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Como sair da crise – Jaime Pinsky

A privatização do dinheiro público – para usar um eufemismo – promovida pelo mensalão e pelo saque à Petrobrás vem sendo apontada como responsável por mudanças no comportamento do brasileiro nos últimos tempos. Não que alguém possa justificar a instrumentalização do Estado a favor de um grupo, mesmo que sob o falso argumento de dar conta de um ideal distributivista. Parece, contudo que, animados por sua própria retórica, muitos colunistas estão confundindo alhos com bugalhos, chegando ao cúmulo de erigir torturadores como paladinos da democracia e explicar a falta de solidariedade da sociedade contemporânea como decorrência de atitudes de políticos e de empresários responsáveis por grandes obras. Isto não é verdade. A irresponsabilidade de grande parcela do povo brasileiro com relação ao coletivo tem a ver, antes, com o pecado original ainda não superado, aquele que opõe povo e Estado, um não se sentindo representado pelo outro e o outro não se sentindo responsável pelo um…

Além disso fomos atingidos em cheio – por não termos desenvolvido defesas apropriadas – pela globalização, da forma como ela se deu: criando necessidades de consumo em escala mundial (todos “precisamos” ter iPhones de última geração, automóveis superequipados, jeans de marca, etc, do contrário seremos infelizes, muito infelizes).

A mudança de valores vem ocorrendo paulatinamente, mas com nitidez, para quem quer enxergar. A cultura do ter, o culto ao produto novo, está presente em todos, no mundo todo. O compromisso com o país, a “responsabilidade” para com os menos privilegiados, é coisa do passado, de uma sociedade que acreditava na utopia, gente dos anos 70, no máximo 80. Em vez dos estudantes que queriam mudar o mundo e se recusavam a tomar refrigerantes de multinacionais, hoje os universitários se manifestam pelo direito de fazer festinhas no campus, de celebrar  acordos com industrias de cerveja, que aproveitam a falta de idealismo dos jovens para criar novas gerações de dependentes de álcool. O Zé Dirceu tem culpa disso?

No período das eleições os ânimos se acirram, notadamente quando as pessoas, por conta da facilidade que as mídias sociais propiciam. Ao contrário do que seria aconselhável, lê-se pouco e se escreve muito, o que equivale a pensar pouco e falar bastante. Na verdade, nem se lê tão pouco: Lê-se mal, notas rápidas, superficiais, mal construídas, sem causas nem consequências, e, frequentemente, acredita-se nelas. Como -já dizia minha tia Ana – quem fala o que quer ouve o que não quer: amizades reais são desfeitas por plataformas virtuais, colegas brigam via facebook, famílias se desestruram via twiter, namorados fazem caretas pelo instaram. Claro, há posições inconciliáveis, por vezes e bom conhecer melhor o que pensam as pessoas próximas, mas o clima de torcida organizada não esclarece nada, rotula todo mundo, exagera defeitos dos adversários e virtudes dos partidários. Não superaremos a crise no Brasil ofendendo os outros. Só faremos isso construindo algo novo. Com uma reforma educacional corajosa que não fique no papel, com apoio a quem produz e emprega, com mudanças nas relações trabalhistas de origem fascista que ainda mantemos, com a modernização e manutenção de portos, aeroportos, estradas. Mas nada disso acontecerá sem que se supere a crise política.

E crise política só se supera politicamente. Mas como acreditar na possibilidade disso acontecer no Brasil de hoje? Estará escondida no Congresso uma geração de deputados e senadores, obnubilada pelas velhas raposas, disposta a realizar no seu âmbito o trabalho que jovens promotores e juízes estão realizando de forma desassombrada, a ponto de provocar a admiração da maioria da população? Estarão aguardando o desenrolar dos acontecimentos para dar sinal de vida estes futuros condutores da nação, desde já dispostos a, efetivamente lutar pelo país, não por seus interesses pessoais?

Que apareçam. Que mostrem mãos limpas, dispostas a assim permanecer. Que estejam dispostos a viver confortavelmente, mas sem luxos excessivos, que se satisfaçam com aviões de carreira, com carros sem motoristas (ou com motoristas compartilhados), que não se sintam obrigados a resolver os problemas econômicos das duas gerações seguintes, que sejam dotados de espírito público.

Vocês existem? Então apareçam. E ousem.

Vocês terão nosso apoio.


Por Jaime Pinsky, historiador, professor titular da Unicamp, diretor da Editora Contexto, autor de Por que gostamos de história, entre outros livros.

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