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Aqui, a ordem é vencer | Rubens Marchioni

Posso ver sua imagem se aproximando. Ela chega como um soldado valente e cheio de determinação. Sabe que a ordem é vencer. Impossível pensar em relativizar sua força. O inimigo é invisível. Mas essa guerreira saberá encontrá-lo onde estiver. E vai destruí-lo. Mesmo que ele se transforme e revele facetas inimagináveis. É bom lembrar que outras 48 estão em teste e, espera-se, logo mais se juntarão àquelas que hoje lutam no campo de batalha. A regra é vencer. Ou vencer. 

Junto da máscara, das mãos limpas e do distanciamento social, a vacina contra a Covid continua sendo a melhor alternativa para nos proteger. Projetada para isso, ela interrompe a circulação do vírus de maneira controlada e sustentada. Mas para que essa meta seja atingida é indispensável que uma parcela significativa da população seja vacinada. Só assim o Sars-CoV-2 morrerá desamparado, ao não encontrar hospedeiros que o acolham.  É quando se verificará uma redução drástica no número de pessoas infectadas. Ponto para nós.

Felizmente, a vacina contra a Covid venceu a barreira do tempo. Isso é motivo de celebração. No entanto, nem todos estão certos de que as reações adversas realmente foram medidas. A desconfiança não procede. Até agora, os resultados percebidos são positivos o suficiente para que se possa confiar na sua eficácia. A vacina representa uma proteção, disso ninguém duvida.

Mas se por um lado milhões de pessoas no mundo aguardam, ansiosas, pelo momento de levar aquela picadinha no braço, também é certo que muitas o fazem com um sentimento ambivalente. Ao mesmo tempo em que desejam se proteger contra a infecção, que pode matar, elas temem possíveis efeitos colaterais. Sobretudo no Brasil, depois que certo presidente espalhou boatos bizarros como aqueles segundo os quais o imunizante pode descaracterizar o ser humano, transformando-o em jacaré. Ou que ele levaria para dentro do nosso corpo o vírus da AIDS, do comunismo e outras coisas igualmente surrealistas, como apenas uma cabeça em processo avançado de desequilíbrio mental sabe produzir. Haja paciência! 

Nesse sentido, gosto de ver quando o escritor Franz Kafka se levanta e adverte para o fato de que “Desde que alberguemos uma única vez o mal, este não volta a dar-se ao trabalho de pedir que lhe concedamos a nossa confiança”. Detalhe: ainda não inventaram uma vacina que nos proteja desse perigo. Até que isso aconteça, temos de nos defender usando a inteligência e o bom senso em doses maciças. Não, não teremos intimidade com o mal.

Digo isso porque o mal sabe tudo sobre a arte do disfarce. Por exemplo, ele se veste com as nossas necessidades mais gritantes quando a ideia é trapacear gente descuidada. Usa palavras que consideramos decisivas na luta pela vida – hoje, sua preferida é “vacina”. Inventa slogans enganosos, como aquele produzido para a família Bolsonaro, forçada pelo discurso de Lula a alardear que “Nossa arma é a vacina.”, e defendida publicamente por um tal senador, Flávio Bolsonaro, por meio das redes sociais. O merchandising é claro. Junto da palavra mágica, para nós, ele embute outra, que supervaloriza: “arma”. Ou seja, de um jeito ou de outro, mais do que uma pátria amada, devemos nos tornar uma pátria armada. Infelizmente.

A propósito do comportamento nefasto do senador, fui conversar com um homem dado à atividade genuína de pensar usando a cabeça, o historiador e filósofo Henry David Thoreau. Triste, ele lembrou que “Para cada mil homens dedicados a cortar as folhas do mal, há apenas um atacando as raízes”. A advertência fala do fato de que não podemos continuar passivos diante desse descalabro. Enquanto nos limitamos a cortar algumas folhas, superficiais, o mal se diverte estendendo suas raízes por onde quer. A pergunta insistente: seremos eternos expectadores da avalanche de mortes que esse exército miliciano e indiscreto sabe produzir? Para agir sem violência, a saída está em aprofundar a prática da empatia, da solidariedade, nos moldes do pacifista Mahatma Gandhi. Esse é o caminho mais seguro para neutralizar as forças do mal e vencer.


Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto.  https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]