O substantivo tem características bem definidas. Por exemplo, ele é objetivo, gosta de tudo o que é exato, isto é, não aceita meias palavras. Rejeita qualquer coisa que não contribua, efetivamente, para a melhoria do nível de definição de uma ideia, de uma informação de uma ideia ou informação. Para ele, caneta é caneta e lápis é lápis. O resto, o enfeite, isso não conta. Tudo bem que a caneta pode ser linda, moderna etc., mas as expressões adjetivas linda e moderna não acrescentam nada à natureza desse objeto de escrita. Feia e antiquada, ela continuaria sendo uma caneta, nem mais, nem menos do que uma caneta.
De repente, o substantivo fica sabendo que um texto impreciso, sem objetividade, tira de Júlio a chance de conquistar uma promoção na empresa onde trabalha, o que gera uma tremenda frustração. Em perigo, ele precisa de ajuda. Caso contrário, boa parte do seu futuro estará comprometida. Colocando-se no lugar do candidato, qualquer um poderia experimentar, na pele, o seu drama.
O substantivo pensa em não se envolver – por que faria isso? Mas alguém que conhece o assunto mostra como escritores profissionais lidaram com o problema na busca por soluções de comunicação. Ele tem poder suficiente para contribuir com aquele candidato em apuros. Tendo recebido uma missão, não pode se omitir. Tudo o que tem de fazer é encontrar um jeito de estar presente no próximo teste a que Júlio será submetido e agir. Agir como fizeram alguns escritores para aprimorar a qualidade de seus textos e obter aprovação do leitor.
– Você precisa agir. Não pode recuar – advertiu o seu mentor.
– Sim, agir. Não sei se tenho segurança para isso. Nunca soube de alguém que… – o substantivo respondeu, ainda indeciso.
– Nunca soube de alguém que… tenha feito isso?! Essa é a sua insegurança?! Pois vou mostrar alguns exemplos. Isso é tudo o que tem de fazer. Quem sabe você repensa a sua atitude.
O substantivo se manteve intacto. Era uma escultura, alguém petrificado, olhando para o chão. Ele esperava o que não pretendia ouvir. Em alguns momentos, dizem, a ignorância é uma bênção.
– Veja o caso do escritor Georges Simenon. Um dia, numa entrevista, ele falou de palavras que corta em seus textos. Corta adjetivos. Corta advérbios. Corta todas as palavras que estão lá apenas para causar efeito. Mas não mencionou nada sobre cortar substantivos.
– E o que devo fazer? – perguntou o substantivo.
– Primeiro, você precisa saber que os bons profissionais gostam de substantivos. Gostam de você. Pense no Ernest Hemingway. Ele reescreveu trinta vezes o último capítulo de Adeus às armas. Cortando substantivos? Não, ele não faria isso. Era um jornalista e escritor premiado, morador de um mundo onde a objetividade é o que conta. Então vamos, coragem! Vista a armadura de Simenon e de Hemingway e vença o monstro das palavras imprecisas e escorregadias como o adjetivo. Lute. Você pode! E saiba que estou aqui.
E mais não disse. Apenas afastou-se, fechou a porta atrás de si e foi embora.
Decidido a encarar o desafio, o propósito do substantivo se torna vital. Não sendo cumprido, ele ficará desacreditado por não desempenhar sua missão de reverter a história da vítima e salvá-la.
Seu antagonista é o adjetivo, impreciso, que informa sem qualquer objetividade. Ele quer fazer valer a sua regra de conduta, inclusive com base na lei do menor esforço – várias palavras podem qualificar uma caneta, mas apenas a expressão caneta a define com precisão. E isso livra qualquer um do trabalho de pensar e buscar a palavra exata para cada ideia expressa. Mas também o condena a uma eterna reprovação.
O substantivo enfrenta desafios, porque nem todos aceitam o trabalho de procurar a palavra exata, preferindo a gordura do texto. Ele chega mesmo a pensar na possível desistência da sua missão. Seu grande conflito é a experiência de omissão que viverá se desistir. Sabe que não se perdoará por essa atitude que compromete a vida do outro. E que será duramente questionado pelo seu mentor.
A luta do substantivo é silenciosa. Mas ele não está sozinho nessa jornada. A seu favor, conta com o poder de se transformar em uma mosca. E faz aquilo que tanta gente desejou fazer um dia: estar onde parecia ser impossível pelos meios convencionais. Na hora do novo teste, ele pousa no ombro de Júlio sem que ele perceba. A cada nova pergunta, anula os exageros do adjetivo e sua vontade descontrolada de roubar a cena e o coloca no seu lugar – existe lugar para todos. Era uma voz silenciosa, o “ponto eletrônico” daquele profissional em busca de um novo espaço na carreira. E conduziu todo o processo de seleção, dando uma nova oportunidade a quem desconhecia o assunto, indispensável naquele momento.
Com um grau mais elevado de evolução, depois de todo o seu esforço para provar que é essencial na comunicação, o substantivo finalmente coloca o adjetivo no seu devido lugar: qualificar ao invés de definir.
A batalha termina. Júlio conquista o seu espaço e celebra a aprovação que não obteve inicialmente. De volta de sua luta, o substantivo mostra o resultado obtido aos demais elementos gramaticais do lugar onde mora, um grande livro, construído com 400 páginas. Participando de um encontro, ele dá um testemunho convincente. Festeja com Júlio e convida a todos os humanos para contar com ele na comunicação, sempre que a objetividade for um item essencial. Afinal, como disse, existe lugar para os dois, desde que um não queira ocupar o lugar do outro. E, mais importante: agora existe um novo espaço para a vida de Júlio.
Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]