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A tarefa de revisar um texto significa um mergulho profundo na busca pela qualidade | Rubens Marchioni

EM GERAL, NÃO gostamos de pensar que algo, feito por nós, tem algum traço de imperfeição. E revisar significa aceitar a ideia de que a versão inicial ainda pede melhorias. Mas isso não acontece por acaso. É indispensável, antes de tudo, estar envolvido por um profundo senso de autoexigência. Não foi diferente com Walter Clark, autor do conhecido padrão global de televisão, ao assumir como filosofia de trabalho a ideia de que “O melhor é o melhor”. Deu certo. Plim-plim. 

Você aceita o desafio? Então comece por uma primeira leitura, mais atenta, para verificar se os pensamentos estão coesos e se existe coerência entre uma ideia e outra. Conceitos bem costurados resultam numa trama que não se esgarça sob qualquer pretexto. Como escritor, você serve melhor ao seu leitor. Sem contar que fica livre de críticas e avaliações ruins, coisas que podem comprometer um grande projeto, como um TCC, uma dissertação, um relatório ou coisa assim. Nada recomendável para o mundo acadêmico ou corporativo.

Terminada a primeira leitura, tudo se encaixa? O texto não apresenta lacunas que podem comprometer sua compreensão? Ótimo. Siga em frente, agora com uma pinça na mão. Isole e olhe para cada palavra que aparece nesse grande mosaico. Perceba que nem toda palavra serve. Apenas aquela que é exata, que não dá margem para dupla interpretação. Seja claro, específico. Uma frase com sentido vago tende a ser interpretada de qualquer maneira. E cuidado: a vítima, nesse caso, pode ser você. Afinal, em algumas situações, a sua intenção não conta, de nada serve o que você quis dizer, mas apenas o que disse efetivamente. Sabe como fazer isso? Tudo vai depender do uso que você faz da palavra, por exemplo.     

Falo de palavras com sentido exato, preciso. Mas, também, de ideias enxutas. Para isso, fuja da tentação de carregar no uso do adjetivo, considerado a gordura do texto, atributo que nem ele deseja ter nestes tempos em que ser fitness é fundamental. Substantivo informa, como bem mostram os anúncios classificados, espaços minúsculos dentro dos quais deve caber um carro, um imóvel etc. Adjetivo não informa. Substantivo convence. Adjetivo, não. Substantivo é objetivo – a caneta é esferográfica. Adjetivo é subjetivo – a caneta, esferográfica, que eu acho bonita, pode não agradar tanto ao seu padrão estético. Fica a minha palavra contra a sua. A conta não fecha. 

Sobre a escolha de palavras etc., aprenda com o escritor Georges Simenon, que escreveu seu primeiro romance, Au Pont des Arches, aos dezessete anos. Perguntado sobre como ele foge de um estilo que considera “literário demais”, ele diz que corta certos tipos de palavras: adjetivos, advérbios e todo tipo de expressões que estão lá só por si mesmas e para fazer efeito. Por fim, abra espaço em seu trabalho de escritor para o milagre da leitura em voz alta. E se surpreenda com as revelações que ela faz ao escancarar frases muito longas e formas de sonoridade que seriam banidas por um bom âncora de telejornal ou pelo narrador de um documentário de qualidade.

Depois de escrever como artista, leia com ouvidos de maestro, como se tivesse acabado de produzir um texto para a televisão.


Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]