Fechar

16 DE ABRIL DE 1984 | DIRETAS JÁ

Em São Paulo, no dia 16 de abril de 1984, realizou-se o maior comício do Brasil até esse ano, reunindo 1,7 milhão de pessoas pró-eleições diretas no Brasil. Esse comício corresponde a um momento fundamental do final do regime ditatorial no país no que se refere ao processo político eleitoral.

O regime militar instaurado em 1964 no Brasil extinguiu o pluripartidarismo, criando em 1966 apenas dois partidos,  Arena (Aliança Renovadora Nacional) e mdb (Movimento Democrático Brasileiro). O processo eleitoral nesse período também sofreu restrições: as eleições proporcionais para deputados federais, estaduais e vereadores eram diretas. Entretanto, o Colégio Eleitoral, formado por parlamentares, escolhia os cargos majoritários – presidente e governador. O Senado, a partir de 1977, também passou a utilizar a eleição indireta, com o Colégio Eleitoral escolhendo dois terços dos senadores a serem renovados. Estes, eleitos indiretamente, eram conhecidos como senadores biônicos. 

A intensificação da crise econômica no final da década de 1970 mostrava a fragilidade do assim chamado “milagre econômico” promovido pelo regime militar. Com isso, o desemprego, a alta inflação e o arrocho salarial fomentaram profunda tensão social, fortalecendo a resistência ao regime. Em 1978 e 1979 expandia-se o movimento grevista gerado sobretudo pelo sindicalismo dos metalúrgicos em São Bernardo do Campo (sp) .

Os sinais de mudança em relação ao regime tornavam-se evidentes; em 1979 foi decretada a Lei da Anistia, possibilitando o retorno de líderes oposicionistas que se encontravam no exílio. Ainda nesse ano, o governo militar, preocupado com as sucessivas vitórias oposicionistas concentradas no mdb, mudou a legislação eleitoral extinguindo o bipartidarismo e possibilitando a criação de novos partidos. Foram criados nesse período o pds (Partido Democrático Social), reunindo a maioria dos arenistas e o pmdb (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), com a maioria do antigo mdb; o pdt (Partido Democrático Trabalhista), fundado por  Leonel Brizola, que havia retornado do exílio; o ptb (Partido Trabalhista Brasileiro), fundado por Ivete Vargas e, por último, o pt (Partido dos Trabalhadores), que teve a sua origem no sindicalismo do abcd, cidades que compõem a Grande São Paulo (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema).

As forças oposicionistas ganhavam espaço contrapondo-se ao regime militar e reivindicando: o direito de greve e de organização sindical (livre da tutela do Estado); a revogação da Doutrina de Segurança Nacional; e, principalmente, as eleições diretas, com o fim do Colégio Eleitoral. Em 1982, conquistaram-se os primeiros passos nesse sentido, quando os governadores dos estados puderam ser eleitos pelo voto direto A campanha pelas eleições diretas para presidente intensificava-se gradativamente. Em março de 1983, o deputado Dante de Oliveira (pmdb-mt) apresentou no Congresso Nacional a emenda que restabeleceria as eleições diretas para a presidência da República. A campanha foi lançada oficialmente pelo pmdb em 15 de junho desse mesmo ano, na cidade de Goiânia, e passou a ser conhecida como Movimento das Diretas Já.

Para articular o movimento, formou-se o Comitê Nacional Pró-Diretas, suprapartidário, reunindo, entre outros, partidos de oposição (pmdb, pdt, pt), entidades estudantis como a une (União Nacional dos Estudantes), centrais sindicais – cut (Central Única dos Trabalhadores) e Conclat (Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras) – e também a Comissão Justiça e Paz. Além disso, para divulgar a ideia, foram organizadas Caravanas das Diretas, que cruzavam o Brasil, tendo sempre à frente Ulysses Guimarães, então presidente do pmdb, denominado Dr. Diretas por sua atuação; Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do pt; e Doutel de Andrade, presidente do pdt, representando o governador Leonel Brizola. Estes, denominados “três mosqueteiros”, davam a unidade para a campanha.

Um outro personagem que se destacou na campanha pela redemocratização do Brasil foi o ex-senador Teotônio Vilela, que, embora estivesse ligado a partidos de direita  na maior parte de sua vida política, migrou para o mdb em 1979 tornando-se um opositor do regime militar. Defensor da anistia, percorreu o Brasil exigindo as eleições diretas, ganhando, por isso, o título de “Menestrel das Alagoas”. Dizia o ex-senador, que deixou a vida política em 1982: “O voto direto deve ser conquistado e não barganhado com ninguém”.

No final de 1983, na cidade de São Paulo, foi realizado um comício, ainda tímido, com o comparecimento de 15 mil pessoas. Em 1984, o Movimento das Diretas Já toma conta da cidade: em Curitiba, a manifestação pró-diretas colocou nas ruas um bloco de cerca de 50 mil pessoas. Em São Paulo, no mesmo ano, foi realizado um grande comício pró-eleições diretas no dia do aniversário da cidade (25 de janeiro), contando com mais de 300 mil pessoas. Belo Horizonte repetiu a dose de São Paulo, reunindo, em um comício na avenida Afonso Pena, 300 mil pessoas que gritavam pelas Diretas Já. Em Goiânia, 250 mil pessoas (¼ da população da cidade) compareceram ao comício das Diretas. Em Vitória, reuniram-se 80 mil pessoas; no Rio de Janeiro, 300 mil. E novamente em São Paulo, no dia 16 de abril de 1984, realizou-se o maior comício do Brasil até então, com a participação de 1,7 milhão de pessoas.

Os comícios eram alegres e coloridos. O amarelo, lançado pelo editor Caio Graco Prado como a cor-símbolo das Diretas, predominava. Havia shows, presença de artistas, barracas de comidas, estandes de livros, material de propaganda em favor das Diretas, constituindo-se em uma verdadeira festa-comício. Para grande parte da população, a manifestação tornou-se um movimento de resistência no qual colocava-se  em questão também o arrocho salarial, o desemprego e a dívida externa.

Em 1984, pela primeira vez em vinte anos, a sucessão presidencial não seguiu os trâmites normais da ditadura na qual um general nomeava um sucessor. Por um lado, o governo procurava evitar a Emenda Dante de Oliveira; por outro, não conseguia controlar as divergências internas do pds em torno da definição de um candidato à presidência. A Emenda Dante de Oliveira seria votada. Entretanto, apesar de o envolvimento nas manifestações representar a vontade da maioria da população brasileira em restabelecer as eleições diretas, a emenda acabou sendo rejeitada em 25 de abril de 1984. Depois de 17 horas de discussão, chegou-se ao seguinte resultado: 298 votos favoráveis, 65 contrários, 3 abstenções e o não comparecimento de 112 deputados do pds. Faltaram 22 votos para a aprovação da emenda.

Com a impossibilidade de o povo eleger de forma direta o presidente da República, a atenção agora se voltava para uma nova articulação do Colégio Eleitoral: setores moderados e conservadores da oposição, conduzidos pelo pmdb, aliaram-se ao pfl (Partido do Frente Liberal, fundado por lideranças dissidentes do pds, como o então vice-presidente da República, Aureliano Chaves, e os senadores José Sarney e Marco Maciel) e lançaram como candidato à presidência o então governador de Minas Gerais Tancredo Neves (pmdb), tendo como vice o ex-governador do Maranhão, José Sarney. Esse acordo, denominado Aliança Liberal, derrotou em 15 de janeiro de 1985, no Colégio Eleitoral, o candidato governista Paulo Salim Maluf por 480 votos a 180. A eleição direta para presidente só ocorreria cinco anos após o Movimento das Diretas Já, que hoje é lembrado como um passo essencial na construção da democracia. Entretanto, a democracia como instrumento de justiça social, como propunha o Movimento, ainda é um ideal a ser conquistado.


Conceição Aparecida Cabrini – Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (puc). Participa de projetos de formação de professores e atua como professora de História do ensino fundamental e médio.