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Jamais estive só | Lançamento

Vivendo na contramão
Depois de viver minha vida em sentido contrário, a sequência usual parece superestimada. Sempre que ouço falar de amigos se separando após décadas de casamento, eu penso: “Talvez eles tenham feito isso na ordem errada”. Minha esposa, Avital, e eu nos separamos um dia depois de casados. Não nos vimos por 12 anos, e então vivemos felizes para sempre.

Fui circuncidado aos 25 anos de idade, não quando tinha oito dias. Então, ao contrário da maioria, pude dar meu consentimento. E, dois dias depois, quando aderi a mais um protesto de refuseniks*, a KGB me prendeu por 15 dias. Assim, a polícia secreta soviética permitiu-me comungar discretamente com Abraão, o primeiro judeu, que se circuncidou aos 99 anos e, pouco tempo depois, hospedou anjos em sua tenda.

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Anos mais tarde, depois que eu e alguns outros refuseniks libertados fundamos um partido político, pensamos em um slogan que fosse adequado. Prometendo que “somos um tipo diferente de partido, vamos para a prisão primeiro”, conquistamos mais cadeiras no Parlamento israelense do que o esperado.

Finalmente, aos 65 anos, fiz meu bar mitzvá – com 52 anos de atraso. O tradicional rito de passagem judaico para meninos acontece aos 13 anos. Minha cerimônia tardia foi vantajosa: naquele momento eu tinha um esquadrão de netos para recolher as balas que os convidados jogaram em mim para celebrar, de modo que tudo ficou em família. Mais importante, pude apreciar melhor a relevância da minha porção bíblica da Torá e explicá-la a todos, sem que meu rabino tivesse que escrever meu discurso para mim.

Um ano antes, um de meus genros relembrou o seu bar mitzvá. Perguntei a ele qual teria sido a minha parashá, a porção bíblica da Torá, se a cerimônia do meu bar mitzvá tivesse ocorrido no momento certo. Ele pesquisou, com base na minha data de nascimento. Pensei que ele estivesse me provocando quando respondeu alguns minutos depois: “É a Parashát Bo”, no início do Livro de Êxodo.

Parashát Bo? Quando Moisés diz ao faraó: “Deixe meu povo ir”, proferindo aquelas poderosas palavras que se tornaram o slogan de nossa luta pela liberdade na União Soviética?

“Não pode ser coincidência”, pensei. “Preciso fazer meu bar mitzvá.” Sessenta e cinco anos parecia uma idade perfeitamente boa – cinco vezes treze.

No dia marcado, li as duas primeiras partes da porção bíblica do Pentateuco, com a cantilação tradicional. Felizmente, meus dois genros intervieram e leram as outras cinco partes e a passagem bíblica de Jeremias: 43 que as acompanha – a Haftará, que prevê a redenção dos judeus.

No entanto, a provação não acabou depois que as balas foram jogadas e minha jovem equipe de limpeza havia chegado. Eu ainda tinha que fazer aquele discurso. Analisei os versículos de Êxodo 10:1 a Êxodo 13:16, que atingem o pico com a décima praga, matando os primogênitos egípcios.

Perguntei: “O que torna essa praga diferente de todas as outras que os egípcios tiveram que suportar?”

As primeiras nove pragas parecem uma tragédia grega protagonizada por três atores: Deus, Moisés e o faraó. Aarão é um coadjuvante. A massa de escravos judeus não tem individualidade. Suas vozes se fundem em um único coro grego.

Mas, no que diz respeito à décima praga, cada israelita deve agir individualmente. Cada adulto da comunidade tem que se posicionar. Cada israelita deve primeiro decidir ser livre, e então agir livre. Cada um rejeita os deuses egípcios sacrificando um cordeiro, um animal que os egípcios adoravam. Então, os israelitas proclamam publicamente que não desejam mais viver ali, marcando os umbrais das portas com o sangue do animal.

Expliquei que somente ao desafiar o Egito publicamente esses escravos poderiam se tornar livres. E somente por meio de cada declaração individual de independência poderiam se unir no êxodo nacional. A mudança real ocorre quando cada pessoa deixa de ser controlada pelo medo e começa a agir independentemente.

Tudo isso é análogo à luta dos refuseniks contra o sistema soviético. À semelhança da escravidão egípcia, o regime comunista foi projetado para intimidar, subjugar. Todo judeu que desejasse emigrar precisava superar o medo opressivo de pedir um convite de Israel, inimigo soviético. Para solicitar o visto, era necessário obter permissão de cada escola e cada local de trabalho soviético, espaços que determinavam sua vida. Em suma, você clamava publicamente: “Não aceito seus deuses. Quero deixar este país”.

E qual foi a recompensa? Em Êxodo, Deus oferece ao povo judeu… o povo judeu. Os judeus saem do Egito e sete semanas depois recebem os Dez Mandamentos no Monte Sinai, aceitando identidade e liberdade como um só pacote. Essa se tornaria uma das principais missões do nosso povo: equilibrar nosso direito de pertencer e ser livre.

Três mil e quinhentos anos depois, obtive a grande recompensa ao ingressar naquela jornada. Depois que subi a bordo, nunca mais fiquei sozinho.

TRÊS PERSPECTIVAS

Reconhecidamente, este livro se apresenta como uma autobiografia em coautoria com o historiador americano e ativista sionista Gil Troy. E o livro retrata minha jornada de nove anos em prisões soviéticas, passando pelos nove anos na política israelense e chega depois aos nove anos na liderança comunitária judaica. Mas esse não é exatamente um livro de memórias. Logo após minha libertação do gulag* soviético em 1986, escrevi minhas memórias da prisão em Fear No Evil (Não temerei mal algum). Quanto à minha vida em liberdade, em Israel, acredito que ainda sou jovem demais para resumir tudo. Afinal, fiz o meu bar mitzvá há apenas sete anos.

Este livro conta a história da conversa mais importante da minha vida: o diálogo contínuo entre Israel e o povo judeu. Desde as ruas de Moscou, quando me filiei ao movimento para a emigração judaica. É uma conversa eterna, global, significativa e às vezes estridente, que salvou minha vida décadas atrás. Hoje, enriquece a vida de ambos os autores, bem como a de muitas outras pessoas, ao confrontar questões sobre o significado de fé, comunidade, identidade e liberdade. Acreditamos que somente por meio desse diálogo podemos continuar nossa jornada juntos. E é por isso que acreditamos que seja um diálogo que vale a pena defender.

Enquanto usava rótulos diferentes durante minha jornada subsequente –refusenik, dissidente soviético, prisioneiro político, líder do novo partido dos imigrantes em Israel, membro do Knesset (Parlamento de Israel), ministro em quatro governos israelenses, defensor dos direitos humanos, presidente da Agência Judaica para Israel –, sempre fui confortado por um imenso sentimento de pertencer a essa conversa em curso.

Meu professor de desenho técnico no ensino médio nos ensinou que, se você visualizar qualquer objeto em três dimensões – frontal, superior e lateral –, poderá ver seu exterior completamente e desenhá-lo com precisão. Concentrar a atenção em cada ângulo destaca aspectos específicos da relação espacial. Tendo observado a relação entre Israel e outras comunidades judaicas a partir de três perspectivas, espero poder desenhá-la com precisão.

Entrei nesse diálogo pela primeira vez ainda quando estava por trás da Cortina de Ferro. Continuei atrás das grades da prisão. Meus contatos eram restritos, meu envolvimento às vezes puramente imaginado, mas esse diálogo sempre me fortaleceu. Ao participar dele, exercitei meus músculos recém-desenvolvidos – meus recém-descobertos compromissos com o meu povo especificamente e com a liberdade para todos.

Mais tarde, como membro do governo israelense, representei o lado de Israel no diálogo e vi os judeus da diáspora como parceiros bem-amados do Estado judeu. Enquanto desfrutava desse trabalho de construção de pontes, descobri que a adaptação de prisioneiro dissidente a político partidário era frustrante.

Mais recentemente, como presidente da Agência Judaica, a maior organização não governamental do universo judaico, mudei novamente de perspectiva. Vi Israel não apenas como o centro do mundo judaico, mas como uma ferramenta para fortalecer os judeus em todo o mundo.

Quando as coisas funcionavam bem – ou quando estávamos sob ataque –, víamos o quanto tínhamos em comum. Contudo, passei muito tempo defendendo Israel frente aos judeus da diáspora e defendendo os judeus da diáspora frente aos israelenses. Atualmente, muitas vezes me vejo defendendo a própria ideia da necessidade do diálogo.

É fácil convocar um diálogo, mas difícil realizá-lo. Para que comecemos a ouvir uns aos outros e conversarmos uns com os outros, não é necessária uma perspectiva tridimensional completa. No entanto, precisamos ver que a soma de nossas preocupações comuns é maior que a soma de nossas muitas divergências.


Natan Sharansky, ativista dos direitos humanos, foi prisioneiro político na União Soviética e atuou em quatro governos israelenses. É o único cidadão não americano vivo que recebeu a Congressional Gold Medal (em 1986) e a Presidential Medal of Freedom (em 2006). Sharansky também ganhou o Prêmio Israel em 2018, por sua contribuição excepcional ao Estado de Israel, e o Prêmio Genesis em 2020, por extraordinárias conquistas profissionais, realização, contribuição para a humanidade e compromisso com os valores judaicos.

Gil Troy é professor de história na Universidade McGill, em Montreal. É autor de nove livros sobre a presidência estadunidense e três livros sobre sionismo. Recentemente nomeado um Algemeiner J-100, uma das 100 melhores pessoas “de influência positiva sobre a vida judaica”, Troy foi comentarista de destaque nos populares documentários da CNN The Eighties, The Nineties e The 2000s. 

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