Fechar

As disputas se intensificam | D. Pedro e o Dia do Fico

Estavam lançadas as sementes que resultariam na independência e na forma pela qual ela se realizaria. As elites locais, diante da dificuldade em manter um governo com expressivo grau de autonomia, começavam a expressar a vontade de se separar do reino europeu através de uma aliança com o príncipe herdeiro da Coroa lusitana.

As disputas se intensificam | D. Pedro e o Dia do Fico elites

Depois de desobedecer às ordens de retornar a Lisboa, D. Pedro provavelmente se preparava para um inevitável confronto com as Cortes. Sua decisão de convidar Bonifácio para o ministério indica a disposição do príncipe de se aliar à elite local na defesa de um governo autônomo dirigido por ele na América. Bonifácio parecia o nome mais adequado para integrar esse governo. Pertencia à elite nativa e conhecia de perto os meandros da Corte, em função de longa permanência em Portugal. Para lá fora com o propósito de estudar na Universidade de Coimbra, como era comum entre os filhos da elite luso-americana. Mas depois de formado, permaneceu no reino, onde construiu uma sólida carreira científica, especialista que era em mineralogia, ocupando vários cargos na burocracia portuguesa. Só retornou ao Brasil com 59 anos, nas vésperas da Revolução do Porto.

Ao recorrerem ao príncipe, as elites brasileiras esperavam garantir seus interesses e, ao mesmo tempo, minimizar o risco de um abalo maior da ordem interna. Pois se acaso se tornasse inevitável, a separação de Portugal seria então comandada pelo governo instalado no Rio de Janeiro sob as ordens de D. Pedro, buscando-se evitar uma guerra, além da consequente mobilização da sociedade. Era a mudança com ordem que se adequava bem às expectativas da elite luso-americana.

Diante do impasse com os deputados portugueses, começou a ser implementada no Brasil, à sua revelia, a proposta de um governo local autônomo. Bonifácio tomou para si a tarefa de organizar um órgão legislativo para elaborar as leis de interesse específico do Brasil: significava a firme disposição de não perder a capacidade de tomar deliberações nos assuntos locais. Em 17 de fevereiro de 1822, foi convocada a Junta de Procuradores das Províncias.

A convocação expôs, porém, o fato de que, se as elites locais estavam unidas no enfrentamento do projeto defendido por Lisboa, isso não impedia as divergências internas nem as disputas pelo poder. Havia, de um lado, o risco de que as distâncias e as diferenças entre as províncias resultassem na fragmentação da América portuguesa em vários países, uma vez proclamada a independência. De outro, não havia consenso sobre como deveria se organizar o governo na América. Os fluminenses, liderados pelo oficial maior da contadoria do arsenal do exército, Gonçalves Ledo, pelo juiz de fora José Clemente Pereira e pelo padre Januário da Cunha Barbosa, membros da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, defendiam que, a fim de tratar dos assuntos específicos da América portuguesa, deveria ser convocada a “constituinte brasílica”. A convocação da junta de procuradores foi considerada uma alternativa conservadora, o que gerou críticas a Bonifácio. Este temia que a convocação de uma constituinte causasse uma grande mobilização e que, com isso, o governo perdesse o controle dos acontecimentos.

A divergência entre ele e o grupo de Gonçalves Ledo se revelaria uma disputa entre projetos políticos. Enquanto Bonifácio advogava um governo com um Executivo forte, Ledo queria que o Parlamento, no interior do qual os diversos setores da elite estariam representados, concentrasse a maior parcela de poder. A vinda da Corte, o envolvimento na Revolução do Porto e, posteriormente, na independência e no processo de construção do Estado nacional corresponderam ao processo em que se forjou a elite política brasileira. A maioria dos seus membros era proveniente da elite econômica – grandes fazendeiros, comerciantes e traficantes de escravos. Mas havia também padres, militares, profissionais liberais, como jornalistas e advogados, magistrados e homens de letras. Compartilhavam a defesa de um regime liberal e eram, em sua maioria, defensores da ordem escravista, mas havia também divergências.  Entre elas, a forma como deveria se organizar o governo na América e, depois da independência, a monarquia (como se verá nos próximos capítulos). As diferenças econômicas, geográficas, de costumes entre as províncias também geravam demandas que não eram coincidentes entre si. O Parlamento deveria ser, na concepção dos defensores de uma constituinte, a instância na qual diferentes interesses e projetos políticos seriam negociados.

Explicitavam-se, nesse momento, as diferenças entre os diversos membros da elite luso-brasileira que se articulava em torno de D. Pedro para resistir aos portugueses do outro lado do Atlântico. D. Pedro acabou cedendo ao grupo de Gonçalves Ledo, que fazia intensa campanha pela imprensa e havia recolhido no Rio de Janeiro 6 mil assinaturas a favor da convocação da Constituinte. Em abril já se tratava no Brasil de organizar cortes constituintes próprias. Resultado da capacidade de mobilização e pressão daqueles que a defendiam, mas também porque a radicalização dos acontecimentos fizera com que a proposta da constituinte brasílica fosse afinal encampada por D. Pedro.

Apenas em agosto chegou a Lisboa a notícia da convocação da assembleia brasileira. A essa altura, qualquer saída conciliatória parecia inviável. No dia 26, diante da notícia, os deputados paulistas solicitaram formalmente seu afastamento das Cortes lisboetas, por não se considerarem mais representantes de sua província, agora em clara dissidência com Portugal. Compreendiam que o diálogo não era mais possível e a separação mais que provável, não vendo, portanto, sentido em continuar participando das Cortes. A comissão encarregada de examinar o pedido de afastamento, porém, recusou-o.

No final de setembro, sem ainda saberem dos últimos acontecimentos no Brasil, onde a independência havia sido proclamada no dia 7, a nova Constituição elaborada pelas Cortes foi jurada, mas alguns deputados brasileiros, entre eles Antônio Carlos, Diogo Antônio Feijó e Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, recusaram-se a fazer o juramento e assinar a Constituição, fugindo então para o Brasil. A recusa em jurar a Constituição e a fuga de Portugal foram explicadas por Vergueiro em uma carta na qual afirmava explicitamente que o problema estava no desenho institucional da nova monarquia:

Examinei nos próprios indivíduos a vontade geral ainda antes de saber que me havia de ser tão necessário conhecê-la e, observando que no meio do entusiasmo com que o Brasil aderiu ao sistema proclamado no sempre memorável dia 24 de agosto não se meditavam os laços que deviam unir entre si e ao reino irmão povos tão dispersos, notei que as tumultuosas ideias que se produziam rolavam sempre sobre estes princípios fixos: integridade do Brasil e representação de Reino tanto em nome como em fato. Donde era óbvio concluir que o Brasil só ficaria unido a Portugal por federação.

No próximo poste iremos falar sobre Ruptura. Para saber tudo sobre o Brasil Império , não deixe de ler o livro da historiadora Miriam Dolhnikoff – História do Brasil Império

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.