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Como se cria uma editora | Contexto no Valor Econômico

Por Joselia Aguiar, para o jornal Valor Econômico

Jaime Pinsky tinha 7 anos quando assistiu a uma cena de horror. De família de judeus vindos da Europa às vésperas da guerra e instalados em bairro operário de Sorocaba (SP), viu quando a cavalaria do Exército avançou em direção a manifestantes de uma greve. Ao menino assustadíssimo, um tio explicou: é um “pogrom”.

A palavra, que escutava em casa nos relatos sobre os ataques antissemitas do pré­-nazismo, o fez compreender a questão que o acompanharia em sua trajetória como professor, editor e autor. “Perseguição é horrível para todos os que a sofrem”, diz, aos 75 anos, na sala que ocupa em sua editora , a Contexto. Ele está à frente de um catálogo de 500 títulos predominantemente de história, jornalismo, geografia, educação e língua portuguesa.

Jaime Pinsky
Pinsky está à frente de catálogo de 500 títulos
predominantemente de história, geografia,
educação e língua portuguesa

Não foi a lembrança do “pogrom” operário que o levou a decidir estudar história. Um acidente vascular do pai o fez assumir cedo, em Sorocaba, novas atribuições na loja da família. Ali, a faculdade não oferecia ciências sociais, curso que pretendia ingressar na USP, na capital, para onde poderia se mudar, ao menos por um tempo.

O futuro historiador conheceria, naqueles anos, ângulos sensíveis do comércio. Na loja se vendia de tudo, de sutiã a colchão. Nos fundos, operários faziam reuniões políticas. Certo dia perguntou ao pai, que não tinha envolvimento com tais discussões ideológicas, por que os deixava se encontrar ali. Escutou como resposta: “Eles não têm outro lugar”. Abrahão Pinsky é hoje nome de rua em Sorocaba. Não cobrava dos clientes que acumulavam dívidas. Justificava ao filho: “Se não pagam é porque não podem”.

Uma bolsa de estudos em Jerusalém o permitiu aprofundar­-se em história antiga. Na volta, foi convidado a lecionar em Assis, então embrião da Unesp. Aos 27 anos, doutorou-­se com uma tese que, refletindo o clima político da época, criticava a historiografia burguesa da Antiguidade. Tornou-­se professor da USP. Da história judaica partiu para o nacionalismo judaico, chegou à questão nacional em geral e a grupos minoritários. Seguiu para racismo e escravidão e, depois, preconceito e cidadania. Também ajudou a criar revistas influentes no meio acadêmico: “Debate & Crítica”, “Anais de História”, “Contexto”.

Contratado pela Unicamp, onde ficou até se aposentar, logo acumularia um posto que mudou seu percurso: o de diretor­-executivo da editora que então ajudava a montar com oito professores. “Ninguém entendia nada de editora. No meio da ignorância, acharam que eu era o que mais sabia.”

Uma editora universitária tem o desafio de, ao oferecer títulos não comerciais, permanecer no azul. “Conseguimos que a editora se pagasse.” O conselho editorial escolhia os melhores títulos de especialistas, mas era preciso estipular a medida exata das tiragens: entre 300 e 500 exemplares, não mais. Teses com maior interesse chegavam a 2 mil. Com a troca de reitor, deixou a função com o novo caminho em vista. “Pensei: ‘Se com o sistema burocrático da universidade funciona, sou capaz de tocar esse negócio, gosto disso e sei fazer.”

Em 1987, abriu a Contexto, mesmo nome de uma das revistas que ajudara a fundar. Convidou colegas para sócios. A ideia inicial era fazer uma cooperativa. Em um projeto de R$ 100 mil, cada um entraria com R$ 10 mil, se fossem dez. “O pessoal arregou”, diz rindo. Para um professor, parecia arriscado demais. “Foram saindo de fininho.” Pinsky vendeu um terreno e, com bem menos capital do que planejara, começou as atividades dentro da casa onde vivia, na praça Panamericana. A direção ficava no escritório. A revisão, em uma sala dos fundos. Na sala de visitas, a composição. A garagem servia de recepção e secretaria. O depósito se distribuía pela sala de jantar. A família não se incomodou com a reviravolta. Hoje, dois filhos, Luciana e Daniel, integram com ele o comando de uma equipe de 20, somando todos os departamentos.

De início, a nova editora concentrou-­se em paradidáticos de história, geografia, língua portuguesa e literatura infanto­-juvenil. Essa última linha era dirigida por Mirna Pinsky, sua primeira mulher, autora premiada da área, que incluiu crianças no conselho editorial, novidade na época. Livros publicados nos primeiros anos ainda permanecem em catálogo, como “A Coesão Textual” e “A Coerência Textual”, ambos de Ingedore Villaça Koch, que somam 100 mil exemplares vendidos. Entre os mais longevos, há títulos como “100 Textos de História Antiga”, organizado por Pinsky. “Parei de contar. Certamente [foram vendidos] mais de 150 mil.”

O maior sucesso editorial deveu-­se a uma incursão pelo segmento dos didáticos. No começo dos anos 1990, foi procurado por três professoras de matemática que haviam preparado, por solicitação do governo, o programa da disciplina para todo o Estado. Não dava para resistir à oferta. Teve de fazer empréstimo no banco. Cada um dos quatro títulos, da primeira à quarta série, custava US$ 80 mil para ser produzido, dado o alto preço do fotolito e impressão a quatro cores. Para divulgar o projeto, enviou cartas aos professores de matemática de toda São Paulo conclamando-­os a adotá­-lo. Em quatro anos, ultrapassou a marca do 1 milhão vendido. “Alavancamos a editora, mas não tínhamos como continuar, chegaram as multinacionais e essa área se tornou inviável para uma editora pequena.”

Entre os projetos atuais, Pinsky destaca a coleção Povos e Civilizações, escrita por historiadores e jornalistas. Já saíram 13, como “Os Chineses”, de Cláudia Trevisan, e “O Mundo Muçulmano”, de Peter Demant. “Todos vendem bem.” A Contexto também aposta nos livros de utilidade e formação, com recomendações e dicas –­ um dos lançamentos recentes é “Para Escrever Bem no Trabalho : do Whatsapp ao Relatório”, de Arlete Salvador.

Instalada há oito anos na sede atual, a Contexto crescia num ritmo de 5% a 10%. Em 2014, foi ainda maior –­ percentual que prefere não revelar. Como parte da divulgação, a editora compareceu a mais de 400 eventos no ano passado, de São Paulo a Garanhuns (PE), de grandes bienais a feiras de livros, eventos de grande ou pequeno porte. “Não fazemos as contas para ver se vai dar lucro ou não. O nosso compromisso com o autor é fazer seu livro circular.”

Com a crise, diz que as vendas diminuíram, e também as margens de lucro, pois os insumos estão vinculados ao dólar. “Não há margem em casos como o nosso. A gente trabalha com intelectual, ou seja, autor e leitor que é de universidade.” Um dos melhores compradores da editora é, segundo explica, o próprio “mailing”, cadastro feito espontaneamente por quem se interessa pelos lançamentos. “Anunciamos a saída do livro já com proposta de venda, com condições especiais e combo, incluindo outros títulos parecidos.”

Quando muitas editoras sofrem pela interrupção das vendas para o governo, argumenta que procuraram não depender disso. Em dezembro teve dois títulos selecionados para compra governamental, aquisição que seria de 150 mil exemplares ­– volume que, para uma editora pequena, “é parte considerável” das vendas totais. Um deles é “História da Cidadania”, organizado por Pinsky e sua mulher, a também historiadora Carla Bassanezi, e “Diáspora Negra no Brasil”, por Linda M. Heywood. “São livros importantíssimos, de um projeto especial ligado a preconceito racial e social.”


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