Tendo chegado a um certo ponto de estudos e reflexões sobre diferentes discursos de sociedade, pareceu-me importante retomá-los e agrupálos em torno de algumas temáticas. Assim funciona a pesquisa: jamais terminada, com resultados diversos, jamais interpretações definitivas. Ademais, nunca há um único princípio de coerência. Como sabemos, nas ciências humanas e sociais as análises passam pelas bifurcações caudinas dos postulados, conceitos e métodos de análise de cada disciplina. Além disso, em uma mesma disciplina, existem diversas correntes com suas próprias noções e formas de análise, sem que estas últimas façam face às outras. Se paralelamente temos uma preocupação com a interdisciplinaridade como eu a defini em alguns escritos,1 as análises e as interpretações abrem-se para novas perspectivas. Fui levado a dizer várias vezes: nenhuma disciplina, nenhuma corrente disciplinar pode pretender esgotar o saber sobre uma questão relativa ao humano e à sociedade. Portanto, retomar as análises e reorganizá-las a partir de um novo ponto de vista é uma maneira de trazer uma perspectiva complementar.
E ainda, a importância da linguagem. A importância da linguagem não só para os indivíduos que vivem em sociedade, mas também para as ciências humanas e sociais. E, por conseguinte, a importância da disciplina nomeada “ciências da linguagem”. A linguagem, sob suas diversas denominações – fala, discurso, língua, não é um simples instrumento a serviço de um pensamento pré-construído – como seria um martelo com a intenção prévia de cravar um prego. A linguagem é este material de construção do pensamento, inscrito no ser humano desde o seu nascimento, que lhe permite dar sentido ao mundo, nomeando-o, qualificando-o, tornando-o acontecimento, explicando-o por meio de formas de raciocínio. A linguagem é a atividade humana por meio da qual se constroem visões de mundo, se constroem sistemas de pensamento, saberes de conhecimento e de crença, mas também a atividade que permite aos indivíduos estabelecer relações sociais e, por conseguinte, construir sua identidade: a rejeição e o amor do outro, a violência e a pacificação em relação a outrem passam pela palavra. Por fim, a linguagem é o que estabelece as relações de força em uma sociedade, parte da qual se inscreve nos regimes políticos. Em suma, a linguagem é a própria existência do homem.
É de tudo isso que as ciências da linguagem tentam dar conta. É nesse contexto que me situo, com a ética necessária do pesquisador que busca compreender, explicar e não denunciar.
Patrick Charaudeau é professor emérito da Universidade de Paris-Nord (Paris XIII) e fundador do Centre dAnalyse du Discours (CAD) dessa mesma universidade. Criador de uma teoria de análise do discurso, denominada Semiolinguística, é autor de diversas obras: A conquista da opinião pública, Discurso das mídias, Discurso e desigualdade social, Discurso político, Dicionário de análise do discurso e Linguagem e discurso e A manipulação da verdade, todos publicados pela Contexto. Na França, é autor de vários livros, capítulos de livros e revistas, dedicados aos estudos discursivos.