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De volta para o projeto original | Rubens Marchioni

O MUNDO ESTÁ de cabeça para baixo. Até algum tempo atrás, os filhos falavam pouco com os pais. O motivo? As crianças estavam ocupadas demais com o celular e outros brinquedos eletrônicos para lhes dar atenção. Os adultos se ressentiam dessa ausência. Reclamavam. Procuravam uma solução, no mais das vezes sem uma resposta satisfatória. Como atrair de novo as crianças e trazê-las de volta para casa? Seus olhos, atenções e sentimentos haviam embarcado numa viagem para lugares distantes, desconhecidos. Ora, bater de frente com a tecnologia e todos os seus atrativos poderia ser o jeito certo para quebrar a cara. Você e eu não fomos equipados para encarar um desafio desse tamanho. Somos bebês que se aventuram numa perigosa brincadeira com leões famintos do Serengueti. Nossas garras e dentes não têm a menor chance de vencer.

No entanto, de repente fomos surpreendidos por uma virada brusca nesse jogo, que cria as suas próprias regras. Sem que nos déssemos conta, o cenário assumiu outros ares. Hoje, os filhos se queixam dos seus pais que, ocupados demais com o Facebook, o Whatsapp, Instagram etc., já não encontram tempo e ouvidos disponíveis para se conectarem com aqueles que colocaram no mundo.

A barreira, construída de cimento e aço, está estabelecida, portanto. Pais e filhos, marido e mulher, moram na mesma casa, mas isso não significa, necessariamente, que vivem juntos. No lugar do essencial, o acidental predomina. O ser humano está a serviço da tecnologia, de maneira subserviente, e “O medo e a subserviência”, segundo François Rabelais, “pervertem a natureza humana”. Inicialmente, senhores de um projeto fantástico, fomos reduzidos à condição de servos do que inventamos para o nosso conforto. Pequenas máquinas ditam os nossos passos. E a nossa resposta é o sussurro de um tímido “Amém”.

Onde foi que a gente se perdeu? Em que momento nós tomamos o caminho errado e mergulhamos nesse silêncio constrangedor? É urgente restaurar a prática da compreensão empática, definida por Carl Rogers como a “capacidade de se imergir no mundo subjetivo do outro e de participar na sua experiência, na extensão em que a comunicação verbal ou não verbal o permite. É a capacidade de se colocar verdadeiramente no lugar do outro, de ver o mundo como ele o vê”. Quando se reprime o diálogo numa família, quando as possibilidades de conversação e as portas para o entendimento se fecham, imediatamente começa uma conspiração contra o despertar dos talentos de cada membro do grupo, o que vai resultar em prejuízos futuros.

Eis o grande impasse: como as crianças não têm o poder para encaminhar os adultos ao psicólogo, a fim de que façam um acompanhamento e busquem o equilíbrio entre o uso da tecnologia e das relações humanas por meio do olho, da fala, do toque, fica difícil prever o que vem pela frente.

No entanto, adultos, somos inteligentes o bastante para reconstruir o caminho de volta. Se deixarmos um pouco de lado o culto a tantas relatividades, podemos reassumir a nossa condição de homo sapiens, o projeto original. Quem se lembra dele?


RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Autor de Criatividade e redação, A conquista Escrita criativa. Da ideia ao texto[email protected] — https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao