Fechar

“Livro, um produto diverso” – Daniel Pinsky em entrevista para Revista Brasileiros

Daniel Pinsky, sócio-diretor da Editora Contexto e um dos especialistas em livro digital, acha que as editoras devem aproveitar a oportunidade que essa nova plataforma pode oferecer

**

Amilton Pinheiro

O primeiro contato de Daniel Pinsky com o livro se deu de forma bem inusitada: como personagem. Explicamos: sua mãe, escritora de literatura infantil, o transformou em personagem de um dos seus livros. Ele, literalmente, foi parar em um livro. Seus pais fundaram a Editora Contexto e, mais uma vez, o livro passou a ser presença em sua vida. Contudo, Pinsky demorou um pouco para entrar no negócio da família, pois o gênio forte do pai não batia com o seu gênio igualmente forte. Hoje, ele é sócio-diretor da Contexto, e o livro não é apenas uma maneira de entretenimento e saber, mas de negócios.

daniel Por causa de sua nova função na editora, Pinsky se interessou pelo livro digital, que ainda não era assunto da vez no mercado editorial naquela época. “Meu interesse pelo livro digital vem de muitos anos. Foi por isso que resolvi fazer uma dissertação sobre o tema. Fiz meu mestrado no curso de administração da USP. Na época, não havia nem professores para me orientar. Defendi minha dissertação em abril de 2009, e de lá pra cá venho trabalhado com isso também”, conta. Na dissertação O uso do livro eletrônico no ensino superior sob a ótica dos professores universitários e profissionais de editoras, ele pesquisou sobre a demanda de livros digitais pelos professores de administração da USP e do Mackenzie. Os professores queriam adotá-los em seus cursos, mas as editoras especializadas em livros universitários de administração não estavam preparadas para ofertá-los no formato digital e por capítulos, segundo notou Pinsky.

Hoje, o livro digital virou sua especialidade e uma boa obsessão na sua profissão. Pinsky é membro da Comissão do Livro Digital da Câmara Brasileira do Livro (CBL), que ajudou na organização do 1º Congresso do Livro Digital, ocorrido em março deste ano (o 2º congresso vai acontecer, possivelmente, em março de 2011). Seus estudos o levaram a enxergar o livro como algo diverso, não com um produto uniforme. Para o sócio-diretor da Contexto, isso é fundamental para analisar os impactos que o livro digital trará para o mercado editorial. “Isso é essencial para uma análise mais aprofundada da questão. O público leigo enxerga o livro como uma coisa só, e não é. Tem indústria dentro da indústria. Esse conceito de setorização é normalmente esquecido pela maioria das pessoas que escreve sobre esse momento de transição no mercado editorial. Mas, para uma análise mais detalhada, é essencial que se leve em consideração a setorização”, explica.

Na entrevista que concedeu para o site Brasileiros, no estande da Editora Contexto, na Bienal do Livro, Daniel Pinsky fala mais um pouco sobre esse mercado setorizado, sobre a cadeia de produção e comercialização do mercado editorial, mostrando quem é o elo mais frágil e alertando que as editoras olhem o livro digital como uma oportunidade e não como uma ameaça. Porém, é necessário que as editoras conheçam muito bem o setor em que atuam para, com isso, enfrentar e aproveitar as mudanças que se avizinham.

Brasileiros – Em uma de suas entrevistas, você diz que o livro impresso ainda vai conviver com o livro digital, pelo menos por mais meio século…
Daniel Pinsky –
É o que eu acredito.

Brasileiros – Apesar de você falar em um tempo determinado, em que o livro impresso vai conviver com o livro digital, tudo ainda é muito prematuro. Qualquer afirmação sobre esse assunto cai no campo da futurologia…
D.P. –
Na verdade, acho que 50 anos é um prazo um pouco longo. Se eu falei isso, você pode diminuir um pouquinho. Eu imagino, na verdade, que a base constituída de milhares e milhares de anos pelo livro impresso não pode sumir do dia para noite. E como os livros são divididos em categorias ou áreas, cada área tem uma cadeia de produção e, principalmente, comercialização diferente. Então, os livros eletrônicos irão atingir algumas áreas mais do que outras, dependendo das vantagens que esses produtos possam trazer para o leitor. Vou exemplificar. Para um leitor universitário, uma venda de livro por capítulos é muito interessante. Para uma pessoa que vai ler um romance, normalmente não. A não ser que a gente reedite ou repense como eram publicados os romances no final do século XIX (os romances, os folhetins, eram publicados em capítulos, nos jornais da época). A chegada do livro digital vai atingir ou já atinge as áreas do mercado editorial de forma diferenciada.

Brasileiros – Por isso, você fala da importância de destacar os setores dentro do mercado editorial…
D.P. –
Isso é essencial para uma análise mais aprofundada da questão. O público leigo enxerga o livro como uma coisa só, e não é. Tem indústria dentro da indústria. Esse conceito de setorização é normalmente esquecido pela maioria das pessoas que escreve sobre esse momento de transição no mercado editorial. Mas, para uma análise mais detalhada, é essencial que se leve em consideração a setorização.

Brasileiros – Entrevistamos o diretor editorial da Cosac Naify, Cassiano Elek Machado. Ele nos disse que o impacto do livro digital será primeiramente sentido pelas editoras que publicam coisas mais segmentadas, voltadas para produtos mais descartáveis, do que, por exemplo, uma editora como Cosac, que trabalha com livros de arte e publicações mais sofisticadas…
D.P. –
Acho que ele está correto ao afirmar isso. Na verdade, a Cosac tem uma linha editorial um pouco maior. Os livros de arte da Cosac talvez demorem mais um pouco para serem atingidos. Mas, de qualquer maneira, eles serão atingidos no futuro. Cada editora tem de estudar muito bem o setor em que atua.

Brasileiros – Na palestra que você deu na Bienal, um dos tópicos comentados foi sobre a cadeia de produção e comercialização na era do livro digital. Dessa cadeia (distribuidores, livreiros, editores, escritores e leitores), quem está mais vulnerável com a chegada do livro eletrônico?
D.P. –
As distribuidoras e livrarias independentes, sem dúvida nenhuma. Elas estão menos preparadas. Mas, nesse último ano, parece que passaram a se ligar mais sobre o que está acontecendo no mercado editorial com o livro digital. Esses distribuidores e livreiros passaram a perceber que precisam se readaptar, redirecionar seus negócios com a entrada do livro eletrônico.

Brasileiros – Você é sócio de uma editora juntamente com o seu pai. O que as editoras podem fazer para evitar que os livros eletrônicos sejam pirateados, como aconteceu com o CD na indústria fonográfica?
D.P. –
Tem um livro muito interessante chamado Free, se não me engano de um economista americano de nome Chris Anderson, que fala sobre a pirataria de modo geral. Ele diz o seguinte: “Nós precisamos mostrar que vale a pena não piratear”. Segundo ele, as empresas podem evitar ou amenizar os efeitos da pirataria, oferecendo para o consumidor um serviço melhor, a garantia de que ele vai receber aquilo que comprou, que é um produto legítimo, com algo agregado, que a pirataria não tem como oferecer, etc. É uma briga grande, mas a gente (editoras) não pode se acovardar e simplesmente falar: “Ah, não. Em um ambiente digital, é muito mais fácil piratear, por isso acho melhor continuar produzindo livros impressos”. Claro que, em um ambiente digital, a pirataria é muito mais fácil de acontecer. Mas isso não pode ser motivo para nós adiarmos a entrada do livro digital. Se a gente deixar as coisas acontecerem de forma desordenada, corremos os mesmos riscos que a indústria fonográfica enfrentou. O mundo digital, para mim, tem muito mais oportunidades do que ameaças. Essa é minha opinião. Não devemos nos esquecer de oferecer essa nova tecnologia aos consumidores, aos leitores, mas temos de ter em mente que os preços precisam ser atrativos para eles, para que não se sintam compelidos a comprarem um produto pirata.

Brasileiros – A presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Rosely Boschini, nos disse que o livro digital é a melhor plataforma para livros de referências, como as enciclopédias, os dicionários. Você acha isso também?
D.P. –
Sem dúvida nenhuma. Na minha dissertação (O uso do livro eletrônico no ensino superior sob a ótica dos professores universitários e profissionais de editoras, defendida em abril de 2009, na Universidade de São Paulo), tem uma tabela onde coloco quais são os livros afetados primeiramente. E os outros livros que eu acredito que serão afetados depois. Os primeiros livros afetados pela entrada do livro digital são os de referência, como as enciclopédias e os dicionários. Esses livros de referência têm suas vendas caindo vertiginosamente, a cada ano que passa. Em segundo, vêm os livros universitários. Os livros didáticos adotados pelas escolas dependem de uma decisão do governo federal. Então, essas mudanças vão chegar por partes. Rosely tem razão quando diz que esses livros ficam ótimos em uma plataforma digital. Agora, exatamente como o público vai reagir, em que momento ele começa a utilizar mais um Kindle ou qualquer outro artefato, talvez dependa de um cruzamento entre interesse e preço. Preço do e-book ward e preço do e-bookconteúdo. Esse cruzamento ainda tem tempo de acontecer no Brasil.

Brasileiros – Qual o futuro do livro digital?
D.P. –
É uma pergunta difícil. Mas o futuro dele é uma realidade. Ele só tende a aumentar. Além disso, devemos, nós, editoras, torcer para que essa nova plataforma de leitura digital aumente o crescimento de vendas de livros, o que é muito provável que aconteça. Isso será fabuloso para todos nós: editoras, livreiros, distribuidores, escritores e leitores. Devemos torcer para que essa plataforma eletrônica traga mais leitores. O nosso maior concorrente não é o livro digital ou o não digital. São as outras formas de entretenimento e educação. Eu divido (o livro) entre entretenimento e educação. A gente, na Editora Contexto, faz as duas coisas. Se o cara não tem tempo para ler, se o cara prefere ficar na internet, jogando joguinho, se ele prefere falar no celular, se ele prefere entrar nas redes sociais ou qualquer outra coisa, esse é o meu concorrente maior. Se nós conseguirmos, com o livro digital, um pequeno espaço de atenção desse cara, algum percentual do seu tempo…

Brasileiros – Desse mundo interativo…
D.P. –
Exatamente, desse mundo interativo. Até porque já tem o cinema, a televisão, o rádio, agora a internet, com dezenas de atrativos. Se a gente conseguir um pedaço do tempo do consumidor, de sua atenção, estaremos lucrando. Se as editoras pensarem dessa forma e projetarem seus negócios nesse sentido, vão se beneficiar e muito.

(via Brasileiros)

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.