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Nossas Falhas de Raciocínio, novo livro | André C. R. Martins

Nós, humanos, sempre nos consideramos animais racionais. Nós somos capazes de perceber o mundo ao nosso redor, aprender com o que vemos e com o exemplo dos demais. Também trocamos informações, tornando nosso aprendizado ainda mais eficiente. Pensamos, escolhemos as respostas que nos parecem melhores, investigamos as opções que temos e tomamos decisões. E temos orgulho de fazer isso melhor do que qualquer outra espécie. Afinal, basta verificar o que já conseguimos realizar, como somos capazes de nos proteger, nos alimentar, curar doenças, ir a qualquer lugar na superfície de nosso planeta e até mesmo enviar sondas até outros mundos. A conclusão parece óbvia. Somos inteligentes, racionais, criativos, seres com conhecimentos e habilidades, capazes de ciência e arte como nenhuma espécie que já observamos. Por muito tempo, de fato, acreditamos que seríamos uma categoria à parte, separados dos demais seres vivos por um profundo poço criado por nossa inteligência. Aprendemos, aos poucos, que somos animais sujeitos à evolução, como todos os seres vivos. E que nossas emoções estão além do nosso controle; ao contrário, muitas vezes elas nos dominam, interferindo com nossas habilidades racionais. Mas, até pouco tempo atrás, costumávamos confiar nessas habilidades racionais. Confiamos que sabemos pensar corretamente e acreditamos nas conclusões que obtemos usando as habilidades naturais de nossos cérebros.

Nossas Falhas de Raciocínio, novo livro | André C. R. Martins

E, no entanto, se observarmos a situação atual do debate público, a primeira impressão que obtemos de nossas habilidades de raciocínio, como espécie, não é nem de longe tão positiva. Observamos polarizações e inabilidade de discutir com pessoas que pensam diferentes. Vemos gente acreditando em ideias que há muito sabemos erradas, como o formato do planeta. Qual é o formato do planeta? é uma pergunta válida se alguém tem curiosidade, mas pouca informação. No entanto, já avançamos muito além disso e é triste observar como nosso sistema educacional tem falhado de forma tão grave. Além disso, em praticamente todos os debates que presenciamos, vemos que cada um dos lados parece ter certeza do que está dizendo. O que quer dizer que ao menos um dos lados, possivelmente todos, tem muito mais certeza sobre o que está dizendo do que deveria. Visto dessa forma, parece que confiamos em nossas habilidades intelectuais muito mais do que deveríamos. E, ainda que exista má-fé e desejo de aparecer por parte de muitos debatedores e defensores de alguns lados, esses problemas não explicam todos os nossos erros.

De fato, experimentos de laboratório com perguntas relativamente fáceis mostram que há várias situações em que comumente erramos. Respondemos bem problemas fáceis de lógica quando eles aparecem em situações a que estamos acostumados, mas falhamos no mesmo tipo de questão quando essa envolve elementos estranhos ao nosso dia a dia. Procuramos respostas rápidas, mesmo que erradas, e confiamos em nossas habilidades de raciocínio muito mais do que deveríamos. E nosso excesso de confiança acontece naturalmente tanto entre leigos quanto entre profissionais. Sem ferramentas para avaliar o quanto realmente sabemos, o que os pesquisadores observaram foi que, em várias situações em que erramos muito, tendemos a achar que somos muito mais competentes do que realmente somos. Por vezes, temos certeza de nossas conclusões mesmo quando estamos completamente errados. Além disso, somos péssimos em determinar em quem devemos confiar. Confiamos em pessoas que concordam conosco, apenas tornando o problema de nosso excesso de confiança ainda pior. Escolhemos nossos grupos e, quando se trata de debater assuntos em que há alguma controvérsia, nos fechamos nesses grupos e ficamos mais interessados em defender nossos pontos de vista do que em estar certos. Isso tudo é algo que sabemos que acontece, é fácil observar que outras pessoas se comportam assim. Mas, em geral, percebemos esses problemas apenas nas pessoas que discordam de nós. A lição de que eu sou assim, de que você é assim, essa é uma lição difícil de aceitar.

Mas precisamos aceitar e aprender como raciocinar melhor. Eu mostro em Nossas Falhas de Raciocínio que, ainda que nossos cérebros sejam capazes de fazer um bom trabalho, há muitas circunstâncias em que estamos mais preocupados em pertencer ao nosso grupo do que encontrar as melhores respostas. Precisamos de ferramentas para nos ajudar, mas isso não é diferente de qualquer outra atividade. Pensemos em nossas pernas. Elas nos levam a muitos lugares e são excelentes formas de transporte para pequenas distâncias. Mas, se quisermos fazer uma viagem longa, temos ferramentas muito melhores, como carros e aviões. Se tentássemos caminhar de São Paulo até o Rio de Janeiro sem nenhuma das ferramentas que já criamos como espécie, sem carros, nem estradas, atravessando o mato, poderíamos levar meses, correndo grandes riscos no caminho. Com todos os nossos avanços, podemos chegar em poucas horas. E ninguém se sente diminuído porque nossas pernas não conseguem fazer essa viagem, mesmo usando estradas e caminhos já construídos, em menos do que alguns dias. Carros e aviões são mais rápidos. Não faria sentido esperar que pessoas e mercadorias fossem transportadas usando apenas a força de nossos próprios corpos.

Não é diferente com nosso raciocínio. Pensamos com certa competência. Mas podemos melhorar se aprendermos raciocínio lógico e como procurar fontes de informações confiáveis, mas que discordem de nossos pontos de vista. Em situações afastadas de nossa vida diária, nossos cérebros podem dar palpites, mas falham ao tentar descobrir o que está provavelmente certo e o que está errado. Mais do que isso, nós tendemos a interpretar os mesmos dados de forma diferente, dependendo de quais ideias queremos apoiar. E, por vezes, ser mais inteligente apenas piora o problema, permitindo que distorçamos de forma mais competente as informações que recebemos. Para consertar isso, precisamos de ferramentas que podem ser verificadas, que sejam confiáveis e levem às mesmas conclusões, não importa quem as use. Ferramentas como probabilidade, estatística, metodologia científica. Da mesma forma que, em outras áreas, temos aprimorado nossas ferramentas reais, de martelos a equipamentos médicos, por milênios, temos também avançado continuamente no aprendizado de como corrigir os erros em nossas conclusões. Aprendemos que nossas certezas falham e devem ser evitadas. Que fazer ciência não é sobre defender que estamos certos, mas sobre procurar onde estamos errados e ver o que sobra. E que precisamos de ferramentas matemáticas, e precisamos continuar a melhorá-las, porque elas são mais confiáveis que nosso raciocínio natural.

Essa é uma longa conversa, há muito o que aprender e várias surpresas. Se você quer aprender como falhamos e quais ferramentas podem nos ajudar a ir mais longe, Nossas Falhas de Raciocínio traz os elementos básicos para um sólido começo na sua jornada por respostas mais corretas. Ou menos erradas.


André C. R. Martins é professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH  USP) desde 2005. Coordenou a criação da primeira pós-graduação da EACH, o mestrado em Modelagem de Sistemas Complexos. Físico de formação, é pesquisador nas áreas de sistemas complexos, dinâmica de opiniões, modelos evolucionários, indução probabilística e vieses cognitivos, entre outros assuntos.

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