No final do século XX acreditava-se que a instituição da nação estava com os dias contados. A economia, internacionalizada havia muito tempo, ficou mais supranacional com a entrada da China. Para a montagem de um carro as marcas passaram a ter fornecedores de dezenas de países. A globalização avançava. Viagens internacionais, antes um privilégio de poucos, se popularizavam, alcançando até classes menos abastadas de muitos países. O inglês, que já era ensinado nas escolas, adquiriu o status de língua franca internacional. Nas universidades importantes, os pesquisadores passaram a publicar em inglês, com o que estabeleceram diálogo frutífero com congêneres do mundo inteiro. A Europa optou por unificar-se, não sob o tacão de qualquer ideologia, mas por interesse econômico e cultural, já que o próprio sentimento de identidade nacional começou a fraquejar. Cidadãos “do mundo” passaram a substituir brasileiros e americanos, russos e chineses. A identidade nacional e a própria instituição da nação pareciam correr risco de desaparecer.
Mas isso não aconteceu. Se, de um lado, a globalização avançava, de outro começou a se desenvolver uma antiglobalização. Motivos ou pretextos não faltaram para estimular esse sentimento e a consequente prática política: a desindustrialização e seu efeito imediato, o desemprego; a real ou suposta defesa dos valores culturais específicos de uma nacionalidade, sejam eles uma língua, uma forma de fabricar queijo, ou de preparar falafel; a prática de segregação feminina, a pretexto de defesa de uma cultura religiosa particular, considerada merecedora de respeito; a manutenção de governos autoritários e antidemocráticos, justificados como estrutura de resistência a valores internacionais “destinados a acabar com nossa identidade”… Entre desculpas esfarrapadas, mentiras descaradas, alianças políticas e econômicas vantajosas e até raros casos de luta nacional justificável, avançou a antiglobalização, o velho sentimento nacional e até um renascimento tardio da antiga primavera das nações.
Confusos com todo esse movimento, jornalistas, homens de negócio, diplomatas e até intelectuais têm dificuldade em entender o que aconteceu e está acontecendo nesse reflorescimento das nações, no ressurgimento do sentimento nacional, num discurso de liberdade que, muitas vezes, é chauvinista e preconceituoso, na luta territorial que, frequentemente, vai beneficiar apenas uma pequena camada de cidadãos, mas é apresentada como guerra de libertação nacional. Este livro explica o que aconteceu, o que está acontecendo e o que pode ainda acontecer com as nações e o nacionalismo. Vale a pena lê-lo com atenção.
Texto de Jaime Pinsky – historiador, doutor e livre docente da USP, professor titular da Unicamp, autor e organizador de 30 livros, inclusive História da cidadania (Contexto)
Florian Bieber é professor de História e Política do Sudeste Europeu e diretor do Centro de Estudos do Sudeste Europeu da Universidade de Graz, na Áustria. Atuou na Universidade de Cornell, nos EUA, no Remarque Institute da NYU, também nos EUA, e na London School of Economics, no Reino Unido. É presidente da Association for the Study of Nationalities (ASN), organização acadêmica dedicada à promoção do conhecimento e compreensão dos estudos de etnicidade, conflito étnico e nacionalismo, com foco na Europa Central, Leste e Sudeste Europeus, Rússia, Ucrânia, Cáucaso e Eurásia. É autor e editor de vários livros voltados sobre temas relacionados a construção de nações, minorias e democracia.