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O Futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país

Por Marcos Guterman*, na introdução do livro “O Futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país

O futebol é o maior fenômeno social do Brasil. Representa a identidade nacional e também consegue dar significado aos desejos de potência da maioria absoluta dos brasileiros. Essa relação, de tão forte, é vista como parte da própria natureza do país – as explicações para o fenômeno geralmente vão mais na direção da Antropologia que da História. O que este livro mostra é que o futebol, pelo contrário, não é um mundo à parte, não é uma espécie de “Brasil paralelo”. É pura construção histórica, gerado como parte indissociável dos desdobramentos da vida política e econômica do Brasil. O futebol, se lido corretamente, consegue explicar o Brasil.

O esporte aparece primeiro como atividade da elite, importado e jogado por estrangeiros aristocráticos ou ligados aos investidores europeus que exploraram as oportunidades abertas pelo desenvolvimento do país no final do século xix. Negros e operários só teriam vez ou nos campos de várzea ou quando passaram a ser decisivos para que os times de brancos ricos ganhassem títulos.

CAPA FUTEBOL EXPLICA_WEBOs muros erguidos em torno do futebol não resistiram à formação das metrópoles brasileiras. Foram demolidos pela massa de trabalhadores que encontrou nesse esporte a essência democrática que lhe era negada em todas as outras áreas. A profissionalização do futebol foi uma consequência óbvia disso – as competições começaram a atrair grande público, e os melhores jogadores passaram a ser disputados e remunerados por clubes cada vez mais interessados em competir para vencer. O futebol deixava de ser dândi e blasé.

Com a massificação, o futebol passou a ter também importância política. Sua capacidade de mobilização logo se impôs como elemento muitas vezes decisivo para definir o humor de um eleitorado crescentemente menos controlável. O mundo do poder político e ideológico também se reproduziu dentro dos campos de futebol – a Copa do Mundo da Itália, no auge do fascismo, em 1934, é talvez o melhor símbolo disso.

Quando se tornou global, o futebol passou rapidamente a ser o campo das disputas por hegemonia planetária. Ter o “melhor futebol do mundo” virou uma obsessão brasileira, perseguida como um projeto de afirmação nacional. A realização da Copa de 1950 no Brasil traduziu esse sonho, mas a força da ideia ficaria mais clara na Copa de 1970, quando a Ditadura Militar transformaria cada vitória brasileira em sintoma das nossas imensas possibilidades.

Mais tarde, porém, em meio a crises econômicas e à bagunça administrativa, o futebol brasileiro se transformou em exportador de craques no final dos anos 1980 – a chamada “década perdida”. O fenômeno coincidiu com a “desnacionalização” do futebol por meio da formação de times europeus a partir da colheita de atletas de todas as partes do mundo. A globalização entrou em campo e exigiu como premissa a descaracterização do elemento nacional. Para ver seus melhores jogadores em campo, os brasileiros não precisavam mais ir ao estádio. Bastava ligar a tv e assistir a qualquer campeonato da Europa. A seleção brasileira se transformaria, a partir dos anos 1990, em seleção “estrangeira”.

Mas a vitória brasileira na Copa de 2002, com a conquista do pentacampeonato, mostrou que ainda existia um “primus inter pares” no futebol, isto é, mesmo com toda a pasteurização das táticas e técnicas e a pulverização das fronteiras culturais, restava algo que ainda fazia o Brasil “superior entre os iguais”. O triunfo no Mundial disputado na Coreia e no Japão, simbolizado por um Cafu orgulhoso de sua origem social miserável, coincidiu com um momento de transformação do país, em que a afirmação nacional, ainda que tímida diante dos desafios, somou-se à maturidade da democracia brasileira e à promessa do resgate de séculos de dívida social.

Este livro, portanto, é otimista. Eu o escrevi por acreditar que, tanto no futebol como na vida brasileira, mesmo um time mais fraco é capaz de vencer.

*Marcos Guterman é jornalista profissional e desde 2006 trabalha no jornal O Estado de S. Paulo. Também é historiador, graduado e pós-graduado pela PUC-SP. Atualmente é doutorando em História Social na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

 

 

 

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