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8 de Setembro (1966) | Dia Internacional da Alfabetização

O dia 8 de setembro foi estabelecido como o Dia Internacional da Alfabetização em 1966, por recomendação da Conferência Mundial dos Ministros da Educação para a Erradicação do Analfabetismo, ocorrida em Teerã, em setembro de 1965. A data foi escolhida por ter sido o dia da abertura da Conferência. A Unesco, seguindo a recomendação, oficializou-o em 1967.

A alfabetização é a capacidade de ler e escrever funcionalmente. Esse conceito tem mudado ao longo da história. Nas sociedades judaicas e muçulmanas antigas e para os europeus até o século xviii, bastava ser capaz de ler. Em 1958, oficialmente, a Unesco definiu como analfabeto um indivíduo que não conseguia ler ou escrever algo simples. Já vinte anos depois, definiu-o como uma pessoa que, além disso, não possui habilidades para satisfazer as demandas do seu dia a dia e se desenvolver pessoal e profissionalmente. Desse conceito deriva a ideia atual de que uma pessoa alfabetizada é aquela que tem domínio para ler diversas linguagens presentes nos meios escritos, combinando a leitura de palavras, números, imagens e outras tantas representações. Por esse conceito, no Brasil, o inaf, Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional, aponta que, em 2005, só 26% das pessoas dominam leitura e escrita. Destes, 53% são mulheres e 47%, homens; e 70% são jovens de até 34 anos.

8 de Setembro (1966) | Dia Internacional da Alfabetização

O estabelecimento de uma data para a alfabetização é um ato político. O objetivo tem sido oficialmente: a) reforçar o direito à leitura e à escrita para todos, como decorrência do direito à educação estabelecido na Declaração dos Direitos Humanos; b) reunir esforços no combate ao analfabetismo que atinge principalmente aqueles que foram excluídos do sistema educacional formal; c) demonstrar esforços das nações e instituições em prol da educação; e d) mobilizar a opinião pública internacional para desenvolvimento de programas e atividades voltados para a formação de leitores e escritores nos sistemas de educação formal e não formal.

O combate ao analfabetismo é uma luta por um direito social e, como tal, sustenta-se no fato de que todos devem ter acesso a ele e, simultaneamente, há o reconhecimento de que existem os que ainda não o usufruem. E é isso o que mostram as estatísticas. Apesar de ter índices decrescentes no mundo ao longo do século xx, ainda atinge milhões de pessoas no século xxi. No ano de 2005, existem aproximadamente oitocentos milhões de indivíduos não letrados e cem milhões de crianças fora da escola, sendo que a menor frequência escolar está entre jovens e crianças que vivem em regiões rurais. O problema afeta mais diretamente as mulheres, representando dois terços dos iletrados.

No mundo ocidental, o analfabetismo está relacionado à desi-gualdade social e ao controle político. Como é um mundo constituído em sociedades letradas, onde as informações escritas institucionalizam os direitos sociais e políticos e permitem o acesso às ideias e ao conhecimento em geral – de onde derivam as relações sociais, políticas e de trabalho –, quem não domina a leitura e a escrita fica em uma situação de dependência ou de exclusão. Há, assim, uma relação direta entre vida social e econômica, cultura letrada e poder. Na dimensão política, “ditadores” podem controlar populações analfabetas e censurar textos, na medida em que a leitura representa um perigo ao dissipar a ignorância, a custódia e a submissão. Muitos são os exemplos históricos de restrição à escolaridade e de censuras.

Na escola é ensinado que a escrita foi introduzida em determinadas sociedades em tempos muito antigos. Mas não é explicitado o fato de que, como hoje em dia, nem todas as pessoas daquelas sociedades tinham acesso a ela. Em muitas culturas, consideradas letradas, apenas poucos indivíduos tinham esse domínio cultural. Na realidade, havia padrões sociais e políticos que impediam ou favoreciam sua difusão.

A escrita e a leitura nem sempre foram valorizadas socialmente como hoje. Em muitas sociedades antigas, como na Grécia, existiam mais estímulos à oralidade. Para os filósofos Sócrates e Platão, por exemplo, nenhuma forma escrita podia dar o devido mérito à retórica. Em Fedro, texto de Platão, Sócrates adverte seu discípulo de que o uso das letras faz com que as pessoas não utilizem a memória. Confiando nos caracteres, elas guardam reminiscências, que são apenas aparências da verdade e, assim, nada aprendem e nada sabem. Entre os romanos, Cícero também valorizava a oralidade e, para ele, ler era uma forma de pensar e falar.

Existiam, assim, discordâncias quanto ao valor da escrita na Antiguidade. Mesmo que a escrita estivesse vinculada à fala em muitas situações, o registro de caracteres foi largamente utilizado em placas de argila, papiro, pedra e pergaminho, preservando epopeias, textos sagrados, códigos, leis, acordos políticos, tratados filosóficos e as atividades mais corriqueiras da vida econômica e cotidiana.

Tanto na Antiguidade quanto na Europa medieval, a leitura e a escrita eram, porém, domínio de poucos. Na Idade Média europeia eram controladas pelo poder eclesiástico através do vínculo que mantinham com o latim e os textos bíblicos.Mas, diferentemente do que ocorria entre os católicos, a alfabetização entre os judeus já era democratizada antes do século vi a.C. E a cultura muçulmana, na Ásia e na África, sempre teve por costume manter as portas das escolas das mesquitas abertas para os meninos procedentes de famílias de diferentes origens sociais, ficando o aprendizado literário posterior restrito aos filhos das famílias mais ricas que podiam custear os estudos.

Foi só efetivamente a partir do século xvi que a alfabetização passou a ser estimulada na Europa. Humanistas e reformadores defendiam-na como uma maneira de combater o predomínio da Igreja Católica. Assim, incentivaram a formação de uma elite de escritores e artistas, que repercutiu principalmente na Inglaterra, com a criação de escolas que não incluíam, todavia, sua difusão para o povo. Foi somente na Alemanha, com a Reforma Protestante, que escolas foram fundadas para ensinar a ler e escrever, em língua vernácula, crianças e jovens de diferentes origens, inclusive camponeses e mineiros.

Hoje em dia, as mais variadas cartas de direito reconhecem o direito à instrução. Mas foi só a partir da criação da ideia de “direitos humanos” no século xviii e das lutas operárias no século xix que o direito à educação passou a ser reivindicado, junto com o sufrágio universal e a luta por sociedades mais igualitárias e justas.

As políticas internacionais em prol da alfabetização foram intensificadas nas últimas décadas do século xx. Na Conferência Mundial da Unesco sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, 1990 foi considerado o Ano Internacional da Alfabetização. E, dez anos depois, durante o Fórum Mundial de Educação, realizado em Dakar, no Senegal, 180 nações se comprometeram em reduzir o número de analfabetos pela metade até 2015.

No Brasil, as estatísticas do ibge indicam quedas no índice de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais: era de 33,6%, em 1970, e passou para 11,8% em 2002, demonstrando em parte um compromisso da nação com fatores que afetam a desigualdade política, econômica, social e cultural.


Por Antonia Terra – Doutora em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (fflch-usp). Professora do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (puc-sp).