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Acomodação é pecado. Acomodar-se é estagnar | Rubens Marchioni

É isso mesmo: acomodar-se é estagnar. Dito de outro modo, é negar as possibilidades de desenvolvimento pessoal. O outro erro, em geral decorrente desse, é atribuir os resultados, inevitáveis, a pessoas e circunstâncias que nem estavam presentes ao processo de autoabandono.

Ora, quando se assume a condição de poste, fica incoerente se queixar do tratamento recebido: vaso sanitário de animais, ponto de apoio para sacos de lixo, convívio permanente com as condições climáticas e vai por aí afora.

A decisão pode estar embasada em teorias inesperadas. Assim, ainda que possa soar estranho para um católico, nunca é demais relativizar a recomendação de Santo Agostinho segundo a qual cada novo acontecimento é uma providência divina – o destino da vida humana seria planejado por Deus. A menos que se disponha de algo pouco provável como a decisão de Júpiter quanto aos destinos dos portugueses, narrada em Os Lusíadas, obra de poesia épica do escritor português Luís Vaz de Camões. Nas estrofes 20 a 41 é convocado o Consílio dos Deuses para uma decisão importante: os portugueses devem ou não conseguir alcançar o seu destino? E Júpiter afirma que sim, porque eles estão predestinados a viver essa experiência.

Contestando minha ressalva ao pensamento de Agostinho, alguém pode buscar reforço no passado. Afirmar que anos atrás, no mundo corporativo e no âmbito profissional, se deixar levar pela vida era aceitável, por vezes até recomendável.

Ainda que nisso existisse algum fundo de verdade, é preciso reconhecer que os tempos mudaram. Basta atentar para o que se verifica hoje, em diferentes setores da sociedade. Vivendo em novo cenário, nos EUA o consumidor muda de comportamento em relação a determinadas práticas no que diz respeito à adoção de algum gênero de produtos alimentícios, como a carne, por exemplo.

Quem traz as informações é ninguém menos que o respeitável Philip Kotler. Ao falar sobre opinião pública em Marketing para o século XXI: como criar, conquistar e dominar mercados, ele ensina: “O público tem assumido novas atitudes e predisposições que podem afetar seu interesse por certos produtos e serviços. Em determinados momentos os norte-americanos se afastam do consumo de carne vermelha ou leite e de certas atividades. As empresas que comercializam carne bovina e leite não ficam paradas, esperando. Financiam campanhas para influenciar as pessoas a se sentirem mais tranquilas para consumir seus produtos”.

Você acabou de ler um bom motivo para uma revisão do comportamento. Sobretudo em tempos de pandemia, quando decisões de consumo estão sendo revistas. A propósito disso, hoje as pessoas têm melhores condições para pesquisar sobre temas como o politicamente correto.

Com isso não quero dizer que a hiperatividade se justifica. Extremismo, ela apenas representaria o outro lado da acomodação. E mostraria todo o seu potencial de gerar prejuízos que não se revelam menores e menos danosos apenas porque nasceram de uma boa intenção. Exagero é opção fatal.

Os resultados da decisão de conduzir a própria vida, sem conformismo, não falam sobre conforto. Ao contrário, provocam situações angustiantes. Acionam o medo das perdas inevitáveis e o risco de pagar caro por decisões impensadas. Nossa liberdade nos obriga a escolher e nos torna escravos das escolhas que fazemos. Isso é estar no mundo. Sorry.

Pessoa física ou jurídica, o melhor caminho, nesse caso, continua sendo a atividade pensada, inteligente, sensata. Uma vez que produz resultados positivos, ela pode se transformar em sucesso de público e de bilheteria.

Afinal, nunca é demais lembrar que não fica bem entrar para a história da vida, da empresa, do governo, como “Fulano de Tal, O Breve”. Mas isso pode ser evitado. Basta relativizar a ideia de predestinação, como disse. Pode-se fazer isso adotando o ceticismo traduzido numa constatação bem humorada do físico teórico e cosmólogo britânico Stephen Hawking: “Tenho reparado que mesmo aqueles que afirmam que tudo está predestinado e que não podemos mudar nada a respeito disso continuam olhando para os dois lados antes de atravessar a rua.” Acredite na predestinação, se quiser. Mas continue olhando para os dois lados da rua. Ainda é mais seguro.

Essa atitude de cautela é prudente. Porque destino é coisa que se constrói. Tudo bem se isso exigir certa disciplina, o sacrifício de uma parcela de lazer, de descanso. Afinal, a alegria não dá em árvores. Ela é estado que nasce de um meticuloso processo de artesanato. O que fala de empenho, de trabalho além do horário comercial.

Para isso, podemos contar com nossos valores. Porque eles nos arrastam para frente, sempre na direção do prazer, da realização alegre. É assim que se projeta aquilo que apenas parece utopia. É assim, no papel de senhor do próprio destino, construção pessoal e intransferível.


Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo, blogueiro e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Pela Contexto é autor de Escrita criativa: da ideia ao texto.  https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao / e-mail: [email protected]