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‘Idosos fazem sexo melhor que muitos jovens’, diz psiquiatra Carmita Abdo

'Idosos fazem sexo melhor que muitos jovens', diz psiquiatra Carmita Abdo
Psiquiatra Carmita Abdo, referência na medicina quando o assunto é a vida sexual dos brasileiros
Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

SÃO PAULO — Aos 72 anos, a psiquiatra Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo, é a grande referência na medicina quando o assunto é a vida sexual dos brasileiros. Em 2003, coordenou o maior estudo sobre sexualidade do país, o Prosex, com 7 mil homens e mulheres envolvidos, até hoje referência para pesquisas de comportamento.

Carmita acaba de lançar o seu décimo livro sobre o tema,”Sexo no cotidiano“, pela editora Contexto, o primeiro escrito para o público em geral, e não só para médicos, onde discorre sobre o tema de maneira simples e sem preconceitos.

A senhora lida com queixas sexuais em diferentes faixas etárias. Como é o sexo no envelhecimento?
Um dos mitos na sociedade moderna é que os mais velhos não têm vida sexual ou acham que ela é precária. Os idosos não só transam, como também gostam de transar. Conheço tanta gente com mais de 70 anos de idade com boa saúde mental, que pratica esporte e mantém uma alimentação equilibrada, com vida sexual melhor do que muitos jovens com vida desregrada. Isso porque o sexo não é uma ação isolada do organismo, ele depende da condição geral de saúde. Além do que, hoje a medicina contribui de forma extraordinária para o bom desempenho sexual de quem precisa de cuidados nessa área.

Os homens ainda são privilegiados com os recursos médicos para a vida sexual. Quando isso deverá mudar?
Isso acontece porque o organismo feminino é mais complexo. Com a idade as mudanças hormonais são drásticas pela chegada da menopausa. Os níveis de estrógeno, o hormônio sexual feminino por excelência, despencam. Nos homens, isso não acontece. A queda da testosterona é gradativa e branda, a partir dos 40 anos. Entretanto, de alguns anos para cá, as mulheres podem contar com uma boa ajuda da medicina.

Não existe para elas uma pílula mágica, mas há recursos, como cremes e tratamentos a laser, que garantem a saúde da mucosa da vagina, por exemplo, aplacando o desconforto da penetração num canal vaginal ressecado. Além disso, a reposição hormonal sistêmica com estrogênio, sob orientação médica, é benéfica para a maioria das mulheres. Essa reposição é importante também para a saúde dos ossos, dos músculos e da cognição. Alguns médicos também indicam testosterona, para melhorar a libido, lembrando, no entanto, que cada caso deve ser avaliado individualmente.

Mesmo com a ajuda da medicina, não dá para dizer que o tipo de relação entre idosos é o mesmo na juventude, certo?
Claro que uma senhora ou um senhor não tem a mesma mobilidade na cama que uma jovem ou um jovem. A relação sexual é resultado da capacidade de desempenho de todo o corpo. E o corpo envelhecido tem menos força. Mas os idosos levam a vantagem de saber desfrutar de mais intimidade, convivência e cumplicidade, elementos importantíssimos para a conquista da atividade sexual com satisfação.

Como manter o desejo sexual com um parceiro de muitos anos? Ele não tende a arrefecer?
Não existe fórmula mágica, mas compartilhar uma boa vida sexual durante anos com a mesma pessoa costuma estar embasado em afeto. Se o casal cultivou uma vida com rancores e conflitos, dificilmente terá disposição para um contato tão íntimo quanto o sexual, porque mal toleram conviver. Por outro lado, se construíram uma vida de cumplicidade e companheirismo, o sexo se encaixa mais facilmente. A frequência sexual, logicamente, tende a ser menor, mas a qualidade se mantém.

Mesmo com toda a liberdade sexual, muitas mulheres ainda falam da dificuldade de chegar ao orgasmo nas relações sexuais. O que está acontecendo?
No Brasil, um terço das mulheres nunca atingiu o orgasmo por penetração nem por estimulação do clitóris pelo parceiro. Esses dados se repetem em outras partes do mundo. Isso, na verdade, sempre aconteceu só que antes elas não falavam sobre isso. Agora é diferente e se sabe que o problema pode acontecer em qualquer idade. A dificuldade para o orgasmo é de fato mais prevalente. Elas têm dois pontos principais de estimulação sexual genital: o clitóris e a vagina. O homem, desde criança percebe que, por meio da estimulação do pênis, atinge o clímax de prazer. Vale lembrar a insistência para o orgasmo simultâneo com a parceira, o que muito prejudica as mulheres na obtenção de prazer. Orgasmo simultâneo exige sintonia e experiência sexual conjunta entre os parceiros. Importante também é observar problemas físicos mais sérios associados à falta de orgasmo, como deficiência hormonal, depressão e diabetes.

A frequência sexual está associada à maior facilidade para se chegar à satisfação?
Quanto maior a frequência das relações, mais aptos os genitais se tornam para o ato sexual, inclusive em mulheres. A secura vaginal é mais comum entre aquelas que têm menos relações sexuais. Já as que se mantêm ativas sexualmente têm melhor lubrificação. Dessa forma, não é exagero dizer que a prática sexual é uma proteção para os órgãos genitais e para a satisfação sexual. Isso vale também para a masturbação. É uma prática e que as torna mais dispostas e aptas física e emocionalmente para relações sexuais. Com maior conhecimento do seu próprio corpo e de seus pontos de excitação, elas conseguem aproveitar mais o ato.

De uns tempos para cá, começou a se falar de homens e mulheres assexuados, independentemente de terem ou não um parceiro. Qual é o perfil dessas pessoas?
Os estudos mostram que 7 a 8% das mulheres de todas as idades não estão interessadas em sexo. O mesmo acontece com 2 a 3% dos homens. Parece pouco, mas não é. São pessoas sem disfunção sexual, que simplesmente não se importam e não sofrem por falta de sexo. Hoje já se cogita considerar uma quarta orientação sexual que corresponde a esse grupo. Assim, teríamos: os heterossexuais, os homossexuais, os bissexuais e os assexuais. Dentro dessa última categoria, há aqueles que nunca terão interesse, aqueles que raramente terão e farão sexo duas a três vezes por ano, por exemplo, e aqueles que só terão relações diante de um estímulo muito específico.

Por enquanto, a medicina sabe que há influência genética e ambiental atuando sobre a orientação sexual, mas o impacto de cada uma dessas influências ainda não é suficientemente conhecido. Os assexuais são pessoas que têm libido, sim, a qual eles dirigem para uma carreira, uma missão, um projeto de vida. Não se trata de uma disfunção, porque não implica sofrimento. Eles não sofrem por serem assim.

Como a senhora avalia o interesse sexual dos adolescentes? Não lhe parece que eles estão menos interessados em sexo do que a geração dos pais?
Existe um motivo principal para isso: o sexo virtual, fácil e repleto de atrativos. A pornografia e o namoro online nunca estiveram tão ao alcance deles como agora. Com isso, o toque, o cheiro, como estimulantes sexuais, estão se tornando irrelevantes para muitos jovens. Isso porque o sexo virtual, além de ser uma prática fácil e acessível, é barata e não requer trabalhar uma relação. Basta ficar online e se autoestimular ou estimular um ao outro virtualmente. O processo de sedução, o encontro, o conhecimento do outro são secundários.

Fonte: Matéria publicada no jornal O Globo, 8 de Agosto