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Greimas e a Semiótica – Corpo e Estilo

por Luiz Tatit

Numa época em que a semiótica metodológica de Algirdas Julien Greimas, pacientemente construída ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980, se despedaça em pontos de vista particulares ou se reduz a meros sistemas aplicativos, é rara a aparição de pesquisas que retomem o gesto primeiro do autor lituano de elaborar ampla integração conceitual em nome de uma teoria orgânica sobre a construção do sentido. É o caso desta profunda reflexão (Corpo e Estilo, 384 páginas) desenvolvida por Norma Discini.

Nos tempos heroicos de Greimas, o desafio era construir uma teoria unificada sobre o sentido, fortemente categorial, que comportasse uma sintaxe sumária (negação de algo e afirmação de seu oposto), articulada nos termos do “popular” quadrado semiótico, uma sintaxe de natureza narrativa, disposta como encadeamento de programas de ação em permanente conflito com antiprogramas agindo em direção contrária, e uma sintaxe discursiva, concebida como instância de enunciação responsável pela transformação dos agentes narrativos (actantes) em atores discursivos concretos e pelas operações de espacialização e temporalização que situam e processualizam as funções narrativas criando uma realidade interna ao texto. Do ponto de vista semântico, essa teoria ainda propunha categorias universais (vida/morte e natureza/cultura) para o seu nível fundamental, categorias modais (veridictórias, volitivas, deônticas, epistêmicas etc.) para o nível narrativo e formação de domínios temáticos (conceituais) e figurativos (promotores de impressão referencial) para o nível discursivo. Como se vê, as noções semióticas desse período foram distribuídas em etapas de um percurso gerativo que simulava a construção do sentido tanto nos textos verbais como nos não verbais.

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Consciente de que compartilhava o seu objeto de estudo (o sentido) com quase todas as áreas das ciências humanas, especialmente com a filosofia, Greimas temia a diluição de seu modelo teórico em questões quase irrespondíveis que pouco contribuiriam para a elaboração de uma “gramática” do texto. Propunha, então, que os semioticistas se ativessem a um minimum epistemológico considerado suficiente para sustentar a nova ciência. Ele próprio dera o exemplo ao formular seus conceitos a partir do projeto seminal do linguista dinamarquês Louis Hjelmslev e de algumas conquistas da fenomenologia e da antropologia obtidas na primeira metade do século XX, dispensando a investigação extensa do assunto.

O ápice desse empreendimento se deu com a publicação na França, em 1979, da obra Sémiotique. Dictionnaire raisonné de la théorie du langage, escrito por Greimas e Joseph Courtés (que tem uma edição brasileira publicada pela Editora Contexto em 2008 com o título Dicionário de Semiótica). As entradas desse dicionário são relacionadas entre si e configuradas como peças de uma “máquina” geral de reflexão e descrição semiótica.

Mas o inevitável aconteceu. Não era possível reter indefinidamente uma temática de tamanha magnitude sob a égide de um modelo homogêneo e centralizador, por mais engenhosas que tivessem sido suas diretrizes de construção. A etapa pós-dicionário foi marcada por certa dissipação conceitual, seguida de novas propostas de revisão teórica do modelo, o que serviu para arrefecer o entusiasmo dos autores com o resultado do segundo volume da mesma obra lançado em 1986. Redigido por dezenas de colaboradores, à época membros do Grupo de Pesquisas Semio-linguísticas de Paris, o Sémiotique II expôs as dissidências teóricas já arraigadas na equipe e o renascimento em seu âmago daquilo que Greimas caracterizou como “gosto de filosofar”. Mas nem o fundador da semiótica escapou à onda digressiva que atingiu a equipe no final dos anos 1980. Sua última obra exclusiva, De l’imperfection, foi uma reflexão livre sobre princípios estéticos e estésicos a partir de trechos literários.

Essa dispersão, porém, não impediu numerosos progressos em pesquisas individuais nem intervenções de grande alcance no cerne do modelo padrão. Foi o caso, entre outros, da criação de parâmetros tensivos para se entender a presença quase sempre determinante dos conteúdos emocionais e afetivos na construção do sentido. Claude Zilberberg foi o autor que mais se aplicou na organização dessa nova maneira de conceber a semiótica sem romper o elo com seus principais precursores (Saussure-Hjelmslev-Greimas). Para tanto, contudo, ultrapassou em muito os limites epistemológicos cultivados pelos autores do dicionário e deixou de lado alguns pilares teóricos que pareciam indispensáveis ao funcionamento do modelo geral, como o esquema narrativo e o percurso gerativo.

No decorrer das duas últimas décadas, juntamente com a semiótica desenvolvida na França, vimos assistindo ao crescimento de importantes polos de pesquisa na Itália e em diversos países da América Latina, particularmente, no México, no Peru e no Brasil. Era de se esperar, portanto, que as ideias mais relevantes surgissem agora nesses novos endereços. O trabalho de Norma Discini confirma essa expectativa.

Os capítulos que serão lidos adiante referem-se ao projeto geral da semiótica e não apenas a uma ou outra de suas numerosas derivações produzidas após o célebre dicionário. A autora reincorpora o percurso gerativo greimasiano, só que com suas categorias reguladas por modulações tensivas, todas decorrentes de um ator da enunciação aspectualizado ora como sujeito sensível, marcado pela presença dos acontecimentos inesperados, ora como sujeito inteligível, moralizador, produzindo atos judicativos e, no mais das vezes, como sujeito que oscila entre ambos os polos. Segundo sua ótica, o modelo de análise semiótica não existe fora de um fluxo discursivo comandado pelo corpo do ator da enunciação que será sempre uma totalidade reconhecível em qualquer ponto do texto. É desse efeito de unidade presente em diversas manifestações da mesma origem enunciativa que se depreende a noção de estilo.

Nessa linha de reflexão, Norma Discini integra Claude Zilberberg e Maurice Merleau-Ponty na proposta de base de Greimas. Dentre os numerosos exemplos analíticos mencionados, merece destaque a comparação que faz a pesquisadora entre poemas de Cecília Meireles e crônicas jornalísticas escritas pelo filósofo Luiz Felipe Pondé. Apesar de abraçarem gêneros nitidamente distintos, ambos podem ser reconhecidos por seus estilos de desaceleração inteligível e explicativa dos conteúdos tratados. No entanto, a poeta deixa espaço para a fruição extática, algo epifânica, originária do acontecimento imprevisto no seu campo de presença, e só então a decompõe num discurso analítico sobre a experiência de existir. O filósofo, já imerso em modalidades éticas, deixa poucas brechas ao mundo sensível e constrói seu ator de enunciação mergulhado em argumentos que também analisam o mundo à sua volta, mas sempre levando em conta suas metas persuasivas, moralizantes, em relação ao outro ser social.

Corpo e estilo são, na verdade, conceitos que nos ajudam a enxergar toda a arquitetônica semiótica como produto do ato de enunciação, esse fazer que se renova em cada uma de nossas manifestações diárias em busca do sentido. Mais que pesquisa metodológica, temos nesta obra de Discini uma proposta coerente de reconhecimento detalhado dos processos de significação humana.

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