A Idade Média abrange um período de cerca de dez séculos, compreendido entre o final da Antiguidade e o início da época moderna. Essa é uma convenção cronológica, uma forma de ordenar e de classificar o tempo histórico, ao lado da Idade Antiga (ou Antiguidade), da Idade Moderna e da Idade Contemporânea. Os historiadores nunca entraram em consenso sobre os marcos precisos do início e do fim da Idade Média: para uns, seria a queda de Roma, em 476, e a queda de Constantinopla, em 1453; para outros, o Edito de Milão, em 313, e a chegada dos espanhóis à América, em 1492. No entanto, esse período é mais do que uma convenção cronológica. Desde o surgimento do termo, no final do século XIV, não apenas eruditos e historiadores, como também historiadores da arte, filósofos e sociólogos, buscaram identificar as características que diferenciariam 'os tempos médios' da Idade Antiga e da Idade Moderna. As divergências nesse ponto são ainda maiores do que na escolha das datas que marcariam o início e o fim do período.
Até os anos 1980, muitos historiadores consideravam a Idade Média o resultado da decadência e da corrupção do legado antigo (instituições, cultura, costumes etc.), da depressão econômica, sendo uma época marcada pela violência sem limites, por perseguições contra aqueles que ousavam desafiar o poder da Igreja, por guerras incessantes, pela penúria, pela fome e também pela peste. Um quadro desolador, que teria como responsáveis, principalmente, os bárbaros e a Igreja. Os primeiros teriam destruído o Império Romano e sua civilização, sem conseguir colocar em seu lugar nada de comparável, seja em termos de organização política e de manutenção da paz, seja em termos de produção artística e literária ou de uma economia capaz de prover condições mínimas de subsistência. O Estado romano e a ordem pública teriam desaparecido, dando lugar a um regime no qual imperava a lei do mais forte (a aristocracia). A cultura literária teria regredido, da mesma forma que a vida material. Por falta de insumos, de inovações técnicas e de mão de obra, a agricultura medieval não conseguiu alimentar a população, gerando fomes constantes. O comércio e a vida urbana teriam praticamente cessado, fazendo da Europa medieval um mundo fechado às grandes rotas comerciais, situação que só teria se alterado, e mesmo assim de forma limitada, entre os séculos XI e XIII, antes de entrar em colapso devido às guerras, à fome e, sobretudo, à peste. A Igreja, a instituição dominante durante toda a Idade Média, exerceu grande controle sobre todos os campos da vida social, a ponto de sufocar a brilhante cultura clássica − além do próprio comércio, por meio da condenação da usura − e censurar as artes e todas as formas de expressão e de pensamento dissidentes. De acordo com esse ponto de vista, a época moderna teria libertado os homens da depressão econômica, por meio da expansão marítima e comercial, e da tirania da Igreja, da superstição e da barbárie, por intermédio do avanço da razão e do restabelecimento dos laços com a cultura antiga.
Nas últimas três décadas, nosso conhecimento sobre o período medieval mudou de maneira significativa. Mostraremos, no capítulo 'O mundo romano e os reinos bárbaros', como a deposição do último imperador romano do Ocidente, em 476, não significou o fim da influência das tradições e das instituições romanas, da mesma forma que o final da Antiguidade não trouxe consigo a regressão da vida econômica ou o desaparecimento do Estado e das atividades comerciais. Os povos bárbaros não conquistaram o Império, mas se integraram ao mundo romano, tanto pela violência quanto por acordos pacíficos. É por isso que a expressão 'invasões bárbaras' caiu em desuso, tendo sido substituída por 'migrações bárbaras'. Igualmente, caiu por terra a ideia de que os bárbaros, por um lado, e os romanos, por outro, constituíam duas entidades étnicas e sistematicamente opostas. Veremos, nos capítulos 'O mundo romano e os reinos bárbaros' e 'A fabricação da Idade Média', que essa oposição é uma criação dos nacionalismos do século XIX. Os reinos bárbaros mantiveram o latim como a sua língua oficial, assim como preservaram as instituições e as leis criadas no Império Romano tardio. Se não se pode negar a repressão a todas as formas de divergências doutrinária, filosófica e política que marcaram e criaram as condições para a afirmação do poder da Igreja, é preciso reconhecer que a Idade Média foi também uma época de expansão geográfica, política, econômica e cultural. Abordaremos esse assunto no capítulo 'Igreja e sociedade'. O cristianismo, além de ferramenta eficaz de integração (muitas vezes forçada) dos bárbaros, serviu como vetor da expansão do mundo latino para além das fronteiras do antigo Império Romano do Ocidente. Apesar da perda de quase toda a península ibérica para os muçulmanos, no início do século VIII, a cristianização da Germânia, da Escandinávia, das ilhas Britânicas, da Boêmia, da Polônia, da Hungria e da Croácia integrou novos territórios àquilo que se convencionou chamar de Cristandade. As cruzadas, a partir do século XI, fundadas na ideia de guerra praticada em nome de Deus, foram um segundo momento dessa expansão, tendo conduzido à formação de reinos latinos no Oriente Médio. Embora de curta existência, esses reinos mostraram a capacidade de as elites medievais se projetarem militar e politicamente para o outro lado do Mediterrâneo, em oposição aos Estados muçulmanos. A península ibérica foi outro palco importante desse enfrentamento, encerrado em 1492, com a queda do último bastião muçulmano na Europa Ocidental, o Emirado de Granada. No entanto, as relações entre cristãos e muçulmanos durante o período medieval não se caracterizaram apenas pelos conflitos bélicos. O Mediterrâneo funcionou igualmente como um espaço de contatos culturais e de trocas comerciais entre cristãos, judeus e muçulmanos…
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