Na aurora da cultura ocidental, Platão elabora sua filosofia por meio do registro escrito de diálogos. Num desses diálogos, ocorre a interação verbal entre Sócrates e o jovem matemático Teeteto a respeito do que é o conhecimento. Para Sócrates, temos a capacidade de conhecer o que está à nossa volta, o que quer dizer que as coisas não são o que elas são por um mero acaso, ou seja, tudo é determinado por causas que nós podemos descobrir. Num debate, é possível, assim, decidir se uma posição sustentada é preferível, ou mais verdadeira, que outra. Apenas na medida em que pudermos escolher, de forma justificada, uma posição em detrimento de outra é que se pode falar de conhecimento.
Como se chega ao conhecimento é a pergunta que surge naturalmente. Platão funda o método chamado maiêutica, ou seja, é por meio da confrontação, no contexto do diálogo, de posições antagônicas, a qual permite exercer a faculdade da razão, que alcançamos a verdade. Esse embrião da nossa ciência funciona, de fato, como um programa de investigação que funda o ocidente. Antes disso, só se conheciam dois tipos de autoridades com o poder de distinguir o que é e o que não é verdade: a religiosa e a político-militar. Com o exercício da razão, estabelece-se a autoridade intelectual que se constitui na confrontação do diálogo. Nesse sentido, qualquer um pode deter a verdade se souber argumentar racionalmente e convencer seus interlocutores nos fóruns públicos.
Munidos das ideias que acabamos de resumir, vale a pena trazer a discussão para os nossos dias e nos perguntar a respeito do papel da oralidade e da escrita após a invenção da internet e das redes sociais virtuais. Como se sabe, o tema é bastante amplo e mereceria dezenas de pequenos textos como este. O roteiro para nossa discussão pode ser a pergunta seguinte: com base no que propõe o filósofo grego, como caracterizar a interação que observamos entre internautas, a qual constitui o que de mais original aconteceu nas relações humanas na contemporaneidade, com consequências que não cansam de nos surpreender e que mal começamos a tentar compreender?
Vários aspectos podem ser destacados no desenvolvimento dessa tarefa. Vamos falar um pouquinho de somente um deles colocando a questão seguinte: a interação nas redes sociais configura um debate nos moldes racionais que, como semeou Platão, pode nos levar ao conhecimento?
Para falar apenas de uma tendência, parece-nos que o saber produzido hoje em dia nas interações das redes sociais não é conhecimento no sentido grego já que as condições para tanto não se verificam. Para justificar nossa resposta, precisamos também levar em consideração que vivemos numa época, qualificada por muitos de pós-moderna (LIPOVETSKY (2005)), na qual surge uma subjetividade que tenta se abster da transmissão geracional de saberes e valores, pretendendo fundar-se a si mesma. Um das consequências desse fenômeno é a de nos empurrar para uma noção de verdade bastante relativizada, ou seja, o que é verdade depende de quem a pronuncia e com que intenções. A noção de pós-verdade, que apareceu recentemente, ilustra de forma bastante clara a época em que vivemos.
Não parece haver assim, na contemporaneidade, favorecimento de diálogo da forma como é proposto por Platão. O que se vê assim é que, nas trocas das redes sociais em que ocorre uma disputa sobre um tema qualquer, a argumentação não é de fato desenvolvida ou confrontada já que cada internauta se encastela em sua posição; não reconhece a legitimidade ou alguma relevância na posição do outro, o que se estende para a própria pessoa que emite uma posição; e não busca de fato um ponto objetivo que todos possam compartilhar. Essas posturas são esperadas e compatíveis com a mentalidade pós-moderna. Ora, não tem sido primordial estabelecer, além das contingências de cultura, tempo, espaço, interesses pessoais, etc., a universalidade, o que caracterizaria, de acordo com Platão, a busca do conhecimento verdadeiro.
Para concluir, e não querendo encerrar o texto sendo inteiramente pessimista, podemos pensar, por outro lado, que estamos vivendo uma época em que surge uma nova forma de produção de conhecimento ainda não inteiramente explicitada. A pulverização, a multifocalização e a disponibilização universal de informações poderá gerar intuições ou sínteses mais abstratas sobre a produção do saber, levando-nos a agir ou propor soluções de alcance social ainda inimagináveis.
Referências:
- LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio. Barueri: Manole, 2005.
- PLATÃO. Teeteto. Belém: UFPA,1973.
Lorenzo Vitral Professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG); mestrado em Linguística pela UFMG; doutorado em Linguística pela Université Paris VIII; pós-doutorados em Linguística na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Université Paris Diderot. Autor e organizador de livros e diversos artigos em veículos nacionais e estrangeiros.