Doenças que mudaram a História, o segundo romance escrito por meu pai, junta dois de seus grandes interesses por toda a vida: Medicina e História. Ele cursava Medicina na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Sorocaba quando aconteceu o golpe em 1964. Já formado, em 1966, optou pela residência em Infectologia, especialidade que tinha também uma conotação política ao procurar combater a desigualdade manifestada através das muitas doenças parasitárias que afligiam, particularmente, os mais pobres. Nesse sentido, destacava-se a doença de Chagas, naquela época muito prevalente em todo o Brasil e associada às péssimas moradias de pau a pique, nas quais o vetor transmissor, o inseto chupador de sangue apelidado de Barbeiro, fazia sua casa. No Serviço de Infectologia do Hospital do Servidor Público Estadual, atendeu centenas de pacientes chagásicos, invariavelmente migrantes ou filhos de migrantes do Nordeste e Minas Gerais, que abandonavam o campo rumo aos centros urbanos em busca de comida e trabalho.
Desde pequeno, eu gostava muito de ouvir histórias e sempre pedia para meu pai as contar. Mas as dele não eram contos infantis, e sim passagens da História, principalmente do mundo antigo. Por ele, conheci Aquiles, Júlio César, Cleópatra, Napoleão e muitos outros personagens, transmitindo-me, assim, o gosto por ler e saber sobre a humanidade que nos antecedeu. Mais tarde, na pré-adolescência, nos levou para conhecer os maias no Yucatán, além de Egito, Grécia, Roma e Babilônia no Louvre e no Museu Britânico.
Estudei Biologia e me especializei na Biologia Molecular. Nossos caminhos profissionais se encontraram quando surgiu a epidemia de aids e a descoberta do HIV. Ele se dedicava aos seus pacientes e à luta política pelo acesso ao melhor tratamento e acolhimento digno, enquanto eu fazia os testes moleculares que serviam ao diagnóstico e monitoramento. Essa epidemia, que promoveu tantas mudanças comportamentais e evoluções tecnológicas e que ele vivenciou intensamente, ficou fora deste livro, talvez aguardando uma nova edição com temas contemporâneos, pois, além do HIV, não estão nos faltando pandemias emergentes como a gripe suína e a zika.
Mas nada mais atual do que o uso do Google, que recebeu seu reconhecimento na “Explicação”, para obtenção das informações, muitas delas geradas através da recuperação do DNA dos patógenos a partir de ossos e múmias, pelas mais modernas técnicas de sequenciamento genético, permitindo a identificação dos agentes etiológicos às vezes até séculos depois dos eventos descritos.
Os personagens participantes da confraria narrada neste livro são todos médicos que se reúnem periodicamente para falar de temas para além da Medicina e confraternizar. Inspiração que, de fato, veio da realidade, já que meu pai organizou por muitos anos encontros mensais com seus amigos médicos para ouvir e conversar sobre música clássica, outra de suas paixões e tema do seu primeiro romance, Melodia mortal.
Misturando pitadas de futebol, História, Medicina e personagens com feições reais criados a partir da observação e convivência com seus colegas de profissão, este é um livro escrito com paixão e bom humor, mas fruto de uma pesquisa séria sobre momentos em que seres microscópicos e desconhecidos foram os protagonistas da História.
José Eduardo Levi – Biólogo
O estudo das epidemias e de sua influência no destino de povos e nações é um assunto fascinante. O mesmo se pode dizer do conhecimento sobre doenças que não tiveram características epidêmicas, mas que acometeram personagens de grande importância e influência ampla, histórica ou artisticamente. Considerando ser assuntos de grande interesse, não restritos aos profissionais da saúde, decidi escrever este livro para registrar alguns exemplos mais emblemáticos sobre a matéria, em uma linguagem acessível a todo tipo de leitor. Espero ter obtido sucesso na empreitada.
Talvez alguns leitores observem que, no meio de tantos capítulos sobre acontecimentos históricos fundamentais que modificaram os destinos do mundo, há um capítulo sobre Aleijadinho. Ele certamente não modificou a História, mas teve grande influência na arte barroca mineira. Fúlvia, uma apaixonada pelo assunto, me pediu muito para incluir o tema na coletânea. Como poderão perceber os que ultrapassarem a leitura dos primeiros quatro capítulos, Fúlvia, além de bonita e cativante, tem uma personalidade forte. Não tive coragem de negar o seu pedido; peço que considerem essa inclusão como uma homenagem a um grande artista brasileiro e um interlúdio entre tantas guerras e batalhas que compõem a quase totalidade desta obra.
No final, coloquei uma bibliografia com leituras que considero obrigatórias para os interessados no estudo das grandes epidemias. Apesar da qualidade excepcional desses textos, não teria sido possível escrever esta obra sem a enorme gama de informações fornecidas pelo milagre da internet. Sem a ajuda do Google, jamais teria conseguido tantas descobertas que consegui simplesmente apertando um botão.
Guido Carlos Levi é médico infectologista, com doutorado pela Universidade Estadual de Campinas. Foi médico do Hospital do Servidor Público Estadual durante 40 anos e diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas durante outros seis. Foi diretor do Conselho Regional de Medicina de 1983 a 1988, tendo sido presidente de 1986 a 1988. É membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Imunizações e assessor na área de imunizações do Ministério da Saúde e da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.