às vezes se colocam em campos opostos. Há muitos mal-entendidos, como se, dentro dos laboratórios, o propósito fosse erradicar a velhice. A saída seria termos mais gente no campo da ciência. Não podemos ir a Marte sem entender como intervir no processo do envelhecimento”.
Kirkland participa do projeto Axiom Space, que estuda como a falta de gravidade leva as células humanas à senescência, isto é, à velhice. Por exemplo, a atrofia muscular é de aproximadamente 5% por mês no espaço. Há outros efeitos adversos que os astronautas sofrem, no esqueleto e no sistema cardiovascular, além de falta de equilíbrio, diminuição da produção de hemácias e alterações no sistema imunológico. Para resumir: descobrir como deter o envelhecimento será crucial para a conquista do espaço!
Andrea Maier, professora de geriatria na University of Melbourne (Austrália) e na Vrije Universiteit (Holanda), foi enfática ao defender a necessidade de medidas preventivas bem antes da marca dos 60 anos, quando o declínio funcional se acelera:
“Na verdade, o declínio começa aos 30 e estamos desprezando a janela da faixa dos 40 anos. A pergunta que precisamos fazer é: ‘você está na melhor forma que poderia?’. Afinal, sempre temos algo a ganhar. A medicina da longevidade tem que estar no atendimento primário da saúde”.
É a mesma argumentação de Felipe Sierra, diretor científico da Fundação Hevolution, criada pela família real saudita e cujo orçamento é de 1 bilhão de dólares anuais: “temos que pôr a saúde na frente, não a doença, diferentemente do que apregoa a medicina tradicional. Isso significa adotar hábitos que nos mantenham saudáveis. A queda da resiliência do organismo, ou seja, da sua capacidade de regeneração, começa a se manifestar a partir dos 30 anos”.
Fonte: Longevidade modo de usar, por Mariza Tavares
Mariza Tavares é jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense. Fez mestrado em comunicação na UFRJ e MBA em gestão de negócios no Ibmec. Desde 2016, mantém o blog “Longevidade: modo de usar”, no portal G1, e também participa do conselho editorial da Agência Lupa, especializada em fact-checking. Foi diretora-executiva da Rádio CBN entre 2002 e 2016, onde criou o programa “50 Mais CBN”, do qual participava com o médico Alexandre Kalache e a jornalista Mara Luquet, e, antes disso, editora-executiva do jornal O Globo e repórter da revista Veja. É autora de seis livros infantis e de duas coletâneas de poemas. Publicou também pela Editora Contexto Longevidade no cotidiano.