Fechar

31 de outubro (1517) | 500 anos da Reforma Protestante

As 95 Teses de Lutero Disputatio pro declaratione virtutis indulgentiarum, 1522

Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão culminado no início do século XVI por Martinho Lutero, quando através da publicação de suas 95 teses, em 31 de outubro de 1517 na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica Romana, propondo uma reforma no catolicismo romano.

Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus provocando uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, estendendo-se pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria. A resposta da Igreja Católica Romana foi o movimento conhecido como Contrarreforma ou Reforma Católica, iniciada no Concílio de Trento.

O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente entre os católicos romanos e os reformados ou protestantes, originando o protestantismo.


A Reforma como acontecimento político

Em 1517, o monge agostiniano e teólogo Martinho Lutero atacou publicamente os ensinamentos e as práticas da Igreja, sobretudo o que parecia ser a venda papal de indulgências nas cidades do império germânico. Ele continuou e aprofundou suas críticas numa corrente de publicações e declarações públicas, e o papa Leão x formalmente o condenou e excomungou em 1521. O que de início era um assunto eclesiástico, tornou-se também político quando o apelo de Lutero por reforma começou a ser implementado em vilas e cidades germânicas. E mais tarde, em 1521, Lutero foi convocado a comparecer em Worms, perante o Reichstag ou Dieta. Essa era a assembléia representativa do império, que era convocada pelo imperador, no caso o recém-eleito Carlos V, e da qual participavam cerca de duzentos dos principais prelados, príncipes e dignitários civis da Germânia. Lutero foi chamado para retratar-se, mas não se retratou e deixou a reunião com um salvo-conduto limitado de reconsiderar sua posição. Como membro de uma faculdade em Wittenberg, Lutero estava sob a jurisdição de Frederico, o príncipe-eleitor da Saxônia. No que pode ter sido a decisão política mais importante de toda a Reforma, Frederico, apesar de seus amigos e do apoio de Carlos numa eleição imperial que fora muito controvertida, decidiu oferecer sua proteção ao teimoso padre monge. O imperador expediu um mandato de prisão de Lutero. Ajudar o reformador era agora traição bem como incitação à heresia.

Por nove anos, entre o Reichstag de Worms, em 1521, e o de Augsburg, em 1530, o imperador Carlos V, que agora era juiz e executor de Lutero, não fez nada acerca de seu famoso teólogo proscrito. Na época em que convocou a Dieta de Augsburg, em 1530, a Reforma estava profundamente estabelecida na Germânia e alhures, não apenas por causa da aceitação de seus princípios, mas, o que era mais difícil de reverter, com a confiscação das terras e propriedades da Igreja e sua distribuição a novos e diferentes proprietários, clérigos e leigos. Carlos tinha razão para demorar. Tinha de combater não apenas a oposição política do papado, mas uma longa guerra contra seu principal rival europeu, Francisco I de França (r. 1515-1541) e ao mesmo tempo defender a fronteira sudeste do império contra os otomanos que se aproximavam, que, em 1526, esmagaram o exército húngaro em Mohács e marchavam sobre Viena.

Só em 1530, quando tanto os franceses como os otomanos tinham sido castigados, ao menos pelo momento, Carlos V pôde voltar-se para Lutero. Então Lutero era uma “cause célèbre” na Europa, e não participou do Reichstag em Augsburg, mas seu representante, Melanchthon, apresentou, com o aval de Lutero, tanto uma Confissão como uma Apologia em defesa da posição de Lutero. Foi apoiado por alguns dos príncipes que já se tinham declarado a favor da Reforma e a decretado em seu território, mas foi rejeitado pela maioria católica. A sua condenação em Worms em 1521 foi confirmada.

Os príncipes protestantes do império, três deles eleitores imperiais, formaram sua própria aliança defensiva, a Liga de Esmalcalda, para proteger seus interesses se o imperador usasse a força, como parecia provável. Em1534, porém, os problemas do império tornaram-se mais complexos quando um revitalizado Francisco i concluiu uma aliança com o sultão otomano Solimão. O imperador teve de pegar em armas não só contra os aliados franceses e turcos, mas também contra seus próprios príncipes. Em 1544, Paulo III anunciou a convocação de um concílio geral para tratar da Reforma e apoiou fortemente a decisão de Carlos de suprimir a Reforma pela força das armas. Em 1547, os exércitos do império e da Liga defrontaram-se em Mühlberg, perto de Dresden, e o imperador saiu vitorioso.

A Reforma parecia estar no fim quando os príncipes protestantes aceitaram os termos de Carlos. Mas não foi assim. Um deles, Moritz da Saxônia, com o apoio do rei francês, que estava sempre pronto a causar problemas a Carlos, atraiu o imperador e seu exército para fora das terras germânicas e então fez um acordo com o irmão de Carlos – e seu representante no que se referia à metade oriental do império – Fernando. O resultado final, em 1555, foi a Paz de Augsburgo na qual tanto o imperador como os príncipes garantiam e certificavam o status quo religioso nos vários principados, católicos e protestantes – ou, numa fórmula enunciada alguns anos depois, cujus regio ejus religio, “de quem o domínio, dele a religião”, sem prejuízo, esperava-se, para a religio do regio vizinho. O acordo significava, ademais, que os príncipes eram os guardiões dessa “paz religiosa”, tanto do bem-estar de suas igrejas como da consciência dos fiéis.

Lutero e os príncipes

Desde o momento de sua excomunhão e proscrição em 1521, Lutero dependia, para a sua segurança pessoal e a sobrevivência de seu movimento, do apoio dos príncipes germânicos, num primeiro momento de Frederico da Saxônia e, depois, de um número crescente de outros. Em 1520, um dos panfletos de Lutero, À nobreza cristã da nação alemã, conclamava esses príncipes a agir numa frente única, para privar o papado de sua riqueza e estimular a reforma das ordens religiosas – ambas provavelmente muito proveitosas para eles – e revisar o currículo teológico de suas universidades, o que possivelmente não seria tão proveitoso assim.

Nesse e em outros de seus primeiros escritos, Lutero imaginava, muito como Calvino, uma harmonia produtiva entre os objetivos dos líderes espirituais e dos políticos da cristandade reformada. As expectativas de Lutero logo foram frustradas, não apenas pela hostilidade do soberano, o imperador Carlos V, mas pelos interesses pessoais dos próprios príncipes comprometidos com a Reforma. Foi nesse clima de crescente preocupação pragmática com a independência da Igreja – Lutero ainda pensava em termos “católicos”, não confessionais – que ele publicou, em 1523, Sobre a autoridade secular, como o texto é conhecido, embora a palavra alemã weltlicher talvez seja mais bem traduzida por “mundano”. Nesse panfleto, Lutero sustenta a total independência da Igreja como uma congregação livre, em que todos os membros são iguais e cada um é “rei, sacerdote e profeta”. O governo secular e espiritual são âmbitos distintos e devem ser mantidos separados. Essa separação de funções estava baseada pelo menos na compreensão implícita de que “as coisas que são de César e… as coisas que são de Deus” eram também separadas – uma posição difícil de manter no século xvi, quando coisas tão diversas como propriedade (as da Igreja) e os meios (a impressão da Bíblia vernácula) eram calorosamente contestadas entre autoridades eclesiásticas e políticas.

No fim, Lutero contentou-se com algo menos do que cooperação perfeita ou independência completa entre Igreja e Estado: uma reforma gradual garantida pelo soberano desse território particular na colcha de retalhos que era o Sacro Império Romano. Desde bem antes da Reforma, o mapa político europeu se refizera em Estados nacionais. Inglaterra, França e Espanha (até seu rei ser eleito imperador como Carlos V) não eram parte da versão medieval recuperada do Império Romano e por isso não compartilhavam do sonho nostálgico de um imperium universal único. Todos estavam evoluindo para fac-símiles reconhecíveis de seus entes modernos, um sistema político que abrangia um povo que partilhava uma história comum, vivendo num território definido, num regime político estável. Esse desenvolvimento arrastou consigo, embora num curso muito mais turbulento, a formação de Igrejas nacionais.


AS PRINCIPAIS RELIGIÕES CRISTÃS
Entenda as ramificações do cristianismo


Fonte: F. E. Peters. “A Reforma como acontecimento político” e “Lutero e os príncipes”. OS MONOTEÍSTAS – VOL. I: os povos de Deus. Editora Contexto.
Imagem de capa: Jovem Nerd