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Afinal, o que é ciência? | Lançamento

O que é Ciência? A princípio, essa parece uma pergunta simples de ser respondida. Todos nós acreditamos compreendê-la, até o momento em que tentamos defini-la. Experimente este exercício: defina precisamente o que é Ciência em um único parágrafo. Mais desafiador do que parece, não é?

Para tentar definir Ciência, alguns afirmarão que se trata de conhecimentos reconhecidos popularmente como científicos: Física, Química, Biologia etc. Outros dirão que Ciência é um método. Tem gente que irá definir Ciência como aquilo que possui “comprovação”, e assim por diante. Mas o fato é que cada um traz consigo uma percepção bastante subjetiva (e frequentemente reducionista) do que é Ciência.

A palavra “Ciência” tem origem no latim scientia, que significa conhecimento. Mas essa tradução literal não abarca completamente o amplo espectro do que a Ciência realmente representa. Mais do que isso, Ciência se refere a um grande empreendimento coletivo da Humanidade, que organiza nossos conhecimentos e predições sobre o Universo. Esses conhecimentos são obtidos, confrontados e atualizados por meio de um método próprio (falaremos mais sobre ele no capítulo “Como a Ciência sabe o que ela sabe?”), transparente e apoiado em um ceticismo organizado, que nos ajuda a reduzir as incertezas que temos sobre o mundo que nos cerca.

Além disso, esses conhecimentos são analisados e interpretados de modo contextual à luz do ecossistema científico existente.

De modo simplificado, a Ciência pode ser vista como um par de óculos que aprimora a nitidez da nossa visão da realidade, melhorando nossa capacidade de registrá-la e, até mesmo, de modificá-la com mais precisão.

Veja bem, para boa parte de nós, as evidências científicas não são um fator determinante no momento de tomar alguma decisão pessoal. Escolher o carro que vai comprar, preparar o seu almoço ou decidir com que roupa vai trabalhar são decisões que fazem parte do dia a dia e que, em geral, são tomadas com base no senso comum.

O senso comum é acumulado ao longo da vida de cada um de nós e acaba sendo transmitido de geração em geração. É um tipo de conhecimento não científico, formado pelas nossas impressões subjetivas sobre o mundo, fruto das nossas experiências pessoais. Soma-se a isso o conhecimento proveniente de nossos antepassados, de acordo com as suas próprias experiências subjetivas. Embora não seja científico por natureza, o senso comum pode ser útil. Aquele truque especial que você aprendeu, por tentativa e erro, para fazer um misto-quente perfeito, por exemplo, ou o hábito adquirido dos seus pais de escovar os dentes após as refeições são exemplos de decisões acertadas, baseadas no senso comum.

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Embora esse seja um tipo de conhecimento popular e prático que nos orienta no dia a dia, por não ser testado, verificado ou analisado por uma metodologia científica, permanece com um alto grau de incerteza sobre a sua validade. Ou seja, é um conhecimento tradicionalmente bem aceito, que pode ou não estar correto ou em consonância com a realidade. Por exemplo: o senso comum nos diz que tomar leite com manga faz mal. Trata-se, contudo, apenas de um mito, assim como muitos outros, ensinados e perpetuados pela força da tradição e da crença, tal qual afirma Tolstoi em sua obra Uma confissão:

“Sei que a maior parte dos homens raramente são capazes de aceitar as verdades mais simples e óbvias se essas os obrigarem a admitir a falsidade das conclusões que eles, orgulhosamente, ensinaram aos outros, e que teceram, fio por fio, trançando-as no tecido da própria vida.”

É claro que a maioria das pessoas reconhece também que a Ciência é importante e necessária, mas ainda assim temos dificuldade em abrir mão das nossas crenças e do nosso senso comum, mesmo quando necessário. Tendemos a nos manter fiéis àquilo que “testemunhamos com nossos próprios olhos”. E essa é a nossa maior fragilidade: nós não enxergamos bem probabilisticamente e, por esse motivo, precisamos dos óculos da Ciência.

Confiar nos “nossos olhos” – na nossa percepção pessoal – é um processo natural e compreensível, uma vez que essa é a ferramenta com que somos equipados “de fábrica” e que nos ajudou a sobreviver até aqui ao longo da nossa evolução enquanto espécie. Mas todos nós temos essa dificuldade em enxergar a realidade sem as lentes da Ciência. Se ignorarmos essa limitação, corremos o risco de dirigir com a visão prejudicada e nos acidentarmos sem nem saber o que nos atingiu.

Infelizmente não é tarefa fácil resolvermos esse conflito entre a nossa experiência pessoal e aquilo que as evidências científicas nos apresentam. No exemplo que estamos ilustrando, saber dirigir é importante. A experiência pessoal e subjetiva é importante. Mas a probabilidade de chegarmos de fato ao destino correto, com menos probabilidade de nos envolvermos em acidentes e com maior eficiência no trajeto aumenta à medida que assumimos que necessitamos de óculos científicos.

Coincidências podem acontecer durante o percurso. Podemos até mesmo dirigir um trecho do caminho de olhos fechados e ainda assim não bater o carro. Podemos fazer uma prova sem estudar e acertar questões “chutando”. Podemos tomar leite com manga no mesmo dia que estamos, sem saber, com uma virose e achar que vomitamos porque essa combinação de alimentos faz mal, como diziam as gerações anteriores e o senso comum. São coincidências que reforçam uma determinada crença e que, consequentemente, nos afastam da Ciência.

É justamente esse tipo de “miopia” que precisamos evitar. E nesse sentido não temos para onde fugir: todos nós somos míopes em algum grau. É aí que a Ciência entra como um par de óculos que nos ajudam a ver o mundo com mais clareza. Ao nos fornecer uma maneira sistemática e rigorosa de coletar, analisar e interpretar dados e informações, a Ciência nos permite ver além das limitações da nossa percepção pessoal e obter uma compreensão mais precisa da realidade. O fato de você estar lendo este livro neste momento me deixa feliz, pois, assim como eu, você também sentiu a necessidade de usar estes óculos para enxergar com mais precisão toda a exuberância do universo que nos cerca.

Afinal, o que é ciência? | Lançamento

O mundo é probabilístico, mas não foi isso que nos ensinaram. Abraçar essa realidade pode ser angustiante, afinal vivemos sob o impulso de buscar certezas, ao passo que a realidade mostra que a certeza é inatingível. Raramente reconhecemos a influência do acaso e das variáveis desconhecidas em nossas vidas. Assim, ao invés de procurar por algo absoluto, o que podemos e devemos fazer é buscar maneiras de entender e lidar com as incertezas. Se até agora o senso comum guiou suas escolhas práticas por meio de tentativa e erro, chegou o momento de mergulharmos na ferramenta mais confiável e essencial para a tomada de decisões racionais: o pensamento científico.


André Demambre Bacchi é doutor e mestre em Ciências Fisiológicas com ênfase em Farmacologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Desde 2010 atua como docente nas áreas de Farmacologia, Toxicologia e, mais recentemente, também nas áreas de Epidemiologia e Bioestatística. Atualmente é professor adjunto do curso de Medicina da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) e divulgador científico.

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