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Alemanha restituirá arte saqueada à Nigéria

Contando até 500 anos e com caráter fortemente simbólico, cerca de mil Bronzes de Benim se encontram em museus alemães. Sua devolução deve marcar uma guinada no processamento do passado colonial europeu da África.

Tropas colonialistas britânicas levaram bronzes do palácio real de Benim em 1897

Objetos de arte saqueados durante ocupação colonial devem ser devolvidos a seus países de origem? Durante décadas, as antigas potências colonialistas europeias sequer consideraram essa possibilidade. Também na Alemanha, que entre 1884 e 1915 manteve o Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia), costuma-se sustentar a tese de que as peças estariam mais bem salvaguardadas nos museus nacionais do que nos locais em que foram criadas.

Nesse ínterim, contudo, questiona-se essa tese com frequência e veemência cada vez maiores. E entre os símbolos mais eloquentes do conflito estão as magníficas estatuetas e placas de bronze do antigo reino de Benim, hoje parte da Nigéria.

Em 1897, tropas coloniais britânicas saquearam entre 3.500 e 4 mil peças do palácio real da cidade de Benim. Datando de até 500 anos, elas foram vendidas entre a Europa e os Estados Unidos, e cerca de 1.100 acabaram na Alemanha, sendo 440 só para Berlim, que assim passou a ostentar a segunda maior coleção de Bronzes de Benim.

Responsabilidade histórica e moral
Atualmente as peças estão expostas em diversos museus alemães: fruto de roubo e assassinato, sua posse é legal, mas não legítima. Contudo agora essa injustiça está finalmente prestes a ser corrigida: em reunião digital convocada pela ministra da Cultura Monika Grütters, decidiu-se, que a devolução dos Bronzes à Nigéria começará em 2022.

“Nós assumimos a responsabilidade histórica e moral de trazer à luz o passado colonialista da Alemanha e processá-lo”, declarou Grütters após o encontro de que participaram museólogos e responsáveis políticos. “O destino do Bronzes de Benim é uma pedra de toque para isso.”

Em 29 de junho, a Fundação do Patrimônio Prussiano ainda apresentará a resolução formal sobre a questão, mas o ministro do Interior alemão, Heiko Maas, comentou: “O fato de se ter conseguido estabelecer um cronograma para as restituições dos objetos, junto com os museus e seus patrocinadores, é uma virada de página em nossa abordagem da história colonial.”

Mesmo que ainda haja alguns passos a serem dados, o governo federal, os estaduais e as instituições culturais trabalharam no mesmo sentido, “e vamos encontrar soluções juntamente com os parceiros nigerianos”, assegurou o chefe de pasta.

Questão de identidade nacional
O anúncio despertou contentamento na Nigéria. A devolução dos Bronzes de Benim é de significado decisivo para todo o país, afirmou à agência de notícias KNA o diretor da Comissão Nigeriana de Museus e Monumentos, Abba Isa Tijani. Afinal, “90% da população até agora nunca teve a chance de vê-los”.

Ele considera esse retorno uma admissão de que os objetos de arte foram roubados da Nigéria. Na cidade de Benim já está sendo projetado um museu onde deverão ser expostos a partir de 2024. O embaixador nigeriano na Alemanha, Yusuf Tuggar, disse tratar-se de um dia histórico.

Os Bronzes concentram grande valor emocional e se tornaram símbolo da humilhação colonial, afirmou à DW a antropóloga Nanette Snoep, do museu de etnografia Rautenstrauch-Joest, de Colônia. Mais ainda: para alguns, eles são a prova da perpetuação de estruturas colonialistas.

Por isso é importante não esquecer que a luta pela restituição foi iniciada já na década de 1970 por intelectuais africanos. “Muita gente não está consciente dos mecanismos do neocolonialismo e do racismo estrutural e institucional”, frisou Snoep. Assim como no movimento Black Lives Matter, também nesse debate a questão é, acima de tudo, identidade e pertencimento.

Fonte: DWBrasil