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História da Beleza no Brasil – Estudo revela a luta para ser belo no País ‘bonito por natureza’

Marcos Guterman – O Estado de S. Paulo

O Brasil construiu sua identidade com a noção de que sua natureza exuberante lhe confere especial beleza. A relação com o “belo”, portanto, não tem um peso desprezível quando se estuda o modo como o brasileiro se enxerga – ou gostaria de se enxergar. Ser considerado “feio” neste país é, portanto, uma maldição, algo a ser corrigido com todos os recursos disponíveis – e isso talvez explique nosso recorde mundial de cirurgias plásticas. Esse fenômeno é estudado no livro História da Beleza no Brasil, de Denise Bernuzzi de Sant’Anna.

O trabalho de Denise respeita uma trajetória teórica facilmente identificável: a historiadora quer entender que caminhos foram percorridos para que a beleza fosse percebida como é hoje no Brasil. Trata-se de uma pesquisa sobre a mentalidade brasileira, no jogo de poder que se estabelece entre os que se enquadram no padrão estético nacional e os “feios” – indignos de representar o País “bonito por natureza”.

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A base documental do livro é a propaganda de produtos relacionados ao mundo da beleza. A opção é lógica: é na publicidade que se materializa a disputa narrativa sobre o comportamento ideal. É claro que a publicidade é, antes de tudo, um reflexo de tendências preexistentes, mas não se pode ignorar seu imenso poder de ditar as normas. Para isso, o recurso à fantasia é essencial – no caso da beleza, como mostra Denise, atribui-se ao que é anunciado a capacidade de operar milagres estéticos, como se fosse possível mitigar os “erros” da natureza.

Cada época, no entanto, tem os próprios “erros”. Portanto, não se pode considerar os padrões do passado de acordo com os referenciais atuais – o belo só é considerado como tal em seu tempo, ainda que certos modelos recorrentemente voltem à moda. Assim, a Primeira República, que nasce como negação das velhas tradições monárquicas, enseja todo tipo de oferta para embelezar os jovens republicanos, desde um desinfetante corporal chamado “Socorro da Mocidade”, até o licor Vermutrina, que “reanima o homem gasto”.

Com a fé na ciência, prometia-se a “cura” da feiura por meio de remédios. A felicidade imperativa e o sorriso publicitário substituíram a timidez pudica das mulheres e a melancolia sisuda dos homens. Impunha-se, a partir do início do século 20, a obrigação de cuidar da aparência, como se disso dependesse o sucesso pessoal e o reconhecimento social. Em um dos tantos exemplos trazidos por Denise, uma revista dos anos 30 dizia que, em breve, “será tão inconveniente ser feio como ser sujo”.

livro_beleza2Mais tarde, o cinema e seus astros ousados seriam fundamentais para ditar as novas normas de beleza. A juventude, cada vez mais erotizada por coxas à mostra nas telas, ganhou valor em si e demandou uma luta sem tréguas contra o envelhecimento. O efeito político dessa mentalidade se evidenciou nos anos JK, quando o dinâmico “presidente bossa-nova” imprimiu no País a sensação de modernidade acelerada. Ter sex appeal tornou-se uma prioridade, o que embaralhou papéis e comportamentos masculinos e femininos, causando furor entre pais cada vez mais atônitos e filhos cada vez mais rebeldes – um conflito acentuado pela ditadura no Brasil. A imagem de Che Guevara, clássica figura do jovem idealista e revolucionário, representava a beleza a ser perseguida por essa geração.

Como mostra Denise, porém, o belo agora não se associa mais à ideia de que é preciso mudar o mundo. O objetivo é a felicidade pessoal, por meio do cuidado com a saúde, do conhecimento detalhado do que se ingere e da correção cirúrgica de qualquer parte do corpo que denote imperfeições inaceitáveis. Antes restrito ao mundo dos ricos, esse comportamento se disseminou pela classe média brasileira, porque a oferta de embelezamento se democratizou.

O livro detalha todas essas mudanças por meio de divertidas referências publicitárias, mas seu trunfo é a competente pesquisa que se dedica à difícil tarefa de reconstituir a trajetória de um conceito. Trata-se da constatação histórica de que a beleza, afinal, está nos olhos de quem vê.

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