Os povos antigos acreditavam que os fenômenos da natureza, assim como as infecções, eram obra de forças divinas, representadas pelas mais diferentes entidades, dependendo da civilização em questão. Seus líderes e muitas famílias das diversas dinastias desses povos eram representantes das entidades divinas, sendo admirados e respeitados por isso.
Algumas vezes, acreditava-se, doenças infecciosas eram enviadas pelos deuses como ação benéfica ou castigo. Um exemplo ocorreu no final do século VIII a.C., quando Ezequias, rei de Judá, atribuiu a doença à defesa divina de Jerusalém. À época, o exército inimigo assírio sitiou a cidade para conquistá-la, mas uma epidemia virulenta acometeu seu acampamento, que não apresentava boas condições higiênicas, assim favorecendo a contaminação e a disseminação da doença. Em pouco tempo, aumentou o número de cadáveres assírios. O Antigo Testamento relata como obra do Senhor o extermínio de mais de cem mil inimigos de Jerusalém.
O povo grego, civilização que mais influenciou a cultura ocidental, acreditava que as doenças eram enviadas pelo deus Apolo. Mas a esperança de cura residia em seu filho Asclépio. Filho de Apolo com a mortal Coronis, foi criado pelo centauro Quíron, de quem obteve grande conhecimento sobre o poder das plantas medicinais. Se a doença infecciosa era enviada por um deus, nada mais cabível para a cura do que recorrer a um mito. Assim nasceu o mito segundo o qual Asclépio detinha a arte da cura das doenças. O culto a Asclépio iniciou-se no século VI a.C., na Tessália, e permaneceu por quase mil anos com a construção de mais de duzentos templos. No altar, sua figura era representada tendo nas mãos um bastão ao qual se enrolara uma serpente.
Os doentes que se dirigiam a esses templos eram acomodados nos pavilhões e se purificavam por meio do jejum e com banhos e óleos passados na pele. Posteriormente, adormeciam e tinham a chance da cura pelo sono, no qual recebiam entidades que os curavam ou os orientavam sobre procedimentos terapêuticos. Dessa forma, as doenças infecciosas eram encaminhadas ao poder de Asclépio; a morte dos doentes tinha como explicação não uma bactéria, mas o fato de eles não terem se purificado adequadamente ou de serem incuráveis. Entre os muitos templos erigidos a Asclépio, um dos mais famosos foi o de Epidauro, local em que, acreditava-se, ele passou sua infância ou estava seu sepulcro. Após o apogeu no século III a.C., esses templos foram fechados por uma bula do imperador Constantino, já no Império Romano, em 335 d.C.
Asclépio tinha duas filhas: Higeia, responsável pela manutenção e restauração da saúde dos doentes, e que, por isso, deu origem à palavra higiene; e Panaceia, responsável pelo conjunto das substâncias empregadas para a cura de enfermos. Enquanto várias pessoas com infecção se aglomeravam nos templos, era plantada a primeira semente para se compreender as doenças infecciosas de modo mais racional. O percurso para alcançar o entendimento que hoje se tem das infecções foi longo e árduo e envolveu o avanço do pensamento científico. Um dos primeiros passos foi dado na Grécia Antiga, com o nascimento da Filosofia.
Na costa da atual Turquia, uma cidade grega se destacava como centro econômico com crescimento potencial: Mileto. Foi nela que, no século VI a.C., despontou uma força cultural e surgiram os primeiros grandes pensadores que começaram a interpretar a natureza em termos naturais, libertando-se dos mitológicos. Entre esses pensadores estava Tales, considerado um dos primeiros revolucionários de sua época. Ele influenciou os demais pensadores daquele tempo com suas teorias desvinculadas dos mitos e das crenças.
Tales de Mileto, por meio do conhecimento adquirido em observações e do emprego da razão, previu a ocorrência de um eclipse solar. Foi o primeiro a tentar entender o mundo natural, que postulou ser constituído de água em diversas formas. Várias observações contribuíram para a sua teoria: a água transformava-se em pedra nas baixas temperaturas e em vapor nas temperaturas elevadas, as plantas cresciam ao receber água das chuvas e todos os seres vivos necessitavam ingerir água para viver. Nada mais lógico do que pensar que tudo era constituído de água. Tales deixou discípulos que perpetuaram sua escola. A escola de Mileto, fundamental para a formação da Filosofia ocidental, foi destruída em 494 a.C. quando o Império Persa, em expansão no Oriente, conquistou a cidade, berço da Filosofia. Mas as portas para o desenvolvimento da razão estavam abertas.
Os alicerces da mitologia grega se abalaram. Os revolucionários discordavam de que os deuses do Olimpo regiam o dia a dia. Um horizonte se abriu no imaginário humano e a ciência avançaria nos séculos seguintes. Ampliaríamos o conhecimento geográfico, esboçaríamos mapas com extensão que abarcaria a Ásia e África. Aprimoraríamos a Matemática, e emergiriam fórmulas na álgebra, trigonometria e cálculos. Com isso, descobriríamos que a Terra é redonda. E mais. Calcularíamos a circunferência da Terra, o tamanho da Lua, a distância entre a Terra e a Lua, o tamanho do Sol e a distância entre a Terra e o Sol. Tudo através de observações astronômicas a olho nu e cálculos matemáticos.
Apesar de tanto avanço, a origem da matéria, levantada por Tales de Mileto, permaneceu nas discussões filosóficas. Qual o constituinte de toda natureza? Do que somos feitos? E as rochas? A vegetação? Seria apenas água mesmo, segundo levantado por Tales? Não demorou para que discípulos de Tales e novos expoentes posteriores discordassem propondo novas teorias que ampliaram a confusão. Emergiram em diferentes cidades gregas espalhadas pelo Mediterrâneo. Anaxímenes discordou, tudo era constituído de ar e não água. Xenofanes inferiu que tudo eram formas diferentes do mesmo material: terra. Já Heráclito discordou de todos: tudo se consome pelo fogo, e, portanto, esse era o elemento primordial da matéria.
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Stefan Cunha Ujvari é médico infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, graduado e pós-graduado pela Unifesp. É autor de livros relacionados à História da infectologia. Pela Editora Contexto publicou A História da humanidade contada pelos vírus, Pandemias: a humanidade em risco, A História do século XX pelas descobertas da Medicina e História das Epidemias.