Sinto a falta que o contato me faz. Homem algum é uma ilha, diz o título do livro do místico e escritor espiritual Thomas Merton, páginas que conheci ainda em 1975, no seminário franciscano. Homem algum foi projetado para viver entre quatro paredes, por um tempo maior do que o período que escolheu para refazer as próprias energias. Homem algum resistiria a essa condição insalubre por muito tempo, sem ver seriamente comprometido o seu estado de saúde física e mental. Não é inteligente, além de ser pouco estratégico, forçar a corda da nossa natureza até que ela se rompa.
Lamentavelmente, a pandemia anulou nossa chance de estabelecer contatos físicos, nossos olhos pousando nos olhos do outro. Hoje, vivemos um arrastado compasso de espera. A cada dia, bastam as nossas preocupações. Verdade é que não dispomos de recursos para acelerar o processo, que nos desafia ao seguir o seu ritmo sem ser alterado. Vivemos de esperança em esperança. E é assim que desejamos atingir o objetivo, chegar do outro lado desse rio que abriga feras perigosas. A solidão, que ameaça nos devorar antes que possamos esboçar qualquer defesa, é um desses monstros assustadores. E hoje, talvez mais do que em qualquer outra época, ele se mostra mais enfurecido e faminto. Está determinado a fazer vítimas, aproveitando-se das fragilidades de pessoas, cujas energias foram sugadas pela agressão da pandemia, para quebrar o seu jejum.
A pergunta angustiante: será que o fim da crise está próximo? Estamos mergulhados numa situação impensada para um século tecido pela trama de respostas por todos os cantos. Somos deficientes. De uma hora para outra, fomos alijados de uma faculdade essencial à vida: o contato físico, indispensável a criaturas que se caracterizam pelo aspecto social e pela troca de afeto – nem na Idade da Pedra vivemos isso. Sedentos, desejamos crescer, alcançar um novo patamar, aquele em que estivemos até alguns meses atrás. E não desejamos chegar a ele por si mesmo, senão porque é o degrau que nos conduzirá para uma situação de autotranscendência. Não, a gente não veio ao mundo para regredir. Mas fica a pergunta: o início do novo normal já vai chegar?
Quando vier o fim dessa era difícil, o que fazer? Como viver? Nesse sentido, vale perguntar também: que motivações teremos para tomar decisões nessa ou naquela direção? Aqui e ali, percebo que os meios para isso já estão sendo reunidos, ainda que de maneira embrionária. Mas, ao menos por enquanto, ainda não temos clareza quanto ao papel de cada um nesse processo de retomada. Criativos, sei que vamos descobrir, ao longo do caminho, o que compete a cada um envolvido nesse jogo inédito e intrincado que consiste em recomeçar. Teremos mentores para nos apontar as direções e sugerir o que colocar na bagagem. A troca de experiências, o compartilhamento de habilidades, a exposição de atitudes, tudo vai contribuir para a descoberta e consolidação do caminho a ser trilhado.
Afinal, como será o novo normal? Sinto a falta que o contato faz. Durante um longo tempo, ele certamente vai ser feito de perguntas, respostas e de um esforço sistematizado, pessoal e coletivo de cuidar logo daquilo que é essencial: viver o tempo que não pode ser recuperado e nem perdido por conta de caprichos e mesquinharias. A vida é frágil demais e está cansada de ser agredida em troca de nada.
Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]